Apresentação
A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.
Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos
Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado
ISSN 2525-8583
Domingueira nº 40 - Dezembro 2025
Índice
- Processo de subfinanciamento do SUS e as perspectivas para 2026 e 2027 - por Francisco R. Funcia
Processo de subfinanciamento do SUS e as perspectivas para 2026 e 2027
Por Francisco R. Funcia
O objetivo desta nota é apresentar algumas referências preliminares para a construção de uma agenda de enfrentamento do processo de subfinanciamento do SUS nos próximos dois anos (2026 e 2027). O biênio foi escolhido porque corresponde:
a) Haverá as eleições para a Presidência da República e Congresso Nacional, o que representa uma oportunidade especial para se conhecer (e, quem sabe, debater) durante o ano de 2026 as propostas de campanha do(a)s candidato(a)s aos cargos de presidente e vice-presidente, senador e deputado federal;
b) O penúltimo último ano (2026) e o último ano (2027) de vigência do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027 da União) e do Plano Nacional de Saúde 2024-2027, que vai nortear a elaboração pelo Ministério da Saúde (em 2026) do (i) Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2027, (ii) Projeto de Lei de Orçamentária 2027 da União e (iii) Programação Anual de Saúde 2027, os quais deverão ser submetidos à aprovação prévia do Conselho Nacional de Saúde, nos termos da Lei Complementar nº 141, de janeiro/2012; e
c) Ao período de realização das pré-conferências (estaduais, municipais e do Distrito Federal) e Conferência Nacional de Saúde, oportunidade em que se realiza o processo de planejamento ascendente do SUS para o período 2028-2031, com a aprovação das diretrizes para a elaboração do Plano Nacional de Saúde desse período (nos termos da Lei Complementar nº 141, de janeiro/2012, da Lei nº 8142, de dezembro/90 e da Lei nº 8080, de setembro/90).
As referências preliminares para a construção dessa “Agenda 2026-2027 de enfrentamento do processo de subfinanciamento do SUS” devem considerar a necessidade de:
1) Cumprir os artigos 196 e 197 da Constituição Federal, que estabeleceram a saúde como direito de todos e dever do Estado, cujas ações e serviços são de relevância pública e sendo necessária uma política econômica compatível com a garantia desse direito.
(*) Desta forma, é muito importante apoiar candidaturas nas eleições presidenciais e para o Congresso Nacional comprometidas com a adoção de uma política econômica capaz de combinar a responsabilidade fiscal com a responsabilidade social e sanitária, especialmente para a redução do processo de subfinanciamento do SUS e fortalecimento do orçamento da seguridade social.
(*) Em outros termos, essas candidaturas precisam explicitamente assumir o compromisso de, no mínimo, rever regras fiscais atualmente existentes que ainda expressam a austeridade fiscal.
(*) É oportuno lembrar que a atual gestão federal, logo depois de eleita no final de 2022 e após a posse em 2023, fez articulações políticas que resultou na revogação da Emenda Constitucional nº 95, de dezembro de 2016 (que continha os dispositivos para o congelamento, até 2036, das despesas primárias no valor pago em 2016 e do piso federal do SUS no respectivo valor de 2017, ambos somente atualizados pela variação do IPCA/IBGE).
(*) Considerando esse precedente positivo, seria muito importante que houvesse de nossa parte o apoio às candidaturas à Presidência da República e ao Congresso Nacional comprometidas com a revogação de pelo menos um dispositivo da Emenda Constitucional nº 135, de dezembro/2024, que veda a mudança de regra de cálculo dos pisos federais de políticas setoriais (como é o caso da saúde) se o resultado dessa mudança for uma variação anual de despesas acima do limite estabelecido pelo Novo Arcabouço Fiscal (ou seja, acima de 2,5% ao ano em termos reais).
2) Rever o processo de “captura” da condução da política econômica pelo Banco Central, enquanto representante dos interesses dos rentistas/capital/mercado financeiro.
(*) Sem isso, a política fiscal permanecerá “refém” da política monetária conduzida pelo Banco Central, sob a alegação da necessidade garantir a estabilidade dos preços (mesmo que os indicadores não indiquem cenário de instabilidade para manter a taxa básica de juros em 15% ao ano, uma das maiores do mundo).
(*) Isso, por sua vez, aumenta os gastos do governo federal com pagamento de juros da dívida, estimada em cerca de R$ 1,0 trilhão para 2026, valor esse impossível de ser financiado por meio de superávit primário (que é o resultado positivo da diferença entre receitas primárias, principalmente tributárias, e despesas primárias referentes às ações, serviços e obras realizadas pelas diferentes áreas governamentais).
(*) É essa situação que tem justificado a pregação do “mercado” pela política econômica da austeridade fiscal: cortar essas despesas primárias, inclusive do SUS, que atendem às necessidades da população como um todo, para fazer o superávit primário, cujos recursos cortados serão destinados para pagar parte dos juros da dívida.
(*) Mas o consequente desmonte das políticas sociais (dentre outras), como a que decorre do aprofundamento do processo de subfinanciamento do SUS, também atende outro interesse do “mercado”: possibilita a ampliação da participação do setor privado na prestação de serviços de saúde (cujo acesso é restrito aos que têm poder aquisitivo para comprar tais serviços).
(*) Portanto, urge rever essa política econômica da austeridade fiscal e essa “captura” da política econômica pelo Banco Central, que tem se desenvolvido e ampliado nos últimos 40 anos (o que tem mudado é o “grau da austeridade”, que aumenta nos governos conservadores em prejuízo ao atendimento das necessidades da população e que diminui nos governos progressistas em benefício
do atendimento das necessidades da população).
3) Rever o caráter impositivo (execução orçamentária obrigatória) das emendas parlamentares, pois o resultado disso foi o crescimento “explosivo” da participação das emendas parlamentares na execução orçamentária do Ministério da Saúde – de 1% em 2013 (ano imediatamente anterior à entrada das emendas impositivas) para 11,4% em 2024.
(*) Isso se faz necessário porque essas emendas têm representado uma forma de “desfinanciamento” permanente do SUS federal, na medida que essas despesas ASPS financiadas com emendas parlamentares não precisam necessariamente guardar relação com os instrumentos de planejamento do setor público em geral (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual), nem
com os instrumentos de planejamento federal do SUS (Plano Nacional de Saúde e Programação Anual de Saúde).
(*) É oportuno lembrar que o ponto de partida para a formulação desses instrumentos de planejamento do SUS são as diretrizes aprovadas na Conferência Nacional de Saúde (nos termos da Lei 8080/90, da Lei 8142/90 e da Lei Complementar 141/2012).
(*) Além disso, esses instrumentos precisam ser aprovados pelo Conselho Nacional de Saúde e devem expressar a pactuação na Comissão Intergestores Tripartite na definição dos critérios para essas transferências de recursos de emendas parlamentares, pactuação que também precisa ser aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, nos termos da citada legislação.
4) Ampliar os mecanismos de fiscalização e controle das emendas parlamentares ao orçamento federal, especialmente na saúde, que estão sendo determinados e/ou regulamentados principalmente pelas inciativas do Ministro Flavio Dino (do Supremo Tribunal Federal) e, no âmbito do Ministério da Saúde, pelo Fundo Nacional de Saúde.
(*) O Conselho Nacional de Saúde realizou um seminário (sob a coordenação da sua Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento) no dia 03 de dezembro de 2025 (disponível em https://www.youtube.com/live/Kvj_igRRg_o?si=LoAH4-oaeRMjJLV_), cujo resultado do debate foi transformado em (i) moção de reconhecimento ao Ministro Flávio Dino, (ii) recomendação ao Congresso Nacional, Tribunal de Contas da União e Ministério da Saúde e (iii) resolução endereçada ao Fundo Nacional de Saúde, cujas aprovações ocorreram na reunião ordinária do pleno do Conselho Nacional de Saúde realizada em 11 de dezembro de 2025. Esses atos do Conselho Nacional de Saúde apresentam propostas de fiscalização, monitoramento e controle dessas despesas oriundas de emendas parlamentares.
Francisco R. Funcia é Economista e Mestre em Economia Política (PUC-SP) e Doutor em Administração (USCS), Professor dos Cursos de Ciências Econômicas, Relações Internacionais e Medicina (USCS), Consultor na área de Finanças Públicas, Economia da Saúde e Financiamento do SUS e Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES).