
Apresentação
A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.
Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos
Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado
ISSN 2525-8583
Domingueira nº 27 - Setembro 2025
Índice
- Dois alertas e uma previsão - por Gonzalo Vecina Neto
Dois alertas e uma previsão
Por Gonzalo Vecina Neto
Por estes dias duas noticias estão sendo veiculadas na imprensa e estão passando meio desapercebidas e ou ligadas a outros eventos, dada a turbulência econômica e politica que estamos vivendo. Mas é necessário recoloca-las em um contexto especifico e fundamental.
A primeira diz respeito a noticia veiculada pela Agencia Brasil no dia 22/8/25 – “reações adversas possivelmente relacionadas ao uso da vacina Excell 10, contra clostidiose, podem ter resultado na morte de quase 200 animais, o que levou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA a retirar de circulação os lotes 016/2024, e 018/2024 da vacina produzida pelo laboratório Dachra Brasil Produtos Veterinários. Segundo o MAPA até o momento foram registrados óbitos de 194 ovinos, 4 caprinos e 1 bovino.”
Essa vacina é usada na criação de animais para protege-los de uma doença fatal causada por toxinas de bactérias do gênero Clostidium spp (da mesma família das bactérias que causam o botulismo em humanos).
O que pode ter ocorrido? As investigações estão sendo conduzidas pelo MAPA e pelo laboratório. Mas o fato é muito grave.
É importante nesse momento lembrar que o MAPA e os produtores do agro em 1999 foram contra a fiscalização da produção de medicamentos voltados para animais serem controlados pela ANVISA, como alias ocorre nos USA onde o FDA é o responsável pela fiscalização e segurança de medicamentos produzidos para humanos e animais. Afinal o destino destes medicamentos termina nos humanos.
Na época o argumento não mencionado, na sombra, foi que as exigências de segurança de medicamentos para humanos eram desnecessárias para animais – somente encareceria o acesso a medicamentos para animais.
O agro em geral e o MAPA esquecem que ter uma bela produtividade e eficiência produtiva de nada valem se os compradores não comparecerem. O mundo não compra alimento – compra safety food! Se não for seguro, não aceitarão correr o risco de envenenar seus cidadãos. Veja os recentes eventos relativos à gripe aviaria e mais distante os relativos à vaca louca.
A liberação realizada de agrotóxicos no governo anterior está envenenando a comida vendida pelo e no Brasil. E agora, fabricas que não estão sendo adequadamente fiscalizadas estão produzindo mortes de animais. Faltam fiscais, pela economia forçada na contratação dos mesmos e o processo de fiscalização pelo MAPA tem sido falha. E ainda vale lembrar que no meio da pandemia passada se propuseram a produzir vacinas nas fabricas de animais ... para consumo humano! Ainda bem que os ignorantes do então governo não entenderam a proposta.
Mas o fato relevante a ser destacado neste momento é o risco que o Brasil corre pelo fato de não estar operando de maneira adequada a regulação da produção de medicamentos destinados a animais. Risco sanitário de cidadãos brasileiros e risco econômico pela queda da venda dos nossos produtos.
O segundo evento, muito mais grave não ocorreu aqui, mas na vizinha Argentina.
Veiculado pelo site Conversation no dia 25/8/25 - “A segurança dos medicamentos é um dos pilares da saúde publica. Na Argentina, essa responsabilidade cabe à Agencia Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnologia Medica – ANMAT, encarregada de garantir a qualidade, a eficácia e a segurança dos produtos de saúde no país. O cumprimento de normas internacionais e de protocolos de fabricação transmite a ideia de que incidentes graves e mortes associadas a medicamentos são altamente improváveis.
No entanto, quando falhas ocorrem, comprometem o sistema de saúde, abalam a sua credibilidade e expõe fragilidades regulatórias até então encobertas. Foi exatamente o que aconteceu recentemente com a contaminação de lotes de fentanil – um anestésico amplamente utilizado em procedimentos hospitalares.
No dia 2/5/2025, o Hospital Italiano de La Plata notificou a ANMAT um surto de infecções graves em pacientes de terapia intensiva após a administração de fentanil. As analises identificaram a presença das bactérias Kebsiella peneumoniae e Ralstonia spp em amostras clinicas. Os mesmos patógenos foram posteriormente encontrados em ampolas do medicamento produzido pela farmacêutica HLB Pharma.
Segundo o Boletim Epidemiológico Nacional, publicado em 11/8, já haviam sido confirmados 67 casos. Em 16/8 o número de mortes registradas chegou a 96 e segue subindo.”
Infelizmente o país vizinho está passando por um período muito difícil. Visitei a ANMAT em 1998 e conheci seu fundador - Pablo Baserque. Aprendemos com a sua experiencia. Tudo indica que temos uma crise na vigilância sanitária Argentina. Tudo pelo equilíbrio das contas publicas! Vidas? São detalhes e eu não sou coveiro deve dizer o mandatário local. Mas o que está acontecendo é uma crise institucional pelo desaparelhamento do estado que está sendo paralisado e o resultado são mortes evitáveis.
A ANVISA é responsável pela segurança sanitária de quase tudo que consumimos. Quase tudo, pois os alimentos tem uma divisão com o MAPA – todo o controle sanitário da porteira para dentro das propriedades rurais é do MAPA e de seus técnicos. De qualquer forma, inclusive nestes produtos a ANVISA tem uma responsabilidade não abdicável, apesar do compartilhamento das responsabilidades.
A questão, após esses dois relatos, é a previsão – o que viveremos? Já estamos vivendo?
Os órgãos de regulação estão sendo mal geridos, pois a dupla porta em muitos momentos tem prevalecido na indicação de seus dirigentes – ainda não é o caso da ANVISA, mas tem ocorrido nas demais agencias reguladoras. Além disso é notável a falta de técnicos para realizar as atividades de fiscalização e garantia das atividades de fiscalização e liberação de produtos. E as consequências estão começando a aflorar – a vitima no momento é o já desaparelhado MAPA. Mas quanto tempo se passara até termos um caso como o da Argentina?
Como conseguir frustrar uma previsão tão terrível?
Gonzalo Vecina Neto, Médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
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