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2013 - 35 - 687 - DOMINGUEIRA - CONJUNTURA SUS-SAÚDE - 25-8-2013

1.PRIMEIRA PÁGINA – TEXTOS DE GILSON CARVALHO
 
A saúde pública no Brasil
Publicado na Revista Estudos Avançados USP – nº78  - Está no site do periódico no Scientific Electronic Library Online – SciELO, por meio do link: 
 
Gilson Carvalho 
Médico pediatra, especialista em saúde pública e administração hospitalar, mestre e doutor em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Foi secretário de Saúde de São José dos Campos (SP) e secretário de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde (DF). É autor do livroParticipação da comunidade na saúde, editado, para distribuição gratuita, pelo Centro de Educação e Assessoramento Popular de Passo Fundo (RS).  @ – carvalhogilson@uol.com.br
RESUMO
O artigo apresenta uma análise retrospectiva dos últimos dez anos de governo federal e da saúde pública no Brasil. Inicialmente trabalha a história da construção do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus principais protagonistas. Depois analisa o SUS, seus objetivos, funções, diretrizes e princípios. Finalmente, faz a análise do governo progressista brasileiro dos dez últimos anos em relação à saúde. Conclui pelo descumprimento contumaz da legislação e das diretrizes por que sempre propugnou em relação à saúde.
Palavras-chave: Saúde pública, Administração pública, Sistema Único de Saúde (SUS), Governo federal, Ministério da Saúde.
 
ABSTRACT
The essay provides a retrospective analysis of the last ten years of the Federal Government and of Public Health in Brazil. It initially expounds the history of how the Brazil's Public Health System was built – the SUS [Unified Health System] and its main players. It then analyzes the SUS, itsgoals, functions, policies and principles. Finally, it examines Brazil's progressive government over the last ten years with regard to health care. And concludes with the contumacious noncompliance of the legislation and publicpolicies that have always advocated health care.
Keywords: Public health, Public administration, UnifiedHealth System (SUS), Federal government, Ministry of Health
 
 
 
Um pouco de história dos grandes protagonistas do atual sistema de saúde
A história dos cuidados com saúde do brasileiro passa, necessariamente, pela filantropia. Mais ainda pelo cunho filantrópico religioso, a caridade. As pessoas eram atendidas pelas instituições e médicos filantropos. Paralelamente a isso, o Estado fazia algumas ações de saúde diante de epidemias, como ações de vacinação e/ou de saneamento básico. Assimocorreu no final do século XIX e início do XX com o saneamento do Rio de Janeiro e a grande campanha de vacinação contra varíola.
O Estado cuidava também da intervenção em algumas doenças negligenciadas como a doença mental, a hanseníase, a tuberculose e outras. Só mais tarde começa o atendimento às emergências e às internações gerais. A partir de 1923, com a Lei Elói Chaves, a saúde dos trabalhadores atrelada àprevidência passa a ser componente de um sistema para os trabalhadores. De início, as caixas de pensão, depois, os institutos e, finalmente, o grande instituto congregador  de todos: o INPS.
A história mais recente nos aponta alguns caminhos. O primeiro deles refere-se a um esforço de guerra na extração da borracha e do manganês. Foicriado um sistema de saúde para atender as populações envolvidas. Teve inspiração e financiamento dos Estados Unidos que iniciaram o projeto através de um programa de ajuda. Eram denominados como Serviços Especiais de Saúde Pública (Sesp), mais tarde transformado em Fundação Sesp. Foi o programa mais completo de atenção à saúde associada ao saneamento da história do país. A proposta era ousada. Foi, em quase todos os locais onde se implantou, o único recurso de saúde existente, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. A inovação não era só na proposta de intervenção, mas também na gestão de pessoas. Já se trabalhava com uma equipe multidisciplinar dentro da disponibilidade da época. Organizava-se a partir de unidades denominadas mistas onde se fazia o atendimento básico, primeiro atendimento, urgência-emergência e internaçõeshospitalares.
O outro marco foi a 3a Conferência Nacional de Saúde no final de 1963 que coroava vários estudos para a criação de um sistema de saúde. Duas bandeiras dessa conferência: um sistema de saúde para todos (saúde direito de todos os cidadãos) e organizado descentralizadamente (protagonismo do município).
A ditadura militar iniciada em março de 1964 sepultou a proposta poucos meses depois.
Durante a ditadura, alguns projetos privatizantes como o do Vale Consulta e para as regiões mais pobres uma reedição da Fundação Sesp denominado Programa de Interiorização de Ações e Serviços de Saúde (Piass). O Piass não se implantou por falta de vontade política dos governos à época. Tinha mais virtudes que defeitos. Faltou interesse público para levá-lo à frente.
Nos porões da ditadura gestava-se um sistema de saúde que tinha como objetivo colocar a saúde como direito de todos os cidadãos e um dever consequente do Estado. Essa organização em defesa de um sistema público de saúde com integralidade e universalidade acontecia em pleno regime autoritário, mas sempre na perspectiva de sua superação.
Como conseguir implantar um sistema universal de fazer saúde como os países da Europa iniciaram no pós-guerra dentro da política denominadawelfare state? Como conseguir que o Estado brasileiro se responsabilizasse e garantisse esse direito de forma universal?
Entre os vários protagonistas envolvidos nesta luta destacavam-se alguns.
• Movimentos populares – Em primeiro lugar, o cidadão politizado de bairros periféricos, principalmente de São Paulo, e que nenhuma cobertura tinha à saúde e vivia as consequências de ser indigente. Destacam-se nessa luta social do cidadão três grandes protagonistas: os movimentos populares, as associações de bairros e vilas e a Igreja Católica que sofria um choque de povo com a dita preferência pelos mais pobres. Nasciam na Igreja as Comunidades Eclesiais de Base, que também voltadas para o terreno de combate às iniquidades sociais traziam lutas pela justiça, sendo uma das bandeiras o direito à saúde. Essa efervescência começa a buscar por propostas concretas. Algo que não ficasse apenas no discurso ou na simples reivindicação.
• Universidades – Outro protagonista veio das faculdades de medicina com dois momentos inovadores. O primeiro, a necessidade de colocar os estudantes em contato com a realidade local, saindo do apenas ambiente hospitalar. Desenvolveu projetos de integração docente assistencial. O segundo, a transformação dos antigos departamentos de higiene em departamentos de medicina social, mais engajados com a realidade. Esses dois meios começam agerar profissionais com uma nova visão do Brasil e seu momento. Profissionais comprometidos com o social. Passamos a ter assim um outro protagonista dessa história, os médicos dedicados ao social, muitos deles especializados em saúde pública.
• Partidos políticos progressistas – Na década de 1970 estava o Brasil colocado dentro dos limites do bipartidarismo estrito. De um lado, a Arena, que era considerada o partido dos conservadores guiado pelosmilitares da ditadura. De outro lado, o MDB histórico, representando a resistência à ditadura, abrigando progressistas ditos de esquerda. O MDB abrigava em suas fileiras todos os militantes da esquerda que eram impossibilitados de se constituírem como partidos. Todas as correntes ditascomunistas lá estavam. Os vários grupos se juntaram numa única sigla. O MDBbuscava o trabalho junto com a comunidade na periferia dos grandes centros urbanos e em algumas prefeituras. De início conseguiram emplacar alguns deputados, e na segunda investida, no ano 1976, expandiram-se assumindo prefeituras importantes de cidades médias. A grande bandeira: "não seremos prefeituras apenas tocadoras de obras, mas prefeituras voltadas para o social". Nesse social estava a saúde do cidadão que nenhuma cobertura tinha além dos planos de saúde para as empresas de maior porte e o Inamps para cuidar da saúde do trabalhador registrado e de empresas menores que não aderiram a planos de saúde. Depois do MDB, foi a vez de os partidos progressistas se libertarem da sigla emprestada. Além de grupos que aproveitaram siglas anteriores, houve grupos novos que fundaram partidos, como o PT, de corte do coletivo dos trabalhadores. Esses partidos tinham em comum a defesa da saúde juntando população e técnicos da saúde
• Prefeituras com bandeiras progressistas – Ao trio faltava um outro ator. Não acontece isso nem no âmbito federal, nem noestadual, mas no municipal. Os municípios, por estarem mais perto das necessidades da população, carregavam o problema e a angústia do que não sefazia em saúde e prejudicava sua população. Nesse cenário, em 1976, surgiramvárias administrações municipais com a proposta de se comprometer com o social e não ser apenas prefeituras tocadoras de obras. Assim se definiu e assim surgiu o que mais tarde se denominou como movimento municipalista de saúde. Sem nenhum dinheiro novo, com o apoio de algumas raras universidades e com uma turma quixotesca de sanitaristas e simpatizantes com a proposta de fazer saúde para toda a população, em especial às camadas sociais mais desfavorecidas. Coincide o tempo com o movimento mundial que culminou na reunião de Alma-Ata e sua declaração com ênfase na atenção primária à saúde. Nascem nos municípios, imitando o que acontecia no mundo, as equipes de atenção primária construída por três profissionais, principalmente: o médico, o enfermeiro e a nova categoria denominada agentes de saúde.
O debate continuava e as experiências e modelos práticos acontecendo Brasil afora. A crise da previdência na década de 1980 provocou que se levasse a cabo uma associação mais forte entre o Inamps e os serviços públicos de saúde. Nasce aí o que se denominou Ações Integradas de Saúde (AIS). O cerne: parceria da previdência com a saúde pública municipal e estadual; prestação de cuidados, principalmente primários ambulatoriais; transferência de recursos da previdência para que fossem realizadas essas ações pelos Estados e municípios. A partir de 1987, as AIS foram aprimoradas com o que se denominou Sistemas Unificados eDescentralizados de Saúde (Suds), que durou até 1991 quando se implantou o Sistema Único de Saúde (SUS).
A discussão de uma proposta inovadora e universal com a comunidade e os técnicos resultou naquilo que se denominou Projeto da Reforma Sanitária. Foi emprestada a Tancredo Neves e apropriada como Proposta de Saúde da Nova República. O movimento foi crescendo e culminou com uma grande assembleia em 1986, que foi a VIII Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, com cerca de cinco mil pessoas do Brasil inteiro que referendaram a proposta da Reforma Sanitária. Essa presença maciça dos cidadãos usuários foi possível pois as AIS introduziram Conselhos de Saúde, com participação comunitária, em cada município como condição de adesão à proposta.
A proposta da reforma sanitária, referendada pela população, por técnicos gestores foi entregue aos constituintes que absorveram grande parte das teses ao definir a Ordem Social e, dentro dela, a Seguridade Social.
 
O que ficou definido na legislação – vide no texto completo anexo
Ainda que nem tudo fosse absorvido pelos constituintes, os pontos principais assim o foram. Faltou principalmente uma melhor definição da proposta de financiamento do Sistema. A discussão continuou, pois nem todas as questões eram prontamente absorvidas pelos constituintes. O Sistema Único de Saúde nasce num grande acordo entre conservadores e progressistas.
 
A política federal de saúde dos últimos 10 anos – 1993-2012
A decepção é sempre diretamente proporcional ao tamanho da expectativa positiva que se tem. Assim, depois de oito anos de mandato de FHC, as pessoas progressistas estavam prenhes de esperança de que o país mudasse e a saúde pública tomasse os rumos legais.
Muitas foram as discussões e os debates sobre programa de governo para a saúde quando Lula se pôs em caminho. Não foram iluminados que fizeram o programa de governo do Lula, mas centenas de mãos, as mais diversas que tinham um objetivo comum: a construção do SUS constitucional.
Separei alguns desses fatos que podem servir de análise sobre esperança e decepção com o governo Lula e Dilma na área social da saúde.
O PT e sua guinada à direita neoliberal
Nem sei se à direita neoliberal, pois os conceitos de esquerda e direita perderam muito de seu sentido. Liberal ou neoliberal é um conceito vivo e já perenizando pelo seu conceito ideológico explícito.
Tenho feito um comentário que recebe críticas acerbas dos petistasinveterados e convictos. Na área de saúde, pois não ouso extrapolar minhas conclusões para outras áreas de que pouco entendo, nenhuma diferença fundamental há entre a proposta dos partidos progressistas com o partido conservador que o precedeu. A mesma lógica mercadológica de usar todos os meios para impor marcas de governo. É o mesmo pensamento neoliberal que glorificameios e eficiência no atingimento de objetivos. Estão as saídas de gestão pública, induzidas a boca pequena, para serem implementadas na administração de Upas e Samu.
Pensava ser esse um pensamento audacioso e provocador de iras. Foiquando encontrei uma análise do cientista político e professor Luiz WerneckVianna na revista POLI (n.25, set.-dez. 2012, p.13-15), porta-voz deinstituição do Ministério da Saúde: "Impossível dissociar, em laboratório, as políticas do PT e do PSDB. PT e PSDB são duas colorações da mesma socialdemocracia. São duas faces da mesma identidade política. Não há uma destinação de classe explícita: o PT é o partido dos trabalhadores, dos operários, doscamponeses e o PSDB é o partido dos capitalistas, empresários, dos economicamente privilegiados. Isso não é verdade".
A proposta de Lula e Dilma e a negligência com a saúde
Uma primeira constatação é em relação à priorização da saúde. Comosempre um discurso de priorização e uma prática pífia. Lula teria confessado em recente bate-papo informal que, infelizmente, pouco tenha feito para a saúde. Lula teve nesses oito anos de governo quatro ministros da Saúde. O primeiro de sua escolha direta, um prócere do partido, mas sem prática de gestão, nem grande conhecedor do SUS. Um segundo, com reconhecido conhecimento de SUS, mas escolhido para um mandato curto e membro de um outro partido da base aliada ao governo. O terceiro, um mandato tampão de um servidor de carreira na saúde, com larga experiência e compromisso com a saúde pública. A interinidade impediu que assumisse a revolução do legal. Depois um sanitarista histórico com vasta experiência, mas que não fez a sua equipe, trabalhando com um ministério composto por "vários ministérios" dentro dele, cada um seguindo solo as orientações de seu grupo de indicação e apoio. Sua própria indicação não foi reconhecida como de um partido aliado, ficando na cota do presidente.
Dilma, no primeiro mandato, tem como ministro da Saúde um orgânico do partido, ex-ministro de Lula na área de relações institucionais e que abraçou a saúde com grande entusiasmo e baixo conhecimento de SUS. Um político nato que, segundo veiculado na mídia, está se cacifando para concorrer ao governo de seu Estado. Cercou-se de técnicos de primeira linha, advindos da gestão municipal, mas que, até o momento, não conseguiram levar à frente uma proposta coesa econsistente de política de saúde consolidando o mesmo modelo de prática ilegal. Continuam fazendo o mesmo do mesmo com discurso da eficiência em contraponto com o de falta de recursos. Já transcorreu metade do governo e não se vê nenhuma luz animadora no fim do túnel.
Essa história maniqueísta de contraposição entre financiamento e eficiên- cia se repete a cada novo governo. De um lado, o discurso de necessidade de buscar a eficiência que fará render melhor os recursos atuais. De outro, um discurso de busca de mais financiamento que dizem ser uma proposta descabida, pois mais dinheiro, sem eficiência, levará a mais perda de recursos.
Minha avaliação sobre esses dois polos da discussão é de que as duas questões são fundamentais, indissociáveis nessa área de Saúde Pública. Tenho evidências, de um lado, que me levam a ter certeza de que o financiamento éinsuficiente para a saúde pública e, de outro, existe ineficiência. Essa é apior associação: insuficiência e ineficiência que se potencializam.
O império das portarias inconstitucionais e ilegais
Dentro da hierarquia da legislação temos, no âmbito federal, a sequência decrescente em peso da legislação. Em primeiro lugar, a preponderância, como lei maior, a Constituição Federal de 1988 alterada poralgumas dezenas de emendas constitucionais acontecidas nesses 25 anos. Em seguida, as leis com predominância das Leis Complementares sobre as Leis Ordinárias. Depois, os Decretos Federais. Depois, ainda, as várias portarias provindas dos ministros e das secretarias dos ministérios com predominância daquelas sobre estas. Nada pode ser feito fora dessa hierarquia. Leis, decretos, portarias só podem mandar fazer aquilo que está na Constituição Federal. E assim por diante. As portarias, portanto, hierarquicamente as derradeiras, jamais podem ditarregras que contrariem CF, Leis e Decretos.
Vã expectativa. O que mais ocorre é exatamente o contrário: portarias contrariando frontalmente as leis. São centenas e milhares de portarias ao ano só do Ministro da Saúde e existem ainda outras de seus secretários e o equivalente das agências reguladoras. A grande maioria delas ilegal e/ou inconstitucional. Assim acontece no pós-constitucional como rotina de todos os governos que por lá passaram de qualquer matiz ideológico. O único matiz existente é a prepotência de descumprir a lei, pois o Ministério da Saúde acha que é dono do dinheiro que arrecada (única esfera que pode arrecadar) e que se "prejudicará" se cumprir a legislação.
Havia uma esperança explícita de que com o novo governo comandado por Lula a legislação fosse cumprida. O que não ocorreu nestes dez anos: oito de Lula e dois de Dilma.
As marcas de governo e de ministros da Saúde em detrimento da marca SUS
Primeiro entender que as ilegalidades, em sua maioria, não são praticadas pelo presidente ou por outros ministérios do núcleo duro de governo (Fazenda, Planejamento, Orçamento). É o próprio Ministério da Saúde que cria suas marcas próprias ligadas a cada um dos ministros que por lá passam e que, por vezes, conseguem vender ao presidente. Essa não é uma característica só dos últimos presidentes, mas de quase todos que por lá passaram nas décadas de redemocratização. Exceção seja feita ao governo Collor e seu ministro Alceni Guerra, que fez toda uma campanha para difundir e implantar a marca SUS comnormas para fazer e colocar o logotipo em todos os locais de atendimento, emtodos os impressos etc. Até bandeira do SUS existia!
Daí para a frente, um festival de marcas que deixam prefeitos e secretários desorientados. Brotam de mentes extremamente profícuas com excesso de retas intenções. Lembrando que todos e cada um dos municípios têm que ler, estudar, entender, explicar para seu prefeito, vereadores, conselheiros, profissionais e até à mídia toda essa parafernália de nomenclatura de vida curtíssima. Para a população, o que importa é a resposta que oferecemos a seus problemas ou depois de acontecidos ou com medidas corretivas antecipatórias. O capricho de cada administração levou a que se inovasse até na nomenclatura brasileira (contratação agora é contratualização) ou se invertessem termos constitucionais (regulação não é mais o conjunto de leis e normas sobre determinado tema, mas a gerência/gestão da oferta de cuidados de saúde). Assim se multiplicam. Entre as marcas de governo que esconderam a marca SUS podemos citar: Nobs, Noas, pacto e seus blocos; redes e entre elas a Rede "Cegonha", nome criticado veementemente pelos movimentos populares da área; farmácia popular e ênfase na faixa de calçada: "Aqui tem farmácia popular" depois desdobrado em "Saúde não tem preço".
Para cada marqueteiro assessorando autoridades há um técnico cheio de saber e de retas intenções, instrumentalizando e ajudando a concretizar o sonho da marca de governo. A ideia mestra hoje no Ministério da Saúde é definir eescolher o legado (marcas) que deixarão para a posteridade!
 O imbróglio do financiamento federal para a saúde
Antes de discussão dos embates do financiamento quero fundamentar a assertiva de que o governo federal vem subfinanciando a saúde e que o Brasil gasta recursos insuficientes. A demonstração através de evidência facilitará o entendimento dos equívocos cometidos pelo governo federal nestes últimos dez anos.
Faço o demonstrativo de três evidências a partir de dados concretos mostrando o constante desfinanciamento federal.
1a Evidência: o gasto federal per capitacaiu entre 1997 e 2008 e só aumentou depois diante da ameaça da gripe suína. Em 1997 eram R$ 294 per capita. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, R$ 234, e em 2008, R$ 289.
2a Evidência: entre 1995 e 2011 caiu o gasto percentual em relação à Receita Federal. Em 1995 o Ministério da Saúde tevedisponível para suas atividades 11,72% da receita corrente bruta da União. Em 2011, esse percentual caiu para 7,3%.
3a Evidência: a participação federal no financiamento da saúde pelas três esferas de governo veio caindo e aumentando a participação de estados e municípios. Em 1980 a participação federal era de75%, a estadual, 18%, e a municipal, de 7%. Em 1991, 73% da União, 15% dos Estados e 12% dos municípios. Em 2001 a União continua diminuindo seu gastoagora representando 56%, os Estados, 21%, e os municípios, 23%. Já em 2011, a União apenas contribuiu com 47%, os Estados, com 26%, e os municípios, com 28%.
Outro argumento que sempre mostro em meus estudos é sobre o baixo volume de recursos para a saúde pública das três esferas de governo. Faço algumas comparações que acabam sendo evidências do baixo gasto com saúde. Os dados brasileiros são de 2010 e os de outros países, de 2009, obtidos no anuário Estatístico da OMS – Organização Mundial de Saúde.
1a Evidência: podemos comprar os recursos gastos com saúde pública e os gastos per capita dos planos de saúde com seus beneficiários. Os planos de saúde gastariam R$ 298 bi para atender a toda população brasileira usando o mesmo per capita e sem oferecer todas as ações oferecidas pelo SUS, como as de vigilância, vacinação etc. Se o SUS em 2010 gastou R$ 138 bi, estariam faltando R$ 160 bi.
2a Evidência: o gasto médio público como percentual do PIB dos países da OMS foi de 5,5%. O Brasil tem um gasto de apenas 3,7%. Se fôssemos usar o mesmo percentual seriam necessários R$ 210 bi, ou seja, mais R$ 72 bi dos atuais R$ 138 gastos.
3Evidência: se usarmos como ponto de comparação os gastos per capita dos países mais ricos do mundo, o Brasil teria necessidade de R$ 910 bi, ou seja, o sonho inatingível de serem necessários R$ 772 bi a mais de recursos.
4a Evidência: se usarmos o per capita depaíses da Europa precisaríamos de R$ 543 bi, ou seja, R$ 405 bi a mais que os R$ 138 bi atuais.
5a Evidência: se usarmos o per capita médio das Américas precisaríamos de R$ 538 bi, ou seja, R$ 400 bi a mais que os atuais R$ 138 bi.
Impossível não destacar que o ano de 2003, primeiro do governo Lula, foi aquele em que menos recursos federais foram gastos em saúde, trabalhando-se com um valor per capita. Acima, isso está definitivamente demonstrado: em 1997 eram R$ 294 por habitante. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, caiu ao mínimo patamar, chegando a R$ 234, e em 2008, a R$ 289.
A busca de mais recursos federais para a saúde começa já em 2003 – Projeto de Lei Complementar 01/2003 –, puxada por um deputado médico, histórico do PT, que apresentou uma proposta de regulamentação da EC-29 determinada pela própria EC. Foi um dos projetos mais discutidos e teve um excelente relator, o deputado médico do PT Menezes. Isso se arrastou até 2007.
Em 2007 – primeiro ano do segundo mandato de Lula, deveria ser votada a prorrogação da CPMF. Passou pela Câmara e foi ao Senado. O Senado endureceu, principalmente por ter maioria oposicionista. Fez uma exigência a Lula de que só aprovaria se todos os recursos da CPMF fossem destinados à saúde (cerca de R$ 40 bi à época). Lula não cedeu por achar que conseguiria a maioria necessária dos votos. Depois de praticamente perdida as chances de aprovação, Lula manda ao Senado um ofício dizendo que os recursos todos seriam aplicados em saúde. A oposição tripudiou depois de tardiamente o presidente ter se colocado de joelhos e votou contra a prorrogação da CPMF. Perdemos todos, pois o projeto de Roberto Gouveia já havia sido votado na Câmara e contando com a permanência da CPMF. Diante disso este projeto enviado ao Senado morreu.
O Senado, também em 2007, apreciou um projeto do senador Tião Viana, médico do PT, destinando 10% da Receita Corrente Bruta para a saúde. Foi aprovado por unanimidade pelos senadores de oposição e situação. Foi encaminhado à votação da Câmara. O governo, mais que depressa, colocou um relator médico petista, alinhado com o palácio, que apresentou um substitutivo ao do senado. Voltou-se à redação anterior da Câmara e foram retirados os 10% da Receita Corrente Bruta e criando-se a CPMF (agora CSS) com alíquota menor e destinada só à saúde. No final a Câmara aprovou o substitutivo e derrubou aCPMF (agora CSS). Como houve modificação substantiva na Câmara, o projeto voltou ao Senado. Grande expectativa. No Senado o projeto dele com 10% da RCB foi aprovado por unanimidade e o da Câmara, exatamente o contrário, e mantendo tudo como antes constante da EC-29. Por ordem expressa da presidente Dilma, o Senado, agora favorável ao governo, votou pelo projeto da Câmara. São momentos que demonstram a distância entre o discurso de privilegiar a saúde e o de asfixiá-la pelo subfinanciamento.
Planos e seguros de saúde subsidiados pelo público
A última novidade trazida pela mídia são os planos de saúde para os pobres com subsídios do governo, o que equivale a renúncia fiscal. O governo nega oficiosamente, mas o que vaza de notícia é a confirmação de que essa discussão esteja ocorrendo.
As mensagens explícitas (estudos e reuniões desde o final de dezembro e início de 2013):
• Dilma pessoalmente negocia com seguradoras e administradoras de planos de saúde;
• Pacote: medidas de estímulo financeiro ao setor em troca de melhoras de atendimento;
• Do lado do governo: redução de impostos; linha de financiamento para infraestrutura hospitalar; solução para dívida das Santas Casas;
• Do lado dos planos de saúde: redução de preços para facilitar acesso de pessoas aos planos privados; elevar o padrão de atendimento.
Alguns números interessantes para avaliação da dimensão do SistemaSuplementar de Saúde. Os dados de 2012 consolidados só serão publicados no final de março. Hoje trabalhamos com dados de setembro de 2012. As operadoras de planos médico-odontológicos de saúde somam 1.245. A clientela, a 47,6 milhões. O faturamento global em 2011 foi de 85,5 bi. Estima-se que nos dados consolidados de 2012 chegue perto de 100 bi.
De outro lado, precisamos conhecer os números de gastos tributários (renúncia fiscal) da União com Saúde. Em relação ao imposto de renda, R$ 13,3 bi (pessoas físicas R$ 9,9 bi e pessoas jurídicas R$ 3,4 bi); para medicamentos e produtos químicos e farmacêuticos, R$ 4,2 bi; e para as filantrópicas, R$ 2,6 bi. Dois outros programas para oncologia e deficientes têm uma desoneração esperada de mais R$ 0,8 bi. Para 2013, são da ordem de R$ 20,9 bi, segundo dados da Receita Federal.
A renúncia fiscal do imposto de renda está intimamente ligada à desoneração dos planos que pela lógica contábil é cofinanciado por todos oscidadãos. Também a renúncia de medicamentos está estendida a planos e seguros, bem como a das filantrópicas que são beneficiadas pela renúncia e muitas delas oferecem instalações para atendimento de seus próprios planos de saúde como de outros.
A proposta do governo para seguradoras e operadoras oferecerem planos de saúde para os mais pobres tem duas iniquidades intrínsecas. Para os planos, desoneração. Para os pobres, uma sobretaxa, pois além de pagarem ao SUS, obrigatoriamente, pagarão mensalidades onerando sempre as famílias mais numerosas com menor renda per capita.
O governo, abandonando seu papel constitucional de oferecer e garantir um sistema de saúde para todos os cidadãos, faz a maldade completa. Desonera os planos e onera mais os cidadãos. 
Pior. Todos sabemos que a história se repetirá: os planos de saúdeacolherão preferencialmente os mais jovens (os sem doenças) e rejeitarão osmais velhos (os com doenças). Mais. Como acontece já hoje: farão procedimentos mais simples e baratos e deixarão ao SUS (direito de todos os cidadãos) a execução de procedimentos mais complexos e caros. E se a lei determina ressarcimento continuarão usando de todos os recursos legais para não pagá-lo. É a facilidade da opção esperta de ter lucro sem matéria: recebe por tudo e só oferece parte.
Uma série de questionamentos se impõe:
Dilma se assessorou de alguém que entenda a Constituição Brasileira e as leis de saúde com a obrigatoriedade de garantia de saúde pública para todos os cidadãos: o tudo para todos (integralidade com universalidade)?
Para melhorar a qualidade do atendimento contratual às pessoas o governo tem que oferecer compensações financeiras?
A questão das Santas Casas e seu déficit crônico na maioria delas,principalmente as de pequeno e médio porte, tem alguma coisa a ver com a renúncia fiscal dos planos ou misturaram-se os canais para gerar compaixão?Grandes e essenciais diferenças: as Santas Casas são parceiras do público e mal remuneradas em preços e prazos. Planos e Seguros estabelecem uma relação comercial lucrativa (lícita pela CF) baseada entre outras na lei do direito do consumidor.
Não existe milagre na saúde. A proposta dos governos progressistas dos últimos anos nada mais é que reforçar a proposta neoliberal, usando exatamente o discurso contrário, ao invés de garantir cada vez mais recursos e eficiência ao setor público. Trabalha-se em sentido contrário. A meta é diminuir a universalidade da clientela. Levar as pessoas a cada vez mais se utilizarem de planos privados de saúde pagando sobre o que já pagam. Enfiando a mão no bolso para suprir o que lhes falta e que já está garantido por impostos e contribuições.
Lembrando que depois da liberação de lei sobre planos da época de FHC que autoriza a entrada de capital estrangeiro aconteceu no governo Dilma a primeira transação sem nenhuma tentativa de dificultar o negócio.
 
Conclusão: reconhecendo os progressos de 10 anos
É posição comum colocar todas as mazelas do SUS nas costas principalmente dos municípios e as conquistas do SUS na responsabilidade apenas do governo federal, Ministério da Saúde. A autoria de qualquer sucesso deve ser tributada às três esferas de governo, bem como os fracassos da atenção ao cidadão. Estados e municípios são os efetores finais das ações de saúde. Só não aconteceu o pior na saúde pública porque diante do subfinanciamento federal os municípios foram aumentando seus recursos muito acima do piso legal (15%) chegando a mais de 20%, e os Estados se aproximaram do piso legal de 12%.
Sob o aspecto regulatório temos a comemorar a regulamentação da Lei 8.080 feita através do Decreto 7.508. Um feito de Temporão (ministro de partido aliado) dada continuidade pelo atual ministro Padilha. Com vinte anos de atraso podemos comemorar conquistas.
Outra questão ainda regulatória foi a oficialização por lei da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e Bipartite (CIB). Elas foram criadas por portarias de 1991 e depois de 1993. Seus papéis conflitavam com o do Conselho que tinha respaldo de uma lei. Com a nova lei, que acrescenta artigos na Lei 8.080, aplaina-se esse caminho.
Muita coisa foi feita e, não obstante, a crítica cerrada ao SUS tenho certeza absoluta de que o sistema público de saúde brasileiro mais faz do que deixa de fazer. Saímos da indigência, do marco zero, para oferecer inúmeroscuidados de saúde individuais e coletivos. De baixa, média e alta complexidade. Preventivos e curativos.
Para se aquilatar o tamanho do SUS é necessário conhecer os números de 2012. O total de procedimentos das três esferas de governo chegou ao astronômico número de 3,9 bi. Só de internações, 11 mi, sendo 3,3 mi de cirurgias, 2 mi de obstetrícia e 6 mi de internações clínicas. Exames, 887 mi, incluindo os bioquímicos e os de imagem. Ações de promoção e prevenção, 583 mi. A sensação exata é de que muito foi feito, mas ainda se tem para fazer. Na verdade, mais foi feito do que resta fazer.
Ainda em relação a novos desafios rememoro aqui os 13 compromissos da Dilma em campanha presidencial. Cada um desses itens tem compromissos internos onde a maioria não saiu do papel.
Treze pontos que vão melhorar a saúde dos brasileiros e fortalecer o SUS no governo Dilma (programa acordado com os partidos políticos da base).
1) Incrementar as ações de proteção e promoção da saúde e prevenção de doenças.
2) Ampliar o acesso da população às ações e serviços de saúde.
3) Humanização, acolhimento e qualidade.
4) Avançar na política de assistência farmacêutica com distribuição gratuita de medicamentos e fortalecer o programa farmácia popular implantada pelo governo Lula.
5) Fortalecer a saúde mental e promover o tratamento do uso abusivo do álcool, do crack e de outras drogas.
6) Garantir financiamento para investimento na melhoria da infraestrutura da rede de atenção à saúde do SUS.
7) Aprofundar as políticas de gestão do trabalho e a educação na saúde.
8) Ampliar a qualidade de gestão do sus modernizando os seus mecanismos de  gestão.
9) Financiamento crescente e estável para o setor, compatível com o  crescimento, o desenvolvimento econômico e social do país e com as necessidades do SUS.
10) Aprovar a lei de responsabilidade sanitária.
11) Fortalecer o controle social com gestão democrática e participativa.
12) Aumentar a capacidade de regulação do estado brasileiro sobre os diversos setores econômicos que influenciam a saúde.
13) Ampliar as políticas de fortalecimento e desenvolvimento do complexo produtivo da saúde.
Referências
Brasil – Legislação: CF; Leis 8.080 e 8.142; LC 141. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>         [ Links ].
 
 
2. SEGUNDA PÁGINA – TEXTO DE CONVIDADOS    –    OS TEXTOS ASSINADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS AUTORES.
 
2.1 A saúde pública de todos nós
De Lenir Santos, doutora em saúde pública pela UNICAMP; especialista em direito sanitário pela USP; coordenadora do curso de especialização em direito sanitário IDISA-Hospital Sírio-Libanês; advogada.
Nunca a saúde pública foi tão debatida quanto nos dias hoje, exceto talvez na ocasião da introdução da vacina por Oswaldo Cruz que originou a famosa “guerra da vacina” de intensos debates na sociedade e no congresso nacional. Com a saúde no palco novamente, devemos debatê-la em todas as suas contradições. Antes de 1988, serviços de assistência médica e hospitalar destinavam-se tão somente aos trabalhadores formais e seus dependentes. Para os ricos, a saúde privada, ainda sem um mercado de planos e seguros. Para os demais, as santas casas de misericórdias que destinavam aos indigentes (a maioria da população), serviços gratuitos em suas grandes enfermarias.   A mudança é recente; data de 1988. São apenas 25 anos de direito à saúde. Saúde que nasceu cindida na Constituição. As forças progressistas e as do “Centrão”, na Assembleia Nacional Constituinte, tiveram que aliar a saúde pública à liberdade da iniciativa privada. Uma premissa de difícil conjugação se não houver forte atuação regulatória pública sobre o setor privado, uma vez que o sucesso de um pode ser o fracasso do outro; a saúde pública de qualidade, gratuita, pode ser o fracasso da saúde privada, paga. A saúde pública pobre, o sucesso dos planos e seguros. É preciso, pois delimitar os campos de atuação de ambos. A implantação do SUS, sua estruturação e funcionamento adequados às necessidades de saúde da população têm sido tarefa árdua em todos os sentidos: do seu financiamento insuficiente, que passa ainda pelas formas de gestão incompatíveis com o mundo contemporâneo, à formação dos profissionais de saúde e as dificuldades próprias do sistema público em se estruturar, dada as suas complexidades operativas. Longo e áspero caminho, entrecortado todo o tempo com os vieses do nosso federalismo de centenárias práticas centralizadoras, incompatíveis com o princípio federativo e que tem o município como ente daFederação: ente igual em autonomia e profundamente desigual em seu desenvolvimento econômico-social para o exercício da autonomia federativa e das competências constitucionais. Para promover o equilíbrio nacional, a União precisa atuar no alcance da equidade orçamentária federativa, no desenvolvimento geoeconômico e abandonar as práticas centralistas da cenoura e da vara em relação aos demais entes federativos.
Por isso, para o SUS acertar o passo não são poucas as suas tarefas por se tratar de um sistema único que se espraia em 5.568 municípios e 27 estados, todos autônomos entre si ao mesmo tempo em que são interdependentes na condução da saúde pública. Consideremos apenas algumas que julgamos essenciais: 1.Financiamento insuficiente. Não há como negar a insuficiência do financiamento público na saúde. Não se faz saúde integral (prevenção e recuperação) sem o poder público gastar, minimamente, 7% do PIB. O gasto em saúde no Brasil é 7.9% do PIB, sendo 3.7% público para 191 milhões de pessoas e 4.2% privado para 48 milhões de pessoas (1). Destaque-se, ainda, que proporcionalmente, são os municípios os mais onerados tendo em vista que o gasto municipal com saúde está por volta de 20% a 25% das receitas municipais (a obrigação constitucional mínima é de 15% das receitas), desequilibrando o gasto com as demais atividades municipais públicas. 2.Gestão pública sem modernização ou serviços públicos ineficientes em suas estruturas administrativas. Sendo o SUS um sistema que impõem entre os entes federativos a integração de suas ações e serviços em rede, regionalizada e hierarquizada (em complexidade tecnológica de serviços), haveria de estar em curso as mais modernas formas de atuação da ação pública, em especial as de gestão compartilhada. Um setor público ainda aferrado às estruturas arcaicas de gestão pública, dotadas de minúcias de controles burocráticos e atividades-meio que não conseguem nem coibir a corrupção nem permitir o seu desenvolvimento qualitativo, sendo ainda fato corriqueiro na saúde um equipamento ficar quebrado por seis meses a um ano; uma licitação de compra de bem ou serviços durar um ano; um contrato levar seis meses para ser assinado e assim por diante. O custo “tempo” parece não existir para a Administração que se perde diariamente em reuniões nem sempre produtivas, eventos, viagens, quando as empresas, por teleconferência, realizam diariamente reuniões com o mundo inteiro. A tentativa de melhorar a gestão apenas trouxe para dentro do SUS as organizações sociais que nem sempre são bons exemplos de gestão por incorporar vícios privados no bem público, continuando sem guarida uma série de estudos e propostas como a fundação estatal, o conglomerado público, a empresa pública da área social, o contrato de autonomia, o projeto de reforma da Administração Publica (2). Continuamos a passos de tartaruga num mundo de velocidade virtual. O custo disso para a saúde é muito grande. 3. Formação de recursos humanos na saúde. O SUS é um sistema cujo modelo assistencial se centra na atenção básica que exige resolutividade em 85% dos casos que lhe chegam e deve estar presente em todo o território nacional, em quantidade e qualidade suficientes às necessidades de saúde, de competência municipal, adotando-se o princípio da subsidiariedade.Entretanto, nesses anos, a formação profissional não se modificou para garantir profissionais para o sistema público, mantendo-se ahegemonia de formação para o mercado privado (48 milhões de pessoas). Além do mais somos um país de flagrantes desigualdades socioeconômicas, culturais, demo-geográficas que adotou o modelo de assistência centrada na atenção básica, a qual exigeequipes de saúde e médicos com essa formação em todo o território nacional.Fatalmente a falta de médicos em lugares mais recônditos ou em lugares maisvulneráveis, é fato que seria previsível há 25 anos e que não foi objeto deplanejamento público adequado ao longo do tempo, tanto quanto à formação descolada dos serviços públicos de saúde centrados no modelo definido pelo SUS. A falta de médicos e a necessidade de reformulação da sua formação são fatos incontestáveis e que não podem mais tardar. Por outro lado, falar-se em carreira federal para médicos, como as dos juízes federais (temas inconfundíveis, diga-se), não pode ser vista com bons olhos. Médicos federais, em exercício profissional em municípios, mesmo sob a direção do gestor municipal, será um flagrante retrocesso ao princípio da descentralização e da regionalização da saúde, sem se falar na postergação de um plano de desenvolvimento dos entes municipais para o exercício de suas competências constitucionais. Que se instituam novos modelos de gestão pública que permitam aos entes municipais gerirem seus próprios servidores sem ficarem submetidos aos profissionais de carreira federal, como aconteceu nos primórdios do SUS, com os profissionais do INAMPS, o que sempre foi um problema para o município. Há que se pensar em carreira para os médicos, mas não carreira federal;  deve-se estudar novas formas de gestão interfederativa, como as fundações estatais intermunicipais, os consórcios públicos e outras formas de gestão compartilhada em regiões de saúde, garantindo ao município a gestão de seusservidores que pode ser realizada de maneira compartilhada, garantindo-lhesplano de carreira conseqüente e conforme a forma organizativa do SUS. Lembramos ainda que os médicos precisam também cumprir a carga horária de trabalho para os quais foram contratados. Fato incontestável é o seu flagrante descumprimento. A falta de médicos no país, em especial na região norte e nordeste que muitas vezes fica abaixo de 0,8% (em relação a mil habitantes) e a formação inadequada para os serviços de saúde públicos são fatos contra os quais não há argumentos. A atitude do governo, no momento, ao lançar mão de seu poder deordenar a formação de recursos humanos em prol da saúde pública é um caminhovirtuoso. 4. Planejamento em saúde insuficiente. Se em 1988 iniciou-se uma fase nova para a saúde pública a partir de seu reconhecimento como direito público subjetivo, haveria que ter sido feito um planejamento de longo prazo, 20 anos, talvez, de implantação escalonada das estruturas do SUS. A falta de um plano nacional de desenvolvimento da saúde, que deveria ter sido realizado logo após a edição da lei 8080, em 1990, obrigando a todos os governos pelo prazo necessário à substituição de um modelo por outro, fez com que cada governo ou gestor da saúde, adotasse as medidas que julgassem pertinentes, sem lastro em estudos, pesquisas, informações. Não houve um passo a passo estrutural de longo tempo. Um plano nacional de desenvolvimento da saúde teria sido (e ainda é) de grande valia. É preciso pensar a saúde em longo prazo e não desviar do caminho que deve ser imposto a todos por estarmos em um sistema único em seus conceitos e princípios. 5.Organização estrutural do modelo de atenção em acordo aosseus marcos constitucionais não consolidados.O Ministério da Saúde, responsável pela direção nacional do SUS, deveria ter definido (ou ainda definir) diretrizesnacionais de implantação das estruturas do SUS em médio e longo prazo. As mudanças no SUS foram se dando aos trancos e barrancos, havendo hoje mais de mil portarias dispondo sobre essas estruturas, sua forma organizativa, suaspolíticas e demais ações e serviços; uma babel, ininteligível que fraciona um sistema que precisa ser uno em todos os seus sentidos. O SUS se assenta em alguns pilares constitucionais: competência tripartida (todos os entes da federação cuidam da saúde); modelo assistencial centrado na atenção primaria, o que exige redesuficiente de serviços para a continuidade da assistência em níveis de maiores complexidades tecnológica, ao lado de um sistema eficaz de referenciamento entre os entes na região e inter-região. A região de saúde é recorte territorial essencial para a organização do SUS quanto à complexidade tecnológica de seus serviços, assim como as referências entre serviços são essenciais para a eficácia da assistência consequente ao primeiro atendimento na unidade básica de saúde. 6.Usando o SUS. Quem usa o SUS de fato? A população, que não tem escolha. Quem pode escolher, compra um plano de saúde; negocia nos seus acordos coletivos de trabalho a assistência de planos de saúde; agentes públicos com sistema próprio, como parlamentares, servidores públicos, magistratura, entre outros, pagos, na maioria das vezes, com recursos do cidadão-contribuinte. Os gestores da saúde pública, na grande maioria, gerem o que não usam. Os juízes julgam serviços que não usam e assim a saúde vai setransformando em bem de consumo esfumaçando o direito e transformando o sistema público num SUS pobre para pessoas pobres. 7.Os planos de saúde sem regulação eficiente. Os planos de saúde não são regulados de maneira suficiente para manter-se como mercado privado sujeito aos seus bônus e ônus. Os bônus são dos acionistas e os ônus do poder público que lhe tem sido complementar ao atender seus contratados nos serviços públicos sem o devido ressarcimento, nos termos da lei. A ANS, ao deixar de cobrar pelos serviços que o SUS presta aos seusbeneficiários, faz renuncia fiscal e nada acontece. Afora a falta de regulamentação dos espaços de mercado em saúde. Qual é o espaço, no âmbito da assistência à saúde (que é livre à iniciativa privada, mas sob regulamentação pública), vai ser reservada ao mercado dos planos de saúde? O que é do público e o que é do privado? E a relevância pública das ações e serviços de saúde prevista constitucionalmente? 8. Judicialização da saúde. Esse fenômeno tem duas vertentes que não podemos ignorar: a insuficiência dos serviços públicos e a eficiência de uma estrutura que se organiza para incentivar a judicialização (3). Separar o joio do trigo nessa seara, que lida com a vida humana e suasfragilidades e o poder médico, é fato complexo e assim seguimos num SUS, comdificuldades ainda para se estruturar e que se desestrutura ante os mandados judiciais diários. Boa parte das liminares garante serviços de saúde para quem tem plano de saúde, desonerando suas operadoras nas suas obrigações contratuais ferindo, assim, o principio da isonomia ao garantir acesso preferencial àquele cidadão que está a espera de um atendimento, exame, medicamento. Afora desconsiderar todo o planejamento, as políticas de saúde, as pactuações entre gestores, os serviços sistêmicos que se transformam em bens e produtos isolados, tal qual um balcão desregulado de serviços ou uma farmácia pública. 9. Gasto com pessoal na saúde sem encontrar sua virtuosidade. Muitos municípios não contratam profissionais para a saúde pelo fato de estar no seu limite de gasto com pessoal permitido pela lei de responsabilidade fiscal. A LRF vigora desde 2000; as reclamações aumentam diuturnamente e nada se resolve. A fundação estatal não dependente do orçamento público (4) poderia ser uma solução para parte desse problema; o não cômputo das despesas com pessoal decorrentes dos recursos das transferências federativas também poderia ser outra medida de alívio; contudo nada foi feito nesse campo. E tudo continua como desde 2.000.
10. A saúde pública deve garantir um padrão de integralidade (rol de ações e serviços de saúde) ao cidadão num pacto social. Não há tudo para todos em área que tem custos. Direitos que custam precisam de delimitação em razão do orçamento público. É imperioso que o poder público discuta com a sociedade quais ações e serviços de saúde serão garantidos a todos, de maneira universal, igualitária e equânime. Essa escolha tem que ser um ato integrado entre a sociedade detentora do direito e o Estado detentor da obrigação de fazer; esse pacto que referendaria o previsto na RENASES (5) poderia inclusive ser uma medida de “desjudicialização” da saúde e uma maneira de se programar o gasto com saúde em médio e longo prazo. Não se pode incorporar tecnologias na saúde que não possa ser garantida a 191 milhões de pessoas, sob pena de servir para os apadrinhamentos que ainda existe no serviço público.
Vê-se que esse debate que se instalou sobre a saúde brasileira é eivada de dúvidas e contradições que precisam ser sanadas urgentemente num pacto social. A crise atual da saúde implica todos nós. Somos todos responsáveis pela saúde pública brasileira, bem protegida pela Constituição, mas que depende de todos nós.   (1) Fonte 2011. SIOPS/MS.
(2) Elaborado há três anos por uma comissão de jurista, graciosamente, para o Governo Federal.
(3) Indústria farmacêutica, lobistas, advogados; uma indústria para incorporar medicamentos e tecnológicas no cotidiano do SUS sem registro na ANVISA. 
(4) PL 92 que se encontra no Congresso Nacional desde 2007, sem votação.
 


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