Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
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Conselho Editorial
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Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 35 - Outubro 2019

PROJETO DE LEI ORÇAMENTÁRIA 2020 DA UNIÃO: A COMBINAÇÃO DA EC 95 COM A POLÍTICA ECONÔMICA DE GUEDES FAZ MUITO MAL PARA A SAÚDE (2ª Parte)

Por Francisco R. Funcia


A presente análise corresponde à segunda parte do artigo publicado na Revista Domingueira da Saúde nº 32, de 13/09/2019, que tem como referência a redução de recursos alocados para o financiamento do SUS à luz das regras do piso federal da saúde e do teto das despesas primárias respectivamente nos níveis de 2017 e 2016 estabelecidos pela Emenda Constitucional (EC) 95: conforme contextualizado na primeira parte deste artigo, especialmente nos trechos finais, “(...) o piso federal do SUS totalizará em 2020 perdas acumuladas em R$29,0 bilhões (a preços de 2019) desde a vigência da EC 95, em comparação ao parâmetro de 15% da RCL (EC 86) (...) Os valores per capita do piso federal e do empenho ASPS (a preços de 2019) têm apresentado queda: respectivamente, R$553,02 e R$561,07 estimados para 2020. Trata-se do efeito esperado do ‘congelamento’ do piso diante do crescimento demográfico de 0,8% ao ano (...)”.

Nessa perspectiva, o objetivo desta segunda parte é dimensionar mais um efeito negativo condicionante da programação orçamentária do Ministério da Saúde para 2020: os valores reservados para as despesas com ações e serviços públicos de saúde (ASPS) com Emendas Parlamentares, que integram o cômputo da aplicação mínima constitucional. Enquanto o piso federal do SUS está em queda, os valores reservados para essas despesas cresceram muito em comparação a 2019, conforme ilustra a Tabela 1

Tabela 1
Ministério da Saúde – Proposta Orçamentária ASPS 2020 - Emendas Parlamentares (em R$ milhões a preços correntes e variação nominal em percentual)

Essa situação revela que a programação própria de despesas do Ministério da Saúde baseada nas diretrizes aprovadas na 16ª Conferência Nacional de Saúde (instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde na esfera federal em conjunto com o Conselho Nacional de Saúde, conforme determina a Lei 8142/90), que por sua vez devem condicionar a adoção de critérios técnicos para a definição de ações na pactuação tripartite entre os gestores, ficou parcialmente prejudicada: a programação orçamentária de R$ 7,4 bilhões representa uma grande variação na alocação de recursos reservados para despesas ASPS com Emendas Parlamentares (crescimento nominal de 38,86%, equivalente a R$ 2,0 bilhões de acréscimo em 2020 comparado a 2019), que obedece prioritariamente critérios exclusivamente políticos dos deputados e senadores, bem como de governabilidade do Poder Executivo junto ao Congresso Nacional.

As despesas ASPS oriundas de Emendas Parlamentares Individuais tiveram um crescimento nominal de 3,37% em 2020 comparado a 2019, sendo estas disciplinadas pelo limite estabelecido pela EC 86/2015 que está em vigor desde 2015 – 0,6% da Receita Corrente Líquida (50% do total de 1,2% da RCL previsto para todas emendas individuais no Orçamento Geral de União). Na verdade, essa regra entrou em vigor em 2014, com base na definição estabelecida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias daquele exercício. Mas, houve um aumento exponencial da programação orçamentária para 2020 nas despesas ASPS oriundas das Emendas de Bancada – variação nominal 251,8% em comparação a 2019, equivalente a R$ 1,9 bilhão.

Em outros termos, considerando que o Piso Federal do SUS para 2020 é de R$ 121,3 bilhões (conforme Tabela 1 apresentada na primeira parte deste artigo publicada na Revista Domingueira da Saúde nº 32, de 13/09/2019), a programação de despesas ASPS oriundas de Emendas Parlamentares compromete 6,1% desse piso, enquanto que esse comprometimento foi de 4,6 em 2019.

O que representa esse aumento da participação das Emendas Parlamentares no orçamento do Ministério da Saúde? Uma redução das despesas ASPS para o atendimento às necessidades de saúde da população baseada em critérios técnicos e/ou pactuados na Comissão Intergestores Tripartite (vale lembrar que as despesas com transferências fundo a fundo para Estados, Distrito Federal e Municípios representam cerca de 2/3 do orçamento do Ministério da Saúde). Contudo, é grave constatar essa situação no contexto da redução de recursos para o SUS – queda do piso federal em termos reais.

Porém, mais grave ainda é constatar o aumento das despesas empenhadas ASPS oriundas das Emendas Parlamentares: comparando 2018 (último ano de execução orçamentária encerrada) com 2013 (este foi o ano imediatamente anterior ao início do processo de execução obrigatória das emendas parlamentares), houve um crescimento real de 699,8% (a preços de dezembro de 2018/IPCA/IBGE, essa despesa passou de R$ 1,105 bilhão em 2013 para R$ 8,840 bilhões em 2018 – os valores a preços correntes são R$ 826,8 milhões e R$ 8,840 bilhões e estão nos respectivos Relatórios de Gestão do Ministério da Saúde); no mesmo período, em termos reais, a despesa empenhada ASPS cresceu apenas 5,6%.

Portanto, não está ocorrendo o desfinanciamento do SUS somente pelos efeitos da EC 95 (retirada de recursos que já eram insuficientes) em combinação com a política econômica vigente em 2019 e sinalizada para 2020, mas também pela redução da programação própria do Ministério da Saúde (baseada em critérios técnicos e/ou pactuados na CIT) como decorrência do crescimento exponencial observado nos últimos cinco anos nas despesas ASPS para Emendas Parlamentares.

A terceira parte deste artigo será publicada oportunamente e tratará da comparação da programação orçamentária de algumas despesas do Ministério da Saúde para 2020 em comparação a 2019 e/ou da execução em anos anteriores, de modo a identificar qual foi a repercussão desse processo de desfinanciamento do SUS.


Francisco R. Funcia é Economista e Mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor de História do Pensamento Econômico, Desenvolvimento Socioeconômico e Economia do Setor Público da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS).




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