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A PARTICIPAÇÃO SOCIAL É MAIS DO QUE DETERMINA A LEI 8112...

FLAVIO GOULART (Membro do Observatório da Saúde do Distrito Federal, para o qual foi produzido especialmente o presente texto. E-mail: goulart.fa@gmail.com Publicado em 20 de agosto de 2013)
 
•           Introdução
 
Quando se fala em participação (ou como certa parcela das pessoas prefere, “controle”) social no Brasil os exemplos da área da saúde é que geralmente são lembrados. Isso faz parte de um quadro que, se por um lado, é positivo e tem a ver com o orgulho que os militantes têm do SUS, por outro esbarra, muitas vezes, em uma realidade que nem sempre é risonha... O SUS, que os militantes já definiram uma vez como um “Patrimônio do Povo Brasileiro”, na vida real está bem longe disso. Quem já enfrentou uma fila de emergências ou precisou de uma consulta especializada na rede pública, sabe muito bem do tipo de “patrimônio” que lhes é relegado...
 
Mas seria a participação social no SUS algo assim tão notável? Em outras áreas da sociedade e tendo como foco outras políticas públicas a participação do cidadão seria, ainda, um tabula rasa? As coisas não parecem ser assim tão simples.
 
Para início de conversa, é bom lembrar que, no campo da participação social em saúde, o País tem uma bela trajetória de acumulações, com alguns erros e muitos acertos. Entretanto, é uma história ainda inacabada e frágil. Assim, o arejamento e a ampliação das discussões constituem sem dúvida uma tarefa essencial dos que se dedicam a estudar e buscar melhorias no campo da participação. Entretanto, quando se fala em experimentar e, por conseqüência, mudar, não se cogita descumprir as leis vigentes. Mas é necessário cometer ousadias, por exemplo, a de pensar diferente do que está consagrado e reiterado, visando transformações, separando devidamente o que são apenas fatos jurídicos dos  fatos sociais reais.
 
Assim, a participação social na área da saúde ainda mostra dilemas não resolvidos, que acarretam, por vezes, a promoção de falsas expectativas nos participantes dos conselhos de saúde, por exemplo, aquelas relativas a um suposto poder efetivo e autônomo de decidir de fato sobre tudo na política de saúde. Conselhos de saúde estes, diga-se de passagem, que tendem a se constituir como fóruns permanentes de debates, focados na ideologia, com aspirações de vir a ser um quarto poder. Sua atuação, destarte, parece fugir de se organizarem como organismos de formulação, apoio e sustentação estratégica de políticas de interesse coletivo, necessariamente vinculados ao Estado e não alheios ou estranhos a este.
 
Em trabalho anterior, demonstrei algumas tendências percebidas no cenário da participação social atual no Brasil e que são preocupantes. São elas: (a) a autonomização, levantando a expectativa social de que nos conselhos de saúde residiria, de fato e de direito, um quarto poder; (b) a plenarização, com a transformação dos conselhos de saúde em meros fóruns de debates entre os diversos segmentos sociais, nem sempre com a participação do Estado, o qual, aliás, por definição normativa interna, ficou minoritário face aos demais segmentos; (c) a parlamentarização, com formação de blocos ideológicos e partidários intra-conselhos e tomadas de decisão por votação, mais do que por consenso; (d) a profissionalização dos conselheiros, dadas as fortes exigências do processo de participação social, abrindo caminho para a constituição de verdadeiros profissionais da participação; (e) a auto-regulação, que representa uma particularidade praticamente exclusiva da área da saúde.
 
Mas, voltando ao ponto de partida, vamos à questão já formulada: nas demais áreas de políticas públicas ocorrem boas práticas de participação social? O SUS pode aprender alguma coisa com elas? É possível comparar uma coisa e outra?
 
•           Exemplos que vêm de fora do campo da saúde
 
Em Seminário realizado em 2011 entre OPAS Brasil e Conselho Nacional de Saúde, do qual participei como coordenador técnico – coisa que me proporcionou grande aprendizado – foram trazidas ao debate experiências participativas de movimentos sociais diversos, tendo como foco a fiscalização e a transparência da ação de governos locais e das respectivas contas públicas, em municípios da Bahia, do Piauí e do Maranhão. Lugares, em que, diga-se de passagem, o senso comum (além de certo preconceito, também) sugerem que não se vai encontrar nada de atraente ou digno de nota. Mas não é bom o caso, com se verá adiante
 
Houve até mesmo experiências – pasmem! –desenvolvidas com apoio da iniciativa privada, tendo como escopo fomentar e instrumentalizar a participação cidadã em políticas locais. Nesta categoria, experiências desenvolvidas no Norte Goiano, na Ilha do Bananal, no Paraná, em Tocantins. Aqui, mais uma vez, o senso comum talvez se engane...
 
Passemos um rápido olhar no primeiro grupo, ou seja, aquelas experiências de participação em pequenos municípios, o mais das vezes remotos, da região Nordeste.
 
Em um pequeno município chamado Esperantina, na região centro-norte do Piauí, uma ONG ministra cursos voltados para a fiscalização das contas públicas, abertos aos cidadãos da região. Entre outras atividades, voluntários organizam “Caravanas da Fiscalização” que passam a circular anualmente entre os municípios, oferecendo palestras, realizando assembleias e colhendo denúncias. Tal experiência consolidou-se sob o nome de Força Tarefa Popular e hoje atua em todo o estado do Piauí, formada por uma coalizão de voluntários, assessores jurídicos, organizações comunitárias e movimentos sociais.. Ao final do percurso, a marcha dirige-se a capital, onde as denúncias colhidas no caminho são encaminhadas ao Ministério Publico e ao Tribunal de Contas.
 
Algo semelhante ocorreu no município de Sigefredo Pacheco, também no Piauí, no qual o Sindicato de Trabalhadores Rurais, em conjunto com outras organizações da sociedade civil, realizou debates sobre políticas públicas como passo inicial para a elaboração de um Plano de Desenvolvimento Local. Isso resultou na criação de uma Comissão de Fiscalização do Poder Público Municipal (Comfispa), que cuida de analisar os balancetes da Prefeitura encaminhados à Câmara Municipal., o que acarretou a formalização de denúncias ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público, com ampla informação da opinião pública local. O resultado disso, no ano 2000, foi simplesmente o impeachment do Prefeito Municipal, com a realização de novas eleições. A partir daí, tanto o Ministério Público como o Tribunal de Contas do estado passaram a convidar lideranças do município para participarem de audiências públicas e eventos na capital, para relatar a experiência.
 
A experiência da Força Tarefa Popular serviu de inspiração para um grupo de organizações não-governamentais da Bahia, que lançou, em 2005, a campanha “Quem não deve, não teme”. Em um caso e outro, os grupos e organizações locais foram estimulados a irem às Câmaras Municipais para rever e analisar as contas das administrações municipais. Ainda na região central da Bahia, uma organização não-governamental denominada Centro de Assessoria do Assuruá (CAA), com sede no município de Irecê, existente desde os anos 1980, mediante parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), tem trabalhado na formação de Grupos de Cidadania Ativa. O foco é colocado em políticas públicas e o objetivo fortalecer o exercício da democracia mediante controle social das prefeituras e câmaras municipais. Cinco municípios baianos se enolveram em tal processo: Gentio do Ouro, Brotas de Macaúbas, Oliveira dos Brejinhos, Ipupiara e Morpará. Foram formados grupos de voluntários nos municípios e oferecido aos mesmos treinamento sobre orçamento público e o controle social, visando o acompanhamento continuado das ações do Executivo e do Legislativo.
 
Casos como estes se multiplicam por todo o Brasil e por ora, sem maiores preocupações teóricas, pode-se tentar encontrar alguns “fios condutores”, em termos de contextos, atores presentes, estratégias e possíveis inovações trazidas por estas experiências. Em todos esses casos, nada de aspirações ao “poder deliberativo”, de representações formais de entidades e de “paridade”. A questão posta em jogo tem, como diretrizes, fiscalizar e pressionar o poder público, conscientizar os cidadãos, atuar proativamente na política, mediante a arregimentação de pessoas interessadas, nada mais. E funciona.
 
•           Discussão
 
O que está por trás de qualquer processo participativo, afinal? Preliminarmente, uma série de fatores pode ser considerada como influente, como, por exemplo, o desenvolvimento de uma consciência política e da noção de direito por parte da sociedade, a modernização e a democratização dos processos de governança, o surgimento de uma nova visão cidadã de compromisso social, entre outros. São aspectos visíveis e nítidos nos referidos casos externos à saúde de base local, sem impedimento que estejam presentes também na saúde.
 
Além disso, articulações externas também podem funcionar como fatores favoráveis ao desencadeamento e manutenção dos processos participativos, principalmente quando as condições locais são adversas às práticas participativas. A presença de ONG, sindicatos e CPT no arcabouço de apoio aos casos citados é bem esclarecedora a este respeito. Neste sentido, no campo específico da saúde, outra experiência trazida ao Seminário e que se revelou emblemática, é a de Vitória de Santo Antão, onde a expressiva mobilização feminina e popular obteve forte apoio de variadas entidades de mulheres e de direitos humanos, não só locais como também de outros municípios, particularmente da capital, Recife.
 
Um contraponto notável entre as experiências nacionais de saúde, formuladas e executadas dentro da moldura formal “deliberativa e paritária” nos termos da lei 8142/90, e aquelas externas à saúde é o de que, nestas últimas, os gestores públicos geralmente são alvo das ações de participação social, não propriamente agentes ou promotores das mesmas.
 
Enquanto no campo da saúde o ator participativo presente é geralmente o “conselheiro”, escolhido formalmente por seus pares, em processos cuja legitimidade e representatividade nem sempre são asseguradas, nas experiências fora da saúde o panorama é mais fluido. Eis que ocorre a inclusão de atores eventualmente excluídos, ou cuja tradição é a de não participação. É o caso, por exemplo, das mulheres, dos mais pobres, dos moradores das periferias urbanas e da zona rural, dos analfabetos, além de outros grupos marginalizados. Mesmo nas experiências internacionais trazidas ao referido Seminário este é um aspecto marcante, com foco em imigrantes, idosos, jovens, e outros segmentos.
 
Surge aqui, assim, a figura do “ator interessado” em questões específicas, não necessariamente no processo participativo como um todo. Este tipo de agente está mais presente nas experiências externas à saúde, mas é bom lembrar que o panorama dos conselhos de saúde hoje é hoje bastante influenciado e até mesmo dominado por determinados segmentos igualmente “interessados”, por exemplo, portadores de patologias e de necessidades especiais, deficientes físicos, minorias etc.
 
Questão nem sempre facilmente respondida é a identificação dos agentes promotores ou desencadeadores da participação. Serão agentes do governo ou dos movimentos sociais? Pode-se supor, de maneira geral, que isso resulte de um círculo virtuoso. Tal círculo é determinado por circunstâncias históricas e culturais, que, de alguma forma, aproxima e coloca em sintonia os gestores e a sociedade organizada, em busca de objetivos comuns, de natureza democratizante.
Uma inquestionável palavra de ordem é “empoderamento”, princípio bastante presente nos casos estudados, resultando de ação virtuosa e conjunta de governo e comunidade. É importante destacar, entretanto, a iniciativa mais diretamente societária de algumas experiências, aquelas originárias de municípios nordestinos da Bahia e de Piauí. Pode-se dizer que isso se vê mais fora do campo da saúde do que dentro dele.
 
As estratégias de inclusão estão diretamente relacionadas à natureza de cada experiência, com uma gama múltipla de situações. No da saúde o que predomina são as premissas estabelecidas pela Lei 8142, bem como pela regulamentação efetivada pelo Conselho Nacional de Saúde. Nos casos extrassaúde, porém, a gama de situações é mais ampla, dada a presença de atores externos ao binômio gestor-conselho de saúde. Nestes casos, a mobilização tem, em sua condução, entidades diversificadas. Dessa forma, na saúde, predominam nos casos conduzidos pelos gestores e pelos conselhos de saúde o formato deliberativo e paritário, conciliar, previsto nas leis e normas do SUS.
 
Já nos casos de condução por parte das entidades comunitárias, representativas de trabalhadores ou empresariais, o foco do processo de participação se desloca, abrangendo questões mais abrangentes. Assim, entram no cenário questões como fiscalização das contas públicas e das atividades de gestão governamental e da atuação do Legislativo, bem como questões no desenvolvimento e manuseio de indicadores para elaboração de diagnósticos locais e regionais, visando a ação de planejamento em tal âmbito.
 
Soa como bastante inovadora e inédita, a estratégia direta de mobilização envolvendo cidadãos na rua, em manifestações de protesto, advertência ou mesmo de execução de atividades de fiscalização, como acontece no Piauí e na já citada Vitória de Santo Antão, em Pernambuco. Não há como negar a sintonia deste tipo de mobilização como aquelas que se vê nos dias atuais em várias partes do mundo. Pode-se destacar, como exemplos, guardadas as devidas proporções, a chamada Primavera Árabe e o movimento Occupe Wall Street, além, é claro, das recentes manifestações de rua realizadas por todo o Brasil.
 
Vê-se que nos casos de saúde, da maneira geral, a inclusão de cidadãos se atém aos dispositivos formais e normativos já estabelecidos, enquadrados que estão nos moldes de paridade entre usuários e demais participantes (o que, sem dúvida, aumenta o peso de trabalhadores de saúde, prestadores e gestores nos processo decisórios), além de representatividade definida a partir de escolhas formais de entidades constituídas, sem maior espaço para o cidadão individualizado ou “não-organizado”. Já as experiências fora da saúde primam por maior abertura e flexibilidade participativa. Estas experiências buscam incluir cidadãos voluntários ou portadores de interesses, não necessariamente representantes formais de entidades constituídas na comunidade.
 
Talvez o fator de mobilização que mereça maior destaque, pelo seu caráter exemplar e seu potencial de sustentabilidade, seja a formação de círculos virtuosos entre gestores, conselhos e sociedade em geral. No entanto, em termos de manutenção sustentável do processo de tomada de decisões sobre a política de saúde local, pode ser aventado que é desejável a convergência de interesses entre as diversas entidades e movimentos. Vários dos casos analisados mostram, com alguma clareza, que esta parece ser uma tendência das ações de controle social, tanto na saúde como fora dela.
 
Outro aspecto igualmente marcante no conjunto de experiências, nacionais e internacionais, é o padrão amplo de alianças e parcerias firmadas ao longo do processo de participação. Elas podem variar desde formas oficiais e regulamentares (por exemplo, com entidades de moradores, trabalhadores de saúde, profissionais), até outras um tanto mais remotas, mas ainda formalmente previsíveis. É o que acontece com as demais secretarias e agências de governo, o Ministério Público, as organizações não-governamentais etc.
 
Cabe aqui também, embora de passagem, uma digressão sobre a questão da inovação nas experiências participativas. Em linhas gerais, os grandes avanços, com marcas de ineditismo, dizem respeito a uma gama de situações que poderiam obedecer a um ou mais dos seguintes critérios: (a) ampliação dos instrumentos de participação previstos em leis e normas; (b) incorporação de novos atores ao processo de participação; e (c) desenvolvimento de novas modalidades de comunicação e mobilização. Sem dúvida, inovações relativas a um ou mais destes três critérios estão presentes em boa parte das experiências registradas.
 
A ampliação dos instrumentos, por exemplo, se dá principalmente pela introdução de novos cenários para a participação social, com o surgimento de novos atores no jogo participativo. O reflexo disso, na saúde, é a modificação da a regra da paridade, imposta pela legislação orgânica e de amplo curso nos instrumentos participativos do SUS. Modificação positiva, pois que se dá mediante reforço ao lado comunitário. Entre tais novos atores estão certas vozes tradicionalmente ocultas ou não valorizadas suficientemente. É o caso dos moradores das zonas rurais, dos mais pobres, de minorias étnicas e indígenas, de mulheres, de jovens, de praticantes de crenças minoritárias, entre outros.
 
Na mesma linha de raciocínio caberia analisar, de passagem, alguns frutos da concepção conciliar que sem dúvida orienta a participação social nas políticas públicas no Brasil, e que tem na saúde um expoente. Com efeito, os organismos de participação relativos às políticas públicas no país se contam às dezenas deles atualmente e, para as finalidades presentes foram selecionados alguns desses organismos, para um estudo comparativo de suas funções, estrutura e processos de decisão. São eles os conselhos nacionais de Saúde (CNS, 2007); de Educação (CNE, 2007); dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA, 2007); de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDPH, 2007); do meio ambiente (CONAMA,  2007); de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES, 2007) e de Previdência Social (CNPS, 2007). Uma súmula dos achados é vista no quadro seguinte.
 
 

ATRIBUTO

COMENTÁRIOS

BASE JURÍDICA

Criados por leis específicas, emanadas do Executivo, que geralmente detalham suas funções, composição e aspectos operacionais (exceção: saúde)

IDADE

Variável. CNE, CNS e CDPH são os mais antigos (início do século XX e décadas de 30 e 60, respectivamente), mas sofreram marcantes transformações democratizadoras nos últimos anos. Os demais tendem a surgir ao longo do processo de redemocratização do País.

VINCULAÇÃO

Todos pertencem formalmente à estrutura do Executivo e têm tarefas e atribuições coerentes com tal definição.

PRESIDÊNCIA

Ministros ou funcionários graduados do Executivo, em cargos definidos pela lei como natos. Saúde é, mais uma vez, exceção (a partir de 2006).

ESTRUTURA OPERACIONAL

A maioria tem comitês temáticos, grupos técnicos e outras denominações para operacionalizar suas tarefas. No CNE é bastante marcante esta divisão, funcionando praticamente como dois conselhos paralelos, que levam apenas as questões a serem dirimidas ao “conselho pleno”.

PODER DELIBERATIVO

Os termos poder deliberativo, deliberar e deliberação aparecem em apenas alguns casos (CNS, CONAMA, CNE) e são qualificados mediante termos tais como assessorar, formular, avaliar, recomendar, opinar, definir, acompanhar a execução, fiscalizar etc. É patente a necessidade de homologação das decisões por parte do Executivo.

PARIDADE

Não é aspecto constante. No CONAMA as entidades oficiais são maioria; no CNDES está estipulado que o governo federal não poderá ocupar mais do que 25% das vagas. No CNS os quantitativos de participação dos diversos segmentos são auto-regulados, o que é também uma exceção à regra geral.

PROCESSO DE COMPOSIÇÃO

Geralmente por escolha direta que parte do Executivo. Para a representação da sociedade, há definição legal prévia e a intervenção do Executivo na escolha é a regra, mediante listas múltiplas, por exemplo. CNS seria, mais uma vez, exceção.

PROCESSOS DE DECISÃO

Variável. No caso do CONAMA ocorre definição mais abrangente relativa aos poderes do conselho e sua publicização (resoluções, moções, recomendações, proposições). Também no CONAMA aparece uma figura original, a deliberação vinculada a diretrizes, normas técnicas e padrões estabelecidos. Necessária a homologação (pelo Executivo) em todos os casos.

 
 
Como se vê, a presença dos conselhos no panorama das políticas públicas no Brasil tem como aspectos comuns: a vinculação ao Poder Executivo, o estatuto de política de governo, os atributos de instância de consulta, acompanhamento e formulação de políticas, com o poder deliberativo atrelado (ou vinculado) às diretrizes previamente estabelecidas em leis e normas próprias de cada área de atuação. Entretanto, são notáveis as particularidades e exceções que a área da saúde apresenta, podendo ser arroladas: a presidência exercida por um ator não-governamental, a paridade auto-regulada, a escolha direta a partir das bases dos conselheiros usuários, além da ausência de regulação definida por Lei em relação aos demais aspectos operacionais do Conselho. Prevalece, ainda, um forte discurso autonomista, traduzidos por apelo ao poder deliberativo, defesa do processo direto de escolha de conselheiros, além da reivindicação de autonomia orçamentária e administrativa. Outra particularidade é a inclusão das conferências de saúde, também definidas como deliberativas e paritárias, como instrumento de participação social, como está no texto da Lei 8142.
 
O modo de pensar militante diz que a saúde sempre pode ensinar aos demais setores, em termos de participação. Mas não custa indagar, reciprocamente: teriam as demais áreas sociais alguma coisa a ensinar à orgulhosa Saúde? Estaria a área da saúde correta e as demais, equivocadas?
 
•           À guisa de conclusão
 
Sem dúvida, é marcante, hoje, a valorização da participação no mundo e no Brasil, em particular, nas políticas de saúde e nas políticas sociais, como um todo, tendo como foco a inclusão dos cidadãos, não só na implementação, mas também na formulação e na avaliação destas políticas. No Brasil, avançou-se muito, mas certamente ainda há muito aprimoramento a se realizar, não só dos conceitos, mas também das práticas relacionadas a tal campo.
 
Ao analisar as experiências que vêm de fora da área da saúde, algumas lições podem ser recolhidas, sem impedimento que fluxos reversos de informação e ensinamento também existam. Algumas dessas questões trazidas de outros setores podem ser relacionadas, a saber. 
 
1.         Inclusão de novos e marcantes atores nos processos de participação, além dos representantes governamentais e lideranças em geral, podendo ser citados entre eles: mulheres, minorias étnicas, empresas privadas, jovens, ONG etc.
 
2.         Inclusão, no processo decisório, do “cidadão interessado” e não apenas do membro de associações organizadas, formalmente escolhidos e muitas vezes revestido de legitimidade questionável
 
3.      Presença de temas e estratégias diferenciados no cenário: acompanhamento orçamentário; fiscalização do Legislativo; orçamento participativo; participação na elaboração de normas e leis; movimentos “de rua” para visibilidade pública; uso de indicadores; avaliação de políticas; questão ambiental, além do fortalecimento do processo democrático e da cidadania em geral, etc.
 
4.        Tendência à extrapolação da moldura normativa vigente na saúde, como a Lei nº 8.142 e a Resolução nº 333, com a criação de comitês, conselhos de unidades, grupos de cidadãos, estratégias de mobilização massiva, novas formas de democracia direta etc.
 
5.        Inclusão da participação no cardápio dos movimentos sociais, não apenas em planos de governo “bem intencionados”, com o desenvolvimento de desejáveis círculos virtuosos entre gestores públicos e instituições da sociedade civil
 
6.        Ação intermunicipal, escapando do municipalismo restrito que tem tradição no campo da saúde, pelo menos no caso do Brasil.
 
7.        Busca da redução da distância entre o conhecimento leigo e o técnico-jurídico, bem como entre o direito instituído e o direito vivido no cotidiano das pessoas.
 
8.         Ênfase na capacitação não só de conselheiros, mas também do cidadão em geral.
 
9.      Da mesma forma, incentivo ao processo de parcerias externas à moldura do órgão de gestão da saúde, como, por exemplo, Ministério Público, empresas privadas, Igreja Católica, ONG, outras secretarias de governo (ex. Educação e Assistência Social), bem como apoio ao voluntariado.
 
Além disso, não seria demais lembrar que outras tendências já estão instaladas no cenário da participação social contemporâneo, cabendo lembrar: (a) a utilização de múltiplas ferramentas de apoio derivadas das tecnologias de informação e das redes sociais; (b) os instrumentos de neutralização da dominação política tradicional, com redução da passividade da população. (c) a não-limitação das situações de controle social aos municípios grandes e das regiões mais desenvolvidas; (d) o desenvolvimento de processos de intercâmbio, configurando mecanismos horizontalizados de cooperação técnica e política; (e) sustentabilidade como grande desafio, mas, sem dúvida, alicerçada na formação de lideranças comunitárias e no estímulo ao rodízio na condução das ações, através de processos de formação contínuos e abertos a todos os cidadãos, bem como na institucionalização das práticas, mediante sua incorporação ao arcabouço jurídico e normativo.
 
Finalizando, a crítica que aqui se faz à autonomia, paridade e poder deliberativo dos conselhos de saúde não deve ser encarada como destrutiva ou minimizadora em relação ao papel dos mesmos no contexto da política de saúde. Mas, antes, deve se reconhecer a existência de enorme distância seja por parte daqueles que participam efetivamente dos conselhos, em qualquer segmento, seja pelos que conceberam o modelo vigente, entre o idealizado e o real, ou entre o ideológico e o jurídico-administrativo. Tal disjunção acarreta prejuízos notáveis para as práticas de participação, que poderiam ser traduzidos por camuflagem, desperdício de energias e até mesmo certo transformismo, ou seja, aquilo que mostra o que não é, de fato.
 
Se o verdadeiro e final poder de deliberação é atributo do Executivo, como afirmam e reafirmam as leis, outras tarefas, também nobres, podem e devem ser assumidas pelos conselhos, de acordo com o que está referido na Resolução 333 do CNS, em sua Quinta Diretriz: formular, mobilizar, fiscalizar, auto-regular-se, discutir, opinar, propor, exercer visão estratégica. Entre o ideológico e o jurídico, em suas formas puras, é possível encontrar uma terceira via, que ultrapasse aquele movimento ideológico, tão típico (e necessário) oriundo dos anos de arbítrio, para uma necessária evolução: a ação política em ambiente que deixa de ser de competição partidária e ideológica e de conspiração, passando a ser de construção solidária do bem comum.
A participação social não é uma panacéia. Antes, representa um processo oneroso para o cidadão comum e costuma ser apropriada e mantida por determinados grupos sociais, como funcionários públicos, letrados, pessoas mais velhas, homens, militantes políticos. Para além da formalidade das representações é preciso buscar o interesse real do cidadão em participar da mesma.
 
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
1.         Relatório Final: Laboratório de Inovações em Participação Social/2012 – Acessível em: http://apsredes.org/site2013/inovacoes-em-participacao-social/2013/03/19/sintese-analitica-do-laboratorio-de-inovacao-2012/
 
2.         Relatório Final: Laboratório de Inovações em Inclusão dos Cidadãos na Implementaçao das Políticas de Saúde/2011 – Acessível em: http://apsredes.org/site2013/inclusao-dos-cidadaos/2012/11/06/serie-navegador-sus-inclusao-dos-cidadaos-na-implementacao-das-politicas-de-saude/
 
3.         GOULART, FAA: Dilemas da Participação Social em Saúde no Brasil. Saúde em Debate. V.34, N.84 - jan./mar. 2010
 
4.         BROSE, M. Instrumentos de participação em políticas públicas: experiências significativas realizadas no Brasil, fora do setor da saúde. Documento técnico apresentado ao Laboratório de Inovações em Participação Social/2011. OPAS Brasil – CNS, Brasília 2011. 

 



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