
Apresentação
A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.
Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos
Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado
ISSN 2525-8583
Domingueira nº 29 - Setembro 2025
Índice
- 35 anos da Lei 8.080: vigilância em saúde e democracia - por Thiago Lopes Cardoso Campos
35 anos da Lei 8.080: vigilância em saúde e democracia
Por Thiago Lopes Cardoso Campos
SUS nasceu para afirmar que saúde não é mercadoria, mas sim direito
No processo de redemocratização do país, a Constituição de 1988 marcou o fim de uma era de silêncio e exclusão, reconhecendo a saúde como conquista popular e compromisso inadiável do Estado democrático de Direito. Dois anos depois, em 19 de setembro de 1990, a Lei 8.080 regulamentou esse pacto, organizando o Sistema Único de Saúde (SUS). Desde então, o SUS se afirma como um dos maiores patrimônios da democracia brasileira.
O SUS nasceu para afirmar que saúde não é mercadoria, mas sim direito. Mais do que assistência médico-hospitalar, é um sistema de proteção e vigilância em saúde. Sua lógica é simples: cuidar é, antes de tudo, prevenir, controlar riscos e proteger a vida em todas as suas dimensões — nos alimentos que comemos, nas roupas que vestimos, nos medicamentos e dispositivos de saúde que utilizamos, nos serviços e nos ambientes que frequentamos.
Nesse arranjo, a Anvisa ocupa lugar central. Guardiã da saúde pública, atua para prevenir riscos de adoecimento, assegurando qualidade e segurança. Faz isso ao regular o setor da saúde e cadeias produtivas que representam quase um quarto do PIB nacional, ao fiscalizar serviços e insumos e ao exercer o controle sanitário em portos, aeroportos e fronteiras. Assim, protege a vida enquanto assegura que a economia siga em movimento, sem abrir mão da saúde coletiva.
A pandemia de Covid-19 revelou a força e o limite dessas instituições. Quando a Anvisa aprovou as vacinas, sob ataques e pressões, foram seus servidores e servidoras que mostraram que ainda havia quem defendesse a vida dentro do Estado. Ali ficou claro que a ciência resistia ao negacionismo; o SUS vencia o medo.
Ainda assim, mais de 700 mil brasileiros morreram. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas. Não foram apenas resultado do vírus, mas de escolhas deliberadas: atrasar vacinas, difundir remédios ineficazes, espalhar desinformação. O descaso virou método e a morte se converteu em política — expressão plena da necropolítica, isto é, de um modo de governar em que o poder decide quem pode viver e quem deve morrer.
O SUS sobreviveu porque foi sustentado por seus trabalhadores, pela ciência e pela confiança do povo. Mas resistir não basta. É preciso fortalecer a vigilância sanitária, garantir à Anvisa autonomia e recursos, e consolidar um modelo de atenção que coloque a prevenção e a promoção no centro. Defender o SUS e a Anvisa é defender a democracia.
Para que os 35 anos da Lei 8.080 sejam de fato celebrados, é necessário curar as feridas da pandemia e fazer justiça. Só assim poderemos olhar para frente e afirmar o SUS como patrimônio vivo da democracia brasileira.
No julgamento dos atos golpistas de 8 de janeiro — que a ministra Cármen Lúcia classificou como o mais importante da história do Supremo Tribunal Federal — ela advertiu: “uma coisa é um país, outra um fingimento".
O Brasil só honrará sua democracia quando tiver coragem de julgar também os crimes cometidos na pandemia. Enquanto isso não acontece, seguimos no fingimento. E não enfrentar esses crimes é um erro histórico que corrói a democracia e nos aprisiona ao passado.
Sem memória e sem justiça, o pacto que sustenta o SUS e a Anvisa fica em risco.
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Thiago Lopes Cardoso Campos, Advogado sanitarista, atualmente é diretor da Anvisa
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