Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
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Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira nº 19 - junho 2023

Índice

  1. A caminho de cuidados de saúde sustentáveis - por Carmino de Souza

A caminho de cuidados de saúde sustentáveis

Por Carmino de Souza


Muitas de nossas normas culturais atuais, como nossos hábitos de consumo, bem como as estruturas econômicas que os sustentam, estão em conflito crescente com os valores de proteção da saúde humana e garantia das necessidades básicas. Nossa economia dependente do crescimento está definitivamente ligada às mudanças climáticas, perda da biodiversidade, degradação do solo, acidificação dos oceanos, escassez de água, bem como à poluição — a maior causa ambiental de doenças, responsável por cerca de nove milhões de mortes prematuras por ano superior, por exemplo, ao número de pessoas morreram de Covid-19 em 2021, o pior ano da pandemia em termos de mortalidade.

De acordo com a Comissão Lancet sobre Saúde e Mudanças Climáticas, as projeções das mudanças climáticas indicam um “risco inaceitavelmente alto e potencialmente catastrófico para a saúde humana” (1).

Os efeitos das mudanças climáticas na saúde são diversos, desde os impactos da escassez de alimentos e água até o aumento de calor, alergia, doenças transmitidas por vetores e doenças relacionadas à poluição do ar, até os efeitos na saúde mental de condições climáticas extremas, ansiedade, deslocamento populacional e, finalmente, conflitos.

A falta de incentivo financeiro para promover a saúde e prevenir doenças nos cuidados de saúde e na pesquisa médica reflete uma falha sistêmica que explica parcialmente por que os sistemas de saúde mais caros do mundo (ou seja, EUA, Suíça e Alemanha) não são as populações com os melhores indicadores de saúde.

Fatores como diagnóstico excessivo e o uso excessivo de serviços médicos e fármacos, (lembrar de que ter mais cuidado é sempre mais importante) são um problema em muitos sistemas de saúde e um número crescente de países tem custos de saúde que estão aumentando mais rapidamente do que o produto interno bruto (PIB).

Os modelos de assistência, em boa parte, deixam pouco tempo para o contato com o paciente. O resultado é o que os profissionais de saúde se desgastam e têm a frustração e o ressentimento que desumanizam os cuidados de saúde.

Um número preocupante de profissionais de saúde (por exemplo, mais da metade dos médicos nos EUA) sofre de sintomas de burnout parcialmente atribuídos a danos morais causados pela burocracia e tempo insuficiente para o atendimento ao paciente. É necessário um impacto positivo sustentado, em oposição a um impacto positivo de curta duração, para construir sistemas de cuidados de saúde sustentáveis.

O ajuste fino de um paradigma de negócios de ‘assistência médica’ é uma abordagem insuficiente e de curto prazo. Será necessária uma mudança sistêmica para criar sistemas de saúde que valorizem inerentemente a saúde. Dada a influência positiva do desenvolvimento sustentável na saúde, as estratégias futuras devem andar de mãos dadas com uma narrativa de cuidados de saúde informada pelas interconexões entre saúde ambiental e humana.

Para atingir esse objetivo, abordagens transdisciplinares como Planetary e One Health , que reconhecem as complexas relações entre a saúde dos seres vivos e seus ambientes, oferecem pontos de entrada cruciais para o desenvolvimento de sistemas de saúde resilientes.

Será necessário dissociar o crescimento econômico e os danos ambientais para proibir a futura transgressão dos limites planetários e o agravamento das desigualdades na saúde. A promoção da saúde e a prevenção de doenças têm o potencial de aumentar a saúde pública, diminuir os gastos com saúde e reduzir os custos ecológicos do setor de saúde.

Além disso, são urgentemente necessários modelos de cuidados de saúde que incentivem a saúde, mas não o tratamento excessivo, criando ambientes de trabalho que permitam aos profissionais de saúde atender e cuidar melhor de seus pacientes. Há uma consciência crescente do papel que os cuidados de saúde desempenham no contexto da sustentabilidade. Em 2021, mais de 50 países se comprometeram a construir sistemas de saúde resilientes ao clima e de baixo carbono.

O sucesso de modelos revolucionários de saúde que valorizam a ‘humanidade acima da burocracia‘ também é encorajador. Apesar disso, mais esforços são necessários para criar sistemas de saúde que priorizem o bem-estar físico, mental, social e planetário.

O Brasil tem o sistema único de saúde, o nosso SUS. Através do SUS podemos avançar e muito nestas questões ligadas aos cuidados dos cidadãos e nas ações de prevenção, sem se descuidar dos pacientes mais complexos e que exijam maior e estrutura mais sofisticada.

A pandemia de Covid-19 mostrou a importância e a capacidade deste sistema reagir e defender a sociedade brasileira contra a mais grave crise sanitária dos últimos 100 anos, apesar do ambiente desfavorável que estávamos vivendo. Assim, a busca de caminhos que deem maior sustentabilidade aos sistemas de saúde é um elemento crítico ao futuro da humanidade, sua saúde e sua relação com o meio ambiente e o planeta.

(1)- Towards Sustainable Health Care: Maya Cosentino. Blogs PLOS, 2023.

Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.

Fonte: Hora Campinas




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