Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
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Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira nº 21 - julho 2023

A pobreza como indicador de expectativa de vida através do mundo

Por Carmino de Souza


Medir a expectativa de vida e seu crescimento através do mundo começou no século XVII e era um dado disponível para muitos poucos habitantes da terra, e principalmente da Europa. No Reino Unido e na Alemanha, por exemplo, a mortalidade infantil foi a primeira a cair e foi acompanhada, em anos seguintes, com a melhoria da longevidade de grande parte da população de idade intermediária.

O real aumento da expectativa de vida em grande parte do mundo, começou mesmo, no século XX. Alguns fatores foram fundamentais tais como:1- Natureza temporária dos eventos que causavam danos à saúde; 2- Estabelecimento e expansão dos cuidados à saúde; 3- Progresso sustentado do conhecimento científico e tecnológico em saúde; 4- Melhores hábitos de higiene, tratamento de agua e esgotamento sanitário; 5- Vacinação em larga escala; e 6- Ações de prevenção (?). Porque o ponto de interrogação na prevenção… tentaremos explicar mais adiante.

Interessante notar que, dentre os indicadores socioeconômicos de vários níveis, o que se refere a pobreza da população explica melhor a evolução da expectativa de vida do que a evolução/crescimento do PIB (produto interno bruto), per capita; da densidade populacional ou; a densidade de médicos e profissionais de saúde.

Populações nascidas em nações ricas vivem mais que as pobres e esta diferença é enorme, cerca de 20 anos. A ligação entre as mudanças na expectativa de vida é mais pronunciada nos países pobres e de economia mais “fraca” e diminuiu com o aumento da prosperidade. Os riscos para a saúde global, como sabemos mais do que nunca, são constantes.

Desde o final do século XX, por exemplo, novos grupos de doenças e mortes tem sido causadas em larga escala: 1- doenças não transmissíveis: cardiovasculares, cânceres, doenças mentais, etc.; 2- novas doenças infecciosas: HIV/AIDS, SARS-COV-2; 3- Bactérias resistentes à antibióticos; 4- Guerras e genocídios que continuam a liderar o declínio na expectativa de vida em muitos países.

Em relação à Covid-19, estima-se que entre 100-110 milhões de pessoas foram lançadas à extrema pobreza no mundo. Só este componente fez a expectativa de vida cair em cinco anos ou mais em pessoas vivendo na pobreza pelo mundo. É natural que os danos da pandemia sejam muito mais acentuados em populações de baixos salários do que os outros, apesar de afetar a todos de alguma maneira. Sem as medidas de saúde adotadas e de grande impacto como a vacinação, a Covid-19 pioraria, como piorou, a todos, mas com grande desigualdade, atingindo fortemente os mais pobres. Outras pandemias como a SARS em 2003 e Zika em 2016 também afetaram os salários, mas em menor proporção.

Será que a pobreza leva à doença e a prosperidade à saúde? Possivelmente, o aumento dos salários leva a melhor saúde (relação causal), os trabalhadores de saúde disponíveis são de grande valia pois são muito produtivos e compromissados e alguns fatores externos também podem levar à melhor saúde e a maior prosperidade (fatores “confundidores”).

Mesmo com a existência de novas doenças, progressão de doenças pré-existentes, etc. a tendência é que a expectativa de vida continue a melhorar globalmente. Já discutimos em outros artigos, o quanto o Brasil deve evoluir na alocação % do PIB na saúde. Sabemos que a média europeia do % do PIB na saúde é mediamente elevada. O país de menor alocação em 2015 foi a Romênia (5%) e a maior, a Suécia (12%). Estamos abaixo de todos! Os anos de vida em pessoas com doenças crônicas, também na Europa, variou de cerca de 10 anos na Suíça até 25 anos na Alemanha, em 2014.

Nestes últimos 30 anos, houve uma explosão de alocação de recursos em saúde na Europa, praticamente triplicando em Euros, saindo de 150 bilhões para mais de 400 bilhões de Euros e aumentando, pelo menos, 20% dentro do % do PIB. A expectativa de vida na Europa, por países em 2014, variou de 75 anos na Romênia a 84 anos na Suécia e Espanha. Houve uma explosão nos gastos com novas drogas oncológicas, por exemplo.

Mas, e infelizmente, os dados estatísticos mostram que a alocação de recursos em prevenção em vários países, com destaque para a Alemanha foi praticamente o mesmo e extremamente baixo quando comparado a outras alocações de recursos. Possivelmente, esta é uma grave distorção que ocorre em muitos países e creio, também no Brasil.

Assim, este curto texto visa mostrar a influência da pobreza na expectativa de vida das várias nações e como o progresso e a alocação de recursos em terapêutica segue superando e muito as ações e gastos em prevenção. Precisamos refletir globalmente sobre estes fatos e trabalhar para ajusta-los e corrigi-los.


Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.




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