Apresentação
A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.
Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos
Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado
ISSN 2525-8583
Domingueira nº 41 - Dezembro 2024
Índice
- Saúde, direito ao qual o orçamento deve se submeter - por Gabriel Brito
Saúde, direito ao qual o orçamento deve se submeter
Por Gabriel Brito
Integrantes do Instituto de Direito Sanitário traçam um histórico do financiamento do SUS, em contexto turbulento de ameaças de cortes em gastos sociais. Alertam: momento exige coragem política para evitar os retrocessos que tenta impor a Faria Lima.
O ano político brasileiro termina com tensões que antecipam as disputas que marcarão a segunda metade do governo Lula. Com o triunfo eleitoral das direitas, ficou flagrante o movimento, amplamente ecoado pela mídia comercial, de luta pelo orçamento de 2025. O debate divide o próprio governo, a opor uma agenda de disciplina fiscal, apoiada pela Fazenda, às áreas sociais. No meio disso, um Congresso ávido pela garantia da farra das emendas, uma notória contradição que desmoraliza a pauta de “austeridade” e é responsável pelo impasse que rasgou todos os prazos de publicação da Lei Orçamentária de 2025.
Por ora, a ministra Nísia Trindade não entrou no cenário, protagonizado por outros colegas em oposição a cortes orçamentários que afetariam áreas essenciais. No entanto, a saúde é alvo central deste fiscalismo que praticamente cria um poder executivo paralelo nas mãos do legislativo e poupa o brutal serviço da dívida pública amparada em juros altíssimos. Afinal, trata-se do ministério de maior orçamento.
Para profissionais e ativistas que defendem o SUS, a síntese é simples: não é um direito humano essencial que se submete ao orçamento, mas o inverso. “Desde a implantação do SUS o direito à saúde acabou pautado pela questão do financiamento, e que se arranjasse com pouco dinheiro. E é importante realizar esse casamento da pauta econômica com o direito à saúde no sentido de afirmar que é a pauta econômica que deve se submeter aos direitos fundamentais”, falou Lenir Santos, advogada e economista com pesquisa em saúde, ao Outra Saúde.
A construção do conceito
Como explica Fernando Aith, doutor em Saúde Pública e mestre em filosofia do direito, tal noção foi fundada com o advento do SUS e sua afirmação foi um processo evolutivo que percorreu todos os governos. “Durante muito tempo, o financiamento da saúde era dado pelo orçamento da Seguridade Social e disputava recursos com a Previdência Social. Até que o Adib Jatene virou ministro da Saúde, viu que a saúde era muito subfinanciada e não dava para montar o SUS com os recursos da Seguridade Social que estavam sobrando para a saúde. Foi aí que ele criou a CPMF”, explica.
Com passagem pelo Ministério da Saúde nos anos 90, lembra que tal debate foi marcante no governo FHC, a opor figuras como Pedro Malan e o então ministro da pasta, José Serra. “Vimos movimentos muito fortes de consolidação do direito sanitário no Brasil, com uma produção legislativa muito forte de proteção à saúde, a exemplo da Lei da Vida, a Lei da Injeção, a Lei dos Embriões”, resgata Aith.
“Isso começa a ser forte com a epidemia de aids no Brasil, no final da década de 80, começo da década de 90 e ao longo da década de 90. Os primeiros antirretrovirais eram muito caros e a doença alcançava a classe média e a média-alta, pessoas com maior acesso à justiça, mais conhecedoras da nova Constituição e dos novos direitos. Quando elas viram que o medicamento era inacessível, começaram a levar demandas ao judiciário pedindo que o SUS pagasse. E o judiciário, numa mudança de postura, começou a definir, em nome do direito à saúde, a prestação direta do Estado de serviços ou do fornecimento de medicamentos específicos a depender da necessidade de saúde de quem demandava. Isso foi um momento chave da afirmação conceitual do direito à saúde”, explicou Aith.
Ameaça de retrocesso
Com a retomada da direção do Estado pela visão de mercado, em especial a partir de 2016, alguns debates parecem ter voltado aos estágios iniciais. O tema serve para se observar que não é só o bolsonarismo que impõe retrocessos ao pacto democrático e constitucional com seu golpismo aberto. Entrevistas como a de Armínio Fraga à Folha, a dizer que o SUS não cabe no orçamento, são uma velha cantilena que voltou com força e precisa ser desconstruída novamente.
“Ele deixou nas entrelinhas que este direito vive a reboque do orçamento. Quando fala que o SUS deve ser híbrido entre público e privado, quer dizer que deve ser um sistema de saúde para pobres. O sistema já tem hibridismo entre público e privado, mas quando se requenta essa pauta é porque querem uma fatia maior para o privado”, atacou Lenir Santos.
Neste momento, o movimento sanitarista reitera a defesa da manutenção do orçamento a saúde sem tergiversações. Paralelamente, pautas como o fim da escala 6×1 que une trabalhadores precarizados e ganhou tração na opinião pública podem oferecer a luz que tire o governo do cerco do mercado.
Como alerta Fernando Aith, são tempos que exigem coragem política, pois a radicalização ideológica não é exclusiva de fanáticos como o autor do atentado ao STF na noite do dia 13 de novembro. “Eu nunca tinha visto tão abertamente o discurso (de se mexer no piso orçamentário da saúde), mesmo no âmbito do Ministério da Fazenda, inclusive a afetar a educação, que antes não entrava no alvo. Apesar dos discursos de Lula de que Saúde é investimento, vejo uma reação ainda bem tímida do ministério”.
Nota:
As entrevistas que compõem esta matéria foram feitas no contexto do congresso Direito Sanitário e Economia da Saúde, realizado pelo Instituto de Direito Sanitário (Idisa) nas dependências da Unicamp, entre 14 e 16 de outubro. Ativista do SUS e presidente do Idisa, Lenir Santos foi uma das organizadoras do evento que reuniu dezenas de palestrantes, em encontro que fortaleceu a defesa do direito à saúde em suas formas práticas, isto é, por meio de sua ligação objetiva com as decisões do Estado na destinação da riqueza social.
Publicado em Outra Saúde
Gabriel Brito é jornalista do site Outra Saúde.