Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 02 - Janeiro 2019

A RECEITA FEDERAL CRESCE, MAS O ORÇAMENTO DA SAÚDE CAI. O QUE FAZER? REVOGAR A EC 95/2016 E APROVAR A PEC 01-D/2015 COM REVISÃO DO AJUSTE FISCAL

Por Francisco R. Funcia


Os efeitos negativos decorrentes da implementação da Emenda Constitucional (EC) 95/2016 para o financiamento federal das ações e serviços públicos de saúde (ASPS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) novamente estão presentes, desta vez no Orçamento do Ministério da Saúde para 2019.

Conforme analisado em nota anterior (publicada na Domingueira nº 33, de 21/dezembro/2018 – disponível em http://idisa.org.br/domingueira/domingueira-n-33-dezembro-2018), a combinação do congelamento (que na verdade é redução) do piso federal do SUS com a regra do teto de pagamento para as despesas primárias nos termos da EC 95/2016 representou uma dupla perda para o financiamento das despesas com ASPS , a saber:
a) uma de natureza financeira, com o crescimento dos restos a pagar decorrente da queda das despesas pagas em 2017; e
b) outra de natureza orçamentária, com a redução da capacidade de empenho das despesas ASPS à luz da programação para 2019 – programação essa que foi reprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) conforme Resolução 611, de 13/12/2018 (disponível em http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2018/Reso611.pdf).

O crescimento de 81% dos empenhos a pagar no final do exercício de 2017 em comparação ao de 2016 e o aumento de 51% do total dos restos a pagar (referentes aos empenhos a pagar não somente de 2017, mas também do período de 2003 a 2016) tiveram como contrapartida o aumento significativo dos “restos de necessidades de saúde” da população a serem atendidas a partir de 2018; em outros termos, deterioraram as condições de saúde da população, o que pode ser comprovado com a volta de várias doenças e piora dos índices de vários indicadores de saúde.

Mas, o quadro tende a se agravar com o valor do piso federal (de R$ 117,3 bilhões) e da programação orçamentária (R$ 117,9 bilhões) das despesas com ASPS para 2019, que são inferiores ao valor da programação orçamentária para 2018 (R$ 119,0 bilhões), ou seja, há uma perda de R$ 1,1 bilhão em termos de programação de despesas para atender as necessidades de saúde da população de um ano para o outro.

Considerando que o pagamento de tributos pela sociedade tem como objetivo financiar as ações governamentais na prestação de serviços em diferentes áreas para a população, é importante avaliar a destinação da receita para financiar as despesas ASPS em 2019: representam apenas 13,9% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União (estimada em R$ 846,7 bilhões), percentual inferior aos pisos federais para ASPS e aos empenhos em termos de RCL nos últimos cinco anos (Tabela 1).

Tabela 1
Piso Federal ASPS em relação à Receita Corrente Líquida da União

Fonte: Adaptado de: Ministério da Fazenda/STN; Ministério da Saúde/SPO - Relatórios Quadrimestrais de Prestação de Contas - 3º Quadrimestre de 2015 a 2017 e Relatório Anual de Gestão 2014 a 2017; e Câmara dos Deputados (Estudo PLOA 2019); observação: parte do estudo que está sendo desenvolvido em parceria com Carlos Ocké-Reis.
Notas:
(1) Calculados pela regra da EC 29 até 2015 e pela regra da EC 95 a partir de 2016
(2) O valor da Receita Corrente Líquida de 2018 consta do Demonstrativo da Receita Corrente Líquida da União (publicação da STN/MF do 2ª Quadrimestre de 2018) e de 2019 consta do PLOA 2019 da União conforme estudo da Câmara dos Deputados; o valor do Piso ASPS foi atualizado pela regra da EC 95 (RCL 2017x15%xIPCA jun/2018 de 4,39%; valores do empenho de 2018 estimado pelo autor com base na execução orçamentária antes do encerramento do exercício e de 2019 com base nas planilhas da programação orçamentária de 2019 encaminhadas pela SPO/MS ao CNS no mês de outubro de 2018.

Nestes termos, o SUS está enfrentando um processo de desfinanciamento a partir da EC 95/2016, que agrava o processo de subfinanciamento crônico vigente desde a sua criação pela Constituição Federal de 1988: o ajuste fiscal em curso desde 2016 (e que será mantido pelo atual governo conforme recentes declarações das autoridades) retira recursos de uma área cujo financiamento já era insuficiente – basta verificar que o gasto público em saúde em termos consolidados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) é de aproximadamente R$ 3,60 por habitante/dia e, desse valor, a parte federal corresponde a cerca de R$ 1,60 (em 2017).

O que pode parecer para muitos um problema fácil de resolver mediante o aumento dos gastos municipais e estaduais para compensar a queda da participação federal no financiamento do SUS, na verdade, expressa um quadro complexo na medida que os Estados e, principalmente, os Municípios tem alocado recursos crescentes e proporcionalmente superiores aos da União desde a vigência da EC 29/2000. No caso dos Municípios, a situação é ainda mais grave, porque a média nacional de aplicação está em torno de 25%, sendo que muitos municípios estão aplicando entre 30% e 40% da receita base de cálculo, ou seja, não mais nenhuma margem para ampliação das despesas ASPS com recursos próprios. Considerando a grande importância das transferências federais do Fundo Nacional de Saúde para o financiamento das despesas ASPS estaduais e municipais, a queda da aplicação federal como decorrência da EC 95/2016 prejudicará o atendimento às necessidades de saúde da população por esses entes governamentais.

Assim sendo, revogar a EC 95/2016 é condição indispensável para que o processo de desmonte do SUS não avance em prejuízo da sociedade e, nesse sentido, propomos às autoridades governamentais as seguintes medidas:

  1. Revogar a EC 95/2016 por meio do apoio para tramitação e aprovação da PEC 01-D/2015 (já aprovada em 1º turno na Câmara dos Deputados em 2016), que destina 19,4% da RCL como piso ASPS (a ser atingido de forma escalonada em sete anos), ao mesmo tempo que os recursos do Pré-Sal voltem a ser aplicados de forma adicional ao piso federal;

  2. Estabelecer por Decreto que haverá um teto de despesas primárias e financeiras em relação ao PIB, sendo que as áreas de saúde, de assistência, de meio ambiente (incluindo saneamento básico) e de educação não deverão ser alcançadas pela redução de despesas, com a adoção de políticas econômicas ativas que estimulem o crescimento e o desenvolvimento econômico com inclusão social e aumento da renda disponível da sociedade;

  3. Estabelecer uma reforma tributária que proteja o financiamento exclusivo da seguridade social, bem como que reduza a tributação sobre a produção e o consumo (exceto em relação aos produtos supérfluos e prejudiciais à saúde da população como tabaco, bebidas alcóolicas e açucaradas, motocicletas, dentre outros) e aumente a tributação sobre patrimônio, renda e riqueza (incluindo heranças e grandes transações financeiras, bem como outras formas de rendimento hoje isentos que tem proporcionado mais de 60% de não tributação sobre os rendimentos dos mais de 50 mil contribuintes que estão no topo da pirâmide social, segundo estudo do IPEA), proposta essa aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em agosto de 2015.

  4. Rever a renúncia de receita, estimada em quase R$ 400 bilhões, mediante estudo das ações desenvolvidas por aqueles que foram beneficiados pelo não pagamento de tributos em termos do atendimento às necessidades da economia e da sociedade.


Francisco R. Funcia, Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP.




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