Apresentação
A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.
Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos
Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado
ISSN 2525-8583
Domingueira Nº 47 - Novembro 2020
Índice
- Boletim Cofin/CNS 2020/11/11 - por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke
- Saúde, democracia e eleições municipais - por Thiago Campos
- ‘Para o governo, parece que a pandemia acaba em 31 de dezembro de 2020', diz economista sobre orçamento da Saúde em 2021 - por Evelin Azevedo
Boletim Cofin/CNS 2020/11/11
Por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke
Francisco R. Funcia, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Professor e Coordenador-Adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde.
Rodrigo Benevides, Economista (UFRJ) e mestre em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ.
Carlos Ocké, Economista e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde - ABrES.
Saúde, democracia e eleições municipais
Por Thiago Campos
No próximo domingo (15), os brasileiros irão às urnas em 5.570 municípios para escolher novos gestores e, por conseguinte, o projeto político que governará as suas cidades pelos próximos 4 anos. O processo eleitoral vai ocorrer em meio a pandemia da Covid-19, sobre os cadáveres dos mais de 160 mil mortos em todo o Brasil.
A Covid-19, como não poderia deixar de ser, afetou de forma mais acentuada as pessoas mais vulneráveis e os grupos sociais historicamente excluídos, nas periferias das grandes cidades, nos campos, nas florestas e nos municípios de menor porte socioeconômico. Vê-se assim que a saúde está no centro do debate político, com aumento da conscientização da população quanto à imprescindibilidade do SUS ao mesmo tempo em que está cercada por uma política negacionista e eivada de fakes news, acarretando desinformação sanitária ao arrepio do dever público de prevenir agravos à saúde por todos os meios.
A tarefa que caberá aos novos gestores será assegurar os níveis atuais de oferta de serviços, tanto na atenção básica em saúde quanto na média e alta complexidade, em meio ao aumento da demanda pela piora das condições de vida da população em razão da pandemia. O desafio será o de assegurar a garantia do direito à saúde em meio às dificuldades socioeconômicas, acentuadas neste período, com aguda retração econômica, aumento do desemprego e o “desfinanciamento” da política pública de saúde por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 95.
A EC 95, que fixa um limite para ampliação dos recursos alocados em áreas sociais, conhecida como a emenda do Teto de Gastos, vem exigindo dos Municípios, já pressionados pelas demandas sociais, o aumento da sua parcela no financiamento das ações e serviços de saúde. A União, limitada pelo teto de gastos, seguirá diminuindo a sua participação financeira no Sistema Único de Saúde, de obrigação de todos os entes federados, em especial a União por ser o ente que mais arrecada tributos no país e tem o dever de apoiar técnica e financeiramente os municípios em sua missão de cuidar da saúde. O projeto de lei orçamentário da União prevê valores ao nível do ano de 2019 ao não incorporar no teto mínimo da saúde em 2021 os valores acrescidos ao orçamento da saúde, no valor de 35 bilhões de reais, conforme estudos do Conselho Nacional de Saúde.
Os impactos econômicos e sanitários da pandemia exigirão do SUS, nesse novo ciclo de gestão, eficiência na organização da rede de serviços, de modo a permitir que os parcos e insuficientes recursos que lhes serão aportados, assegurem a preservação dos níveis atuais de oferta de serviços, garantindo cuidado em saúde à população. Os gestores terão que enfrentar a pressão da demanda reprimida em saúde por conta da pandemia, devendo intensificar as ações de prevenção e de promoção da saúde para ampliar a cobertura e garantir assistência a todos que precisem.
Importante lembrar que o cuidado com doentes crônicos, a exemplo dos diabéticos negligenciados durante a pandemia, e as periódicas epidemias de arboviroses, que no nosso país são cíclicas, a exemplo da dengue, seguirão causando estresse na capacidade de atendimento do sistema, devendo ser consideradas no planejamento das ações e serviços de saúde, aliadas aos problemas decorrentes da pandemia, inclusive eventuais sequelas causadas pelo vírus, como sugerem alguns recentes estudos científicos.
Neste momento, é imprescindível que os eleitores reflitam sobre as escolhas que farão diante das urnas. Não devem se deixar levar por promessas vazias e inconsequentes, como a de criação de novos hospitais, como se a ampliação da assistência médico-hospitalar, de altíssimo custo, pudesse suplantar a necessidade de investimentos no aumento da cobertura da atenção básica em saúde, com foco nas medidas de prevenção e promoção da saúde, com capacidade resolutiva de 80% das demandas.
O processo eleitoral do próximo domingo definirá o caminho que será trilhado pelos municípios para os próximos anos, em especial quanto as escolhas alocativas dos orçamentos públicos. Prefeitos, prefeitas, vereadores e vereadoras terão poder para definir onde os municípios gastarão os recursos públicos decorrentes dos impostos pagos pelos cidadãos, estando a seu cargo definir onde, quanto, como e de que forma cuidaremos da saúde em meio a pandemia e no pós-pandemia.
Caso as escolhas eleitorais recaiam sobre os candidatos que ignoram a ciência, corrompem-se em favor dos poderosos, mantém intactos os elevados lucros das empresas, dos bancos e dos que vivem da exploração do trabalho alheio, exploram a cidade e usam dos seus cargos em benefício próprio e de seus familiares, a saúde será relegada a sua infeliz sorte de seguir sendo propositadamente subfinanciada, com grave risco de comprometimento da oferta de serviços e fechamento de unidades.
Acredito que a decisão de quem conduzirá a gestão municipal deve ser feita a partir da avaliação acerca da capacidade, da intencionalidade e do compromisso com um projeto político que seja de defesa intransigente da vida e do Sistema Único de Saúde, e defenda a derrubada imediata do teto de gastos.
Então, no dia 15 de novembro, é importante ter consciência da imprescindibilidade do SUS para o desenvolvimento do país e lembrar que saúde é viver bem. Só teremos condições de viver bem em uma cidade que seja justa, humana, solidária e que possa repartir de forma igualitária os recursos, reduzindo assim as desigualdades sociais.
Thiago Campos, advogado sanitarista e Diretor Regional Nordeste do IDISA.
‘Para o governo, parece que a pandemia acaba em 31 de dezembro de 2020', diz economista sobre orçamento da Saúde em 2021
Por Evelin Azevedo
Francisco Funcia, consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde, faz alerta sobre R$ 6,5 bilhões para combate ao coronavírus ainda não usados — e que podem ser perdidos
O Ministério da Saúde ainda tem à disposição R$ 6,5 bilhões dos R$ 43,7 bilhões liberados excepcionalmente em 2020 para estratégias de combate ao coronavírus. Na visão do economista Francisco Funcia, consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde e professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, "parece que a pandemia acabou", já que o dinheiro não é utilizado.
A maior preocupação é que os R$ 6,5 bilhões serão perdidos se não tiverem destinação até o final deste ano. É quando o estado de calamidade pública causada pela Covid-19 se encerra — e, até o momento, não há indícios de que o crédito emergencial será prorrogado para 2021. "É como se a Covid tivesse data para acabar no Brasil, 31 de dezembro de 2020", diz Funcia.
Para ele, o dinheiro já deveria ser empenhado com o objetivo de preparar o SUS para uma possível segunda onda de Covid-19, que já ocorre em alguns países europeus e nos Estados Unidos e, segundo alguns especialistas, pode acontecer por aqui também.
Questionado pelo GLOBO sobre o dinheiro não utilizado, o Ministério da Saúde disse em nota que "aguarda a execução dos serviços e contratos em sua integralidade para empenhar os recursos".
O Ministério da Saúde pode perder os R$ 6,5 bilhões que ainda tem disponível para o combate à Covid?
Pela legislação, recursos que estão no orçamento não empenhados no próprio exercício não podem ser transferidos para o próximo ano. O que vai acabar acontecendo é que esta verba que está parada será perdida. Isto é um absurdo, parece que a pandemia tem data para acabar no Brasil, 31 de dezembro de 2020.
Por que esse dinheiro ficou parado?
Há duas causas que se complementam. Parece que houve uma lentidão na execução do orçamento, que só começou a ser mais utilizado a partir de julho. Essa lentidão pode estar associada à uma falta de planejamento emergencial, pois ninguém esperava pela Covid, mas não dá para dizer que em abril não era possível ter plano emergencial. Nosso primeiro caso foi em fevereiro, tempo houve.
O decreto de calamidade pública deve ser prorrogado?
Sim. Até que seja possível concretizar a vacinação em massa, seria uma medida prudente e responsável, em respeito ao direito à vida.
O Ministério da Saúde deveria estar preparando o Brasil para uma possível segunda onda?
A possibilidade de uma segunda onda no Brasil é preocupante. O orçamento que ainda temos este ano poderia ser usado para equipar o SUS. O disponibilizado para a Saúde em 2021, R$ 123,8 bilhões, é pouco, porque temos uma nova doença e ainda uma despesa extra, de aplicar as vacinas para Covid. Num país com mais de 5 mil municípios, você tem que pensar na logística de distribuição. Tudo isso será um gasto a mais do que foi gasto este ano.
Existe expectativa de orçamento extra para 2021?
Pelo discurso de austeridade fiscal que se ouve no congresso, parece que não será aprovado nada que possa acrescer a estes R$ 123,8 bilhões. Acho muito complicado esperarmos um retrocesso no controle da doença para se colocar mais recursos. É melhor se antecipar e se planejar do que sair correndo. Porque o problema de sair correndo para colocar mais recursos é que muita gente já pode ter morrido.
Qual deveria ser, então, o orçamento do Ministério da Saúde para 2021?
Pelo menos o valor disponibilizado em 2020, o previsto e o extra. Nossa proposta de piso emergencial é de R$ 168,7 bilhões, que corresponde ao montante da Lei Orçamentária Anual 2020 adicionados os créditos extraordinários e as variações anuais do IPCA. O Conselho Nacional de Saúde lançou uma petição pública chamada "O SUS merece mais em 2021!" pedindo aumento dos recursos.
Francisco R. Funcia, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Professor e Coordenador-Adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde.
Fonte: Matéria publicada no O Globo em 13/11/2020.