Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

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ISSN 2525-8583



Domingueira nº 28 - Setembro 2025

Judicialização da saúde em SP pode contribuir para fortalecer SUS

Por Fernando Aith


Ações ajudam a entender necessidades de saúde da população e aspectos estratégicos sobre incorporação de novas tecnologias.

A judicialização da saúde no estado de São Paulo conta com uma ferramenta de gestão no âmbito da Secretaria Estadual de Saúde que reúne informações valiosas. Se bem analisadas, elas podem oferecer insumos estratégicos para uma melhor compreensão das necessidades de saúde da população e das dinâmicas de incorporação de novas tecnologias ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Trata-se do Sistema Codes (S-Codes), sistema de informação criado em 2009 para auxiliar o gestor estadual no gerenciamento das ações judiciais demandando saúde impetradas contra o estado de São Paulo.

Pesquisa cuidadosa conduzida por Ivy Calfa Espudaro na Faculdade de Saúde Pública da USP traçou um excelente retrato do fenômeno da judicialização no estado de São Paulo entre 2013 e 2022 (Espudaro, 2025). O estudo identificou nesse período um total de 146 mil ações judiciais pedindo saúde impetradas contra o estado paulista. Destaque para a alta judicialização nas regiões de Ribeirão Preto, Grande São Paulo, São José do Rio Preto, Marília e Bauru. Cada uma destas regiões possui mais de 11 mil ações, média acima de mil ações judiciais por ano.

Uma ferramenta importante oferecida pelo S-Codes é a aferição do Índice Paulista de Judicialização da Saúde (IPJS). Este índice representa o número de ações cadastradas por 10 mil habitantes, possibilitando a identificação das regiões mais afetadas por conflitos judicializados contra o SUS em São Paulo.

As regiões com maior IPJS, ou seja, com maior judicialização, são as de Presidente Prudente (IPJS 11,8), Barretos (IPJS 10,6), Ribeirão Preto (IPJS 9,3), São José do Rio Preto (IPJS 7,9), e Marília (IPJS 7,1). Isso permite identificar que há alto nível de conflitos no que se refere à saúde nas respectivas regiões e adotar medidas focalizadas visando entender as demandas e endereçar respostas de políticas públicas voltadas à redução dos litígios.

Igualmente esclarecedores são os dados relativos às doenças que mais levam os pacientes paulistas aos tribunais, conforme a Classificação Internacional de Doenças (CID 10). Os dados apontam para que as doenças classificadas nos seguintes capítulos da CID 10 são as mais judicializadas no estado: doenças endócrinas (incluindo diabetes), com 27% das demandas; doenças do sistema nervoso, com 23,7% das demandas; transtornos mentais e comportamentais (saúde mental), com 16,4% das demandas e; doenças circulatórias, com 13,2% das demandas. Chama atenção, nestes dados, o aumento do número de demandas referentes à saúde mental e, ainda, a persistente judicialização para tratamento de diabetes no estado.

Outra importante informação que pode ser extraída dos dados da judicialização no estado de São Paulo para fins de aprimorar a política pública de saúde é a referente aos tipos de pedidos feitos pelos cidadãos à justiça no que se refere a acesso à saúde. Verifica-se que 40% das demandas pediam materiais como para tratamento de diabetes (monitor de glicemia intersticial p.e.), para distúrbios respiratórios ou até fraldas geriátricas. Ou seja, acesso a materiais é um problema de saúde pública a ser melhor resolvido pelo gestor estadual.

Ainda, do total de demandas cadastradas no S-Codes, 30% delas solicitavam medicamentos pela via da judicialização, sendo que, destes, 77,5% referem-se a pedidos de medicamentos ainda não incorporados ao SUS e nem disponíveis na política nacional de assistência farmacêutica.

Outra informação relevante que pode ser extraída dos dados do S-Codes refere-se ao fato de que, dos medicamentos solicitados judicialmente, 21% dos pedidos referem-se a medicamentos já incorporados ao SUS mas que, por alguma razão, não estavam disponíveis ao cidadão nos postos de saúde, hospitais ou pontos de distribuição. Por esta razão, o cidadão se viu obrigado a recorrer à Justiça.

Também chama a atenção a quantidade de processos judiciais que pedem procedimentos do SUS. De acordo com os dados do S-Codes, 21,8% dos pedidos judiciais visam acesso a procedimentos no SUS. Chama atenção a quantidade de pedidos de cirurgia ortopédica (9%), de câmara hiperbárica (8,4%), de consultas médicas especializadas (6,6%), de procedimentos oncológicos (6,1%) e de internação psiquiátrica compulsória (10%).

Também podem orientar as políticas públicas de saúde os dados agregados sobre os medicamentos mais judicializados no estado entre 2013 e 2022 e as respectivas patologias, conforme a tabela abaixo.

Tabela: Percentual de demandas referente aos 30 medicamentos mais solicitados por ações judiciais, SES/SP (2013 a 2022)

Posição Medicamentos Capítulo CID 10
1º Insulina/Glargina                        VI – Doenças endócrinas
2º Rivaroxabana                            IX – Doenças aparelho circulatório
3º Ranibizumabe                            VII – Doenças do olho
4º Insulina/Lispro                        VI – Doenças endócrinas
5º Insulina/Degludeca – Caneta Descartável VI – Doenças endócrinas
6º Clopidogrel                             IX – Doenças aparelho circulatório
7º Insulina/Glargina – Caneta Descartável  VI – Doenças endócrinas
8º Rivaroxabana                            IX – Doenças aparelho circulatório
9º Empagliflozina                          VI – Doenças endócrinas
10º Cloridrato de Duloxetina                V – Transtornos mentais e comportamentais

Fonte: Tabela feita a partir dos dados do S-Codes e conforme organizados na dissertação de mestrado de Ivy Calfa Scudaro na Faculdade de Saúde Pública da USP. 2025

As informações acima, extraídas do S-Codes do estado de São Paulo e organizadas em excelente trabalho de pesquisa, mostram com clareza que a judicialização da saúde, se bem observada e compreendida, pode ser uma excelente oportunidade para ampliar a compreensão da sociedade brasileira sobre as necessidades concretas de saúde da população e, ainda, sobre aspectos estratégicos relacionados à dinâmica de incorporação de novas tecnologias ao SUS.

Se é verdade que a judicialização da saúde por vezes pode prejudicar o planejamento das políticas e dos gastos orçamentários em saúde, também é igualmente verdadeiro o fato de que, se bem analisada, pode representar uma excelente ferramenta de aprimoramento, consolidação e desenvolvimento do SUS.

Já passa da hora de usarmos os dados da judicialização da saúde como ferramenta de gestão do SUS e também do sistema de justiça brasileiro.

Espudaro, I.C. “Caracterização das demandas judiciais em saúde cadastradas no S-Codes junto a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo no período de 2013 a 2022”. Dissertação de Mestrado defendida junto à Faculdade de Saúde Pública da USP. São Paulo, 2025.

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Fernando Aith, Professor titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Paris. Diretor do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da USP

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Publicado em jota.info




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