Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira nº 22 - Junho 2024

Índice

  1. As crises do financiamento sob a égide do ajuste fiscal - por Francisco R. Funcia e Lenir Santos

As crises do financiamento sob a égide do ajuste fiscal

Por Francisco R. Funcia e Lenir Santos


Têm sido frequentes as notícias nos jornais sobre a desvinculação ou redução dos pisos da saúde e educação, com a Folha de S. Paulo noticiando no dia 12 de junho que a “Fazenda estuda limitar alta de pisos da saúde e educação”. (1)

Desde a Lei Complementar n. 200, agosto/2023 – dispondo sobre o novo arcabouço fiscal sustentável – que a vinculação constitucional prevista na EC 86, de 2015, que fixou para a União a obrigatoriedade de aplicar, minimamente, 15% da receita corrente líquida do respectivo exercício, está na berlinda. Esta última notícia sugere alinhar os pisos da saúde e educação ao atual arcabouço fiscal que limita o crescimento das despesas em 2,5% ao ano.

Se isso estivesse em vigor para 2024, apenas para termos um exemplo numérico, o piso federal do SUS cairia de R$ 218 bilhões (calculado pela regra da EC 86) para cerca de R$ 194 bilhões (seria uma perda de R$ 24 bilhões), que se somariam aos cerca de R$ 70 bilhões perdidos de 2018 a 2022 por causa da EC 95 e dos R$ 5 bilhões perdidos em 2023 com o aval do Tribunal de Contas da União em resposta à consulta feita pelo Ministério da Fazenda.

Essa nova ameaça ao piso federal do SUS é mais um capítulo de uma série de restrições e ameaças ao financiamento do SUS nos seus 36 anos de vida, cuja justificativa sempre foi a necessidade de se promover ajuste fiscal por meio de corte de despesas.

Originalmente, a Constituição fixou uma baliza para o financiamento da saúde, 30% do orçamento da seguridade social, para garantir sustentabilidade ao direito à saúde, com serviços suficientes e qualitativos. Importante frisar que o próprio Plurianual Plurianual (PPA) de 1991-1995 previa essa divisão de recursos entre as áreas da seguridade social, Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e Ministério da Saúde (MS), o que na realidade jamais ocorreu.

Talvez a maior crise financeira da saúde tenha se dado em 1993 quando o MPAS, por quase quatro meses, não repassou ao MS a sua cota-parte na arrecadação de tributos a seu cargo, ensejando a abertura de inquérito civil público pelo Procurador Geral da República, Aristides Junqueira, o que resultou no empréstimo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao Ministério da Saúde, na ordem de 35 trilhões de cruzeiros, a ser pago pela saúde em um ano.

Essa crise deu origem à criação, em 1996, para vigorar em janeiro de 1997, da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), por empenho pessoal do Ministro Adib Jatene, apoiada pelo Deputado Federal Roberto Campos a Maria Conceição Tavares.

Pelo fato de a referida lei não ter definido tratar-se de mais recursos para a saúde ou de recursos adicionais aos já previstos na lei orçamentária de 1997, o Governo FHC diminuiu outras fontes de seus recursos, já existentes. Os recursos da CPMF em 1997 representaram 6,9 bilhões de reais, os quais deveriam ser somados aos 14,3 bilhões do orçamento da saúde, num montante de 21,2 bilhões de reais. Entretanto, a execução orçamentária em 1997 foi de 17,6 bilhões de reais. Isso fez com que o Ministro Adib Jatene deixasse o cargo.
Como em 1996 foi criado o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), a atual DRU (Desvinculação de Recursos da União), 20% dos recursos da saúde (CPMF também), eram retirados da saúde – atualmente, a alíquota é de 30%.

Outra grave crise financeira da saúde adveio da EC 95, de 2016, que congelou o piso federal dos SUS no valor de 2017 retirando da saúde por volta de 65 bilhões de reais (conforme estudo do IPEA) ou R$ 70 bilhões de reais (conforme estudo do IPEA e da ABrES) entre 2018 a 2022, dependendo da metodologia de cálculo adotada. .
Em 2023, adicionalmente, o piso constitucional da saúde foi também abalado ao considerar os recursos do piso da enfermagem para o seu cômputo, por volta de 7 bilhões de reais, valores que somente deveriam contar para o piso a partir de 2024.

A União é responsável por 42% dos gastos públicos em saúde (mas detém cerca de 57% da receita disponível decorrente do valor consolidado da arrecadação tributária), enquanto os municípios são responsáveis por cerca de 32% dos gastos públicos em saúde (mas detém apenas cerca de 18% da
receita disponível decorrente do valor consolidado da arrecadação tributária).

Como 2/3 do orçamento do Ministério da Saúde são transferências para Estados, Distrito Federal e Municípios, a proposta de redução do piso federal do SUS impactará negativamente a saúde financeira dos demais entes federativos, principalmente os municípios, com prejuízos ao atendimento das necessidades da população para além da área da saúde.

Foi o ajuste fiscal que retirou recursos da saúde nos anos 90; foi o ajuste fiscal que congelou os gastos federais e os da saúde também; agora é o ajuste fiscal que aparece como justificativa para reduzir os recursos mínimos obrigatórios ao seu financiamento. Mas, curiosamente, houve a retirada de recursos da saúde e não se resolveu o déficit fiscal – isso evidencia que o piso federal do SUS nunca foi ou é a causa do desequilíbrio fiscal.


(1) Folha de S. Paulo, dia 12.06.2024, Mercado p.2.


Francisco R. Funcia é economista e mestre em Economia Política (PUC-SP), doutor em Administração (USCS), professor dos cursos de Economia e Medicina da USCS e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES)/gestão 2022-2024.

Lenir Santos é advogada, doutora em saúde coletiva pela Unicamp, professora colaboradora da Unicamp, e presidente do Idisa – Instituto de Direito Sanitário Aplicado.


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