Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira nº 31 - Agosto 2024

Índice

  1. Pontos de reflexão sobre a Reforma Tributária e o SUS - por Francisco R. Funcia e Lenir Santos

Pontos de reflexão sobre a Reforma Tributária e o SUS

Por Francisco R. Funcia e Lenir Santos


O objetivo desta breve nota é refletir sobre os impactos da Reforma Tributária, aprovada pelo Congresso Nacional, tendo como ponto de partida a Emenda Constitucional 132, de dezembro de 2023 (originada da Proposta de Emenda Constitucional 45/2019).

A Reforma Tributária aprovou a substituição dos seguintes tributos:
A) três tributos federais – PIS, Cofins e IPI – pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS);
B) 27 tributos estaduais – ICMS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); e
C) 5.570 tributos municipais – ISS – também pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

O objetivo dessa reforma foi cumprir um dos princípios da tributação que é a sua simplificação ante a alta complexidade do sistema tributário brasileiro incidente sobre a produção e o consumo. A expectativa é que a simplificação tributária reduza custos das empresas e contribua para o incremento da atividade econômica, com reflexos positivos sobre a arrecadação.

A próxima etapa da Reforma é a aprovação dos projetos de leis complementares que estabelecerão os novos critérios de tributação. Diante da complexidade tributária vigente no Brasil e das profundas desigualdades regionais, aliadas à complexa estrutura federativa brasileira, tem-se não ser tarefa fácil fixar critérios equitativos. Tanto isso é fato que até 2023 ainda não tinha sido implementada uma reforma com esse objetivo. Unificar tributos sem ampliar a carga tributária e simultaneamente manter as receitas dos entes federativos tais como está posto, é tarefa das mais complexas, que exigirá estudos, debates, negociações entre a sociedade, o Poder Legislativo e o Poder Executivo.

No caso dos municípios, particularmente, não se pode negar a existência de um cenário de incerteza que reside na extinção de um tributo de competência municipal, que contribuiu nas últimas décadas para um acréscimo na sua receita própria, e que precisa ser mantido na unificação do ICMS (estadual), que dará ensejo ao novo Imposto sobre Bens e Serviços. Qual será o efetivo impacto sobre a receita municipal a partir dos critérios, ainda a serem estabelecidos, para o rateio desse novo imposto? Manterá esse acréscimo que vinha ocorrendo?

Atualmente os municípios têm sérias dificuldades dada a falta de informações completas sobre as transferências do ICMS, necessárias para a conferência dos valores de sua correção, fato que justifica a preocupação dos municípios em relação à possíveis perdas de uma receita própria municipal – que será substituída por um imposto a ser dividido com os governos estaduais.

É preciso considerar também que a tributação sobre os serviços está crescendo, proporcionalmente, mais que a tributação sobre a circulação de mercadorias (um exemplo é a tributação sobre os serviços da economia digital), e, como o ISS municipal será extinto pela substituição do IBS, é pertinente questionar se os municípios perderão essa capacidade de crescimento que vem ocorrendo com o ISS, uma vez que o resultado do IBS deverá ser dividido entre os estados e os municípios.

O impacto dessa mudança na tributação municipal e estadual sobre o financiamento do SUS dependerá das alíquotas do novo IBS e dos critérios de rateio. Atualmente, há vinculação tributária para o SUS nos Estados e DF de 12% do ICMS estadual, e nos Municípios, de 15% das transferências do ICMS e de 15% do ISS. Como ainda não houve definição de quais serão os percentuais de vinculação do novo IBS para o SUS, cabe perguntar se ele não será afetado pelas alíquotas e pelos critérios de rateio entre estados e municípios. Essa temática não tem sido tratada pela área econômica do governo, nem abordada pela mídia.

Outra preocupação trazida pela Reforma Tributária é o fato de o CBS ter incorporado um tributo que financia a seguridade social – a Cofins. Como ficará essa segregação de fontes para a seguridade? Se é verdade que, enquanto componente da Receita Corrente Líquida (RCL), o financiamento federal do SUS não deverá ser afetado (15% da RCL), o orçamento da seguridade social perderá uma fonte de receita, o que não está em harmonia com a inovação trazida pela Constituição Federal de se ter um orçamento próprio para a seguridade social, com contribuições específicas, além de outras fontes.

Há um outro ponto de preocupação na tramitação no Congresso Nacional dos projetos de lei que regulamentarão a reforma tributária: a pressão dos interesses de fortes grupos econômicos na busca de redução de alíquotas sobre bens que prejudicam o meio ambiente e a saúde da população. Esse debate tem aparecido no noticiário com alguma frequência e requer a ampliação da mobilização da população na defesa do direito à saúde, uma vez que saúde decorre não somente de prestação de serviços assistenciais, mas também de fatores sociais e econômicos que a afetam sobremaneira.

Não deixa também de ser uma fonte de preocupação, o subfinanciamento crônico da saúde, com uma história de muitos revezes face aos inúmeros planos de ajustes fiscais, que sempre impactaram negativamente a saúde, considerando ainda, que a área econômica dos governos não defende a vinculação de recursos para a saúde.

Sendo a saúde direito fundamental, que nas últimas décadas tem sido impactada pela incorporação de tecnologias, nem sempre necessárias em acordo as análises de custo-benefício; por medicamentos de altíssimos valores; pelo envelhecimento populacional, que altera os parâmetros assistenciais, qualquer reforma tributária precisa, para ser justa e melhorar os índices de desenvolvimento humano do país, ter forte compromisso com o financiamento sustentável do SUS.

Há ainda uma justa preocupação da área sanitária ante a baixa governabilidade do governo federal junto ao Congresso Nacional, que tem permitido priorizar a tramitação da reforma tributária que incide sobre a produção e o consumo, deixando para data incerta, a reforma incidente sobre o patrimônio, a renda e a riqueza. Esta reforma é absolutamente necessária pela sua capacidade de corrigir as distorções existentes quanto ao desrespeito ao princípio da capacidade contributiva. É esta reforma que poderá trazer maior progressividade aos tributos daqueles que têm mais renda e patrimônio, eliminando as antigas e amargas distorções tributárias, próprias de países com profundas desigualdades sociais.

Como o passado do SUS infelizmente sempre foi o do sacrifício em seu financiamento nos ajustes fiscais ocorridos, visto como uma fonte de gastos, jamais como investimento em qualidade de vida e justiça social, justifica-se toda e qualquer preocupação com a falta de garantia de que a Reforma Tributária não prejudicará o financiamento da saúde pública.


Francisco R. Funcia é economista e mestre em Economia Política (PUC-SP), doutor em Administração (USCS), professor dos cursos de Economia e Medicina da USCS e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES)/gestão 2022-2024.

Lenir Santos é advogada, doutora em saúde coletiva pela Unicamp, professora colaboradora da Unicamp, e presidente do Idisa – Instituto de Direito Sanitário Aplicado.


Participar deste Congresso é uma oportunidade única para vivenciar uma experiência enriquecedora e inspiradora. Será um ambiente propício para enriquecer seu conhecimento, debater temas relevantes, fazer novas conexões e expandir sua rede profissional.

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