
Apresentação
A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.
Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos
Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado
ISSN 2525-8583
Domingueira nº 13 - Maio 2025
Índice
- Ressarcimento ao SUS pelas operadoras de planos de saúde - por Lenir Santos
Ressarcimento ao SUS pelas operadoras de planos de saúde
Por Lenir Santos
Em 1995, a Lei Paulista n° 9.656[1] estabeleceu para o Estado de São Paulo que as empresas operadoras de planos privados de assistência à saúde, contratados por pessoas físicas ou jurídicas, a obrigatoriedade de ressarcir o SUS dos custos correspondentes aos serviços prestados aos seus beneficiários em unidades de saúde paulistas. Tal lei foi regulamentada pela Resolução SS/SUS n° 01/1996. Na época não havia regulamentação sobre plano de saúde e os serviços de riscos de assistência a serviços médico-hospitalares, mediante pagamento prévio, regiam-se pelo Decreto-Lei n° 73, de 1966.
Em 1998, quando foi regulamentado o plano de saúde (em 2000 foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar), o Ministério da Saúde levou em conta a disciplina da lei paulista para introduzir na Lei Federal n° 9.656, de 1998, a mesma obrigatoriedade da lei paulista (art. 32).
Ambas a leis visavam promover a equidade pelo uso dos serviços públicos de saúde pelos beneficiários de planos privados. Nada mais justo. As operadoras de planos de saúde devem ressarcir o SUS sempre que os serviços públicos forem utilizados por seus beneficiários. Lembramos que a Lei Paulista perdeu a sua validade quando entrou em vigor a lei federal disciplinando a matéria.
Desde esta data, passados mais de 30 anos, o ressarcimento tem sido uma pedra no sapato do SUS, por nem sempre conseguir que ele ocorra de fato. O princípio da universalidade do acesso obriga os serviços do SUS a atenderem todas as pessoas desse país. Não obstante, aqueles que têm planos de saúde (e gozam, ainda, de isenção tributária ao abater essas despesas no ajuste anual do imposto de renda), precisam que as suas operadoras ressarçam o SUS pelos serviços que lhe forem prestados. São as operadoras dos planos que devem ressarcir o SUS e não o seu beneficiário, face o modelo do sistema público de saúde vigente no país.
Atualmente esse tema está no cenário nacional com a imprensa a divulgar a hipótese de as operadoras privadas de planos de saúde permutarem seus débitos com o governo federal. Mediante ajuste entre as partes, a dívida da operadora seria permutada por serviços prestados aos usuários do SUS.
É do conhecimento público que a pandemia da Covid-19 aprofundou a insuficiência do atendimento especializado pelo SUS, tanto que o Programa Nacional de Expansão e Qualificação da Atenção Ambulatorial Especializada no âmbito da Política Nacional de Atenção Especializada em Saúde – PNAES, tem o objetivo de ampliar e qualificar o acesso aos serviços de Atenção Especializada em Saúde – AES, diminuindo assim o déficit de serviço ampliado pela pandemia.
A ideia da permuta, ou seja, trocar débitos do setor privado da saúde por serviços ao SUS, poderia ser uma forma de solucionar essa insuficiência de serviço público, melhorando o atendimento à população no tocante aos serviços especializados.
Vemos tal medida respaldada no § 1° do artigo 199 da Constituição que permite a participação complementar do setor privado no SUS quando as suas disponibilidades forem insuficientes para o atendimento das necessidades da população, conforme § 1° do art. 199 da Constituição e art. 24 da Lei n° 8.080, de 1990.
O disposto no art. 24 refere-se à insuficiência pública que pode ser suprida pelos serviços privados, denominada de regime da complementaridade dos serviços públicos pelos serviços privados nos casos de carência pública, que não se confunde com o regime das parcerias, que nem mesmo está previsto no mencionado texto constitucional, nem na referida lei.
Aliás, o regime das parcerias na área da saúde, de modo geral, carece de melhor regulamentação, uma vez que as regras de qualificação das entidades privadas sem finalidades lucrativas como organizações sociais e o fomento público, nem sempre são especificamente para o SUS ou observam os seus ditames. Além do mais, as leis estaduais e municipais devem observar a lei federal (Lei n° 9.637/98), o que não tem ocorrido, descumprindo-se assim decisão do STF, Acordão RE 1318552 AGR/RJ, 2021, que impõe tal obrigatoriedade por tratar-se de lei federal de normas gerais.
Mas voltando ao tema da permuta dos débitos das operadoras de planos de saúde com o governo federal, esta poderia ser uma forma temporária de solucionar as pendências do ressarcimento previsto no art. 32 da lei ora mencionada, autorizando que os serviços credenciados pelas operadoras de planos de saúde atendam usuários do SUS, em âmbito nacional, referenciados por estados e municípios, observados os regramentos do SUS.
Outra possibilidade que pode se somar à da permuta acima mencionada, seria os hospitais considerados de excelência, nos termos do art. 14 da Lei Complementar n° 187, de 2021, prestarem serviços no âmbito do Programa Mais Especialidades, conforme art. 15 da mesma lei, mediante ajuste com o gestor do SUS.
Estando o SUS em déficit em relação aos serviços de especialidades resultado da crise sanitária decorrente da pandemia de 2020-2022, importante que os serviços de saúde privados em débito pelo SUS, ou que gozem de isenções tributárias por serem reconhecidos como de excelência, excelência, aliás, mais voltada ao atendimento do setor privado, sejam solidários com a população que aguarda na fila para atendimento de suas necessidades de saúde. Situações excepcionais podem e muitas vezes requerem a adoção de medidas excepcionais e temporárias. Aprofundar o tema pode ser uma medida que colabore com a insuficiência de serviços para que os usuários do SUS possam ser atendimentos mais brevemente.
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[1] Referida lei nasceu de um projeto de lei do deputado estadual Arlindo Chinaglia que contou com o apoio jurídico de Lenir Santos e Guido Ivan de Carvalho entre os anos de 1992 a 1993.
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Lenir Santos advogada, professora colaboradora do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp, doutora em Saúde Pública pela Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa).