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Comissão da Verdade agora para a Saúde

26 de janeiro de 2014
 
Grupo vai apurar casos de violência e perseguição a profissionais do setor durante a ditadura militar
 
Alessandra Duarte
 
Prisão, tortura, exílio e também fim de pesquisas médicas e perseguição a quem defendia um modelo de Saúde universalizado e gratuito, que só viria com a redemocratização. No ano em que o golpe que levou o Brasil à ditadura militar completa meio século, mais uma sombra desse período começará a aparecer: no 1º semestre deste ano acontecem os primeiros depoimentos da recém-instalada Comissão da Verdade da Reforma Sanitária, que vai apurar casos de violação de direitos humanos pela ditadura especificamente contra médicos e trabalhadores da Saúde no pais.
 
Lançada no Rio no fim de 2013, em congresso da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Comissão é organizada pela Abrasco e pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). A coordenação é da médica Anamaria Tambellini, professora aposentada da UFRJ e da Fiocruz.
 
- Além de realizar audiências e tomar depoimentos, vamos buscar documentos e arquivos. Todo o material que produzirmos vamos enviar à Comissão Nacional da Verdade - diz Anamaria, destacando que a Comissão não tem prazo para concluir os trabalhos, que contarão com núcleos já formados em São Paulo, Bahia, Pernambuco, Paraná, Distrito Federal e Mato Grosso.
 
Além de investigar violações, a Comissão também terá como alvo profissionais da área que colaboraram com o regime, em sessões de tortura ou em expedição de atestados, por exemplo.
 
Um dos casos de perseguição a serem apurados, talvez o mais simbólico, foi contra pesquisadores da Fiocruz, no Rio, episódio que acabou conhecido como "massacre de Manguinhos"
 
CARREIRAS INTERROMPIDAS
 
Outro caso de perseguição foi o de José Ruben Bonfim. Primeiro presidente do Cebes e hoje médico sanitarista na prefeitura e no governo de São Paulo, o pernambucano estava, em 1973, no 6º ano de Medicina da UFPE. "Ainda não tinha 24 anos" quando quase foi seqüestrado, conta - e seu quase seqüestro incluiu até esconderijo em convento.
 
- Eu tinha ligação com a Ação Popular. Atendia, como médico, muitos de seus integrantes, por exemplo, o dirigente José Carlos da Matta Machado lembra Bonfim, que na época trabalhava no Hospital Pedro II, então o hospital universitário da UFPE. - Um dia, em setembro, quando muitos da Ação Popular foram mortos em Pernambuco, dois homens bem-vestidos surgiram no hospital e vieram perguntar logo a mim se eu sabia onde o José Ruben estava. Eles não sabiam como eu era. Eu disse "Deixa eu ver se ele está ali" e fingi que ia procurar. Fui esperto, né?
 
Bonfim foi direto até um professor, que tentou sair do hospital com ele escondido no carro, mas já tinham fechado as saídas do Pedro II. O então estudante de Medicina acabaria escapando a pé mesmo, pela Favela dos Coelhos, no entorno do hospital:
 
- Liguei para outro professor, muito meu amigo. He tinha uma irmã freira Foi me buscar na favela e me levou até o convento onde ela ficava, em Olinda. Fiquei escondido lá por três meses, com conhecimento da madre superiora. Depois, fui de ônibus até João Pessoa (PB); de lá, para o Rio; e, então, para São Paulo. Soube depois que até detiveram meu irmão achando que era eu.
 
Participante da fundação do Comitê Brasileiro pela Anistia e hoje, aos 64 anos, integrante da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária, Bonfim conta ter tido vários colegas de faculdade torturados; alguns ficaram com perturbações psicológicas:
 
- Muitas possibilidades de carreiras foram interrompidas. Essa Comissão, além de revelar a verdade, vai ter o mérito de ser pedagógica, pois muita gente das novas gerações não conhece a perseguição sofrida pelo movimento da reforma sanitária, responsável, com orgulho, por construir na Constituição os artigos que criaram o SUS. A perseguição ao nosso movimento ocorreu porque só na democracia se podia ter um sistema de Saúde equânime - resume Bonfim.
 
Outro caso foi o da prisão e da tortura do médico Irun Sant Anna, falecido em 2012.
 
- Foi preso várias vezes, e muito torturado. Onde mais sofreu foi no Dops. Chegou a me dizer depois que, lá, se tivesse tido a chance, teria se matado - conta o advogado Modesto da Silveira, homenageado no lançamento da Comissão e que defendeu San Arma, integrante do PCB e fundador da UNE.
 
A perseguição à Saúde no país não era apenas contra os profissionais. Pesquisas e projetos também foram vítimas do regime.
 
- Questionávamos o sistema oferecido, baseado nos Inamps, onde só era atendido quem tinha carteira assinada. Questionávamos os chamados determinantes sociais da Saúde, ligados à pobreza da população. Incomodávamos a ordem. Foi um movimento contra-hegemônico que se desenhou nos anos 70, período mais duro do regime - diz Ana Costa, presidente atual do Cebes.
 
A fundação do próprio Cebes em 76 foi uma forma de criar um espaço de debate num período em que reuniões eram malvistas. Criaram um "grupo de estudos" mas que também fazia debate político: por exemplo, nos lançamentos das edições da revista "Saúde em Debate" criada pelo Cebes também em 76 e até hoje referência no setor.
 
- Algumas vezes, pessoas foram impedidas de ceder espaços para os nossos lançamentos. Uma vez, chegamos a um lugar onde estava marcado o evento, e a pessoa avisou: "Vão embora, que vai dar polícia" - diz Ana, elencando integrantes do movimento da reforma sanitária perseguidos pelo regime: - Eu, a Anamaria, Sérgio Arouca, Eleuterio Rodrigues Neto, David Capistrano Filho.
 
Anamaria Tambellini lembra que não foi presa por causa de David, que havia passado recomendações de que, caso fosse preso como ocorreu , "cinco pessoas deveriam ser avisadas" Anamaria estava entre elas.
 
Ela própria também teve dois estudos interrompidos. E que ilustram o tipo de pesquisa que incomodava na época:
 
- Eu fazia parte de um projeto sobre saúde do trabalhador, na Fiocruz, nos anos 70. A gente começou a ir pesquisar, na Delegacia Regional do Trabalho, documentos sobre acidentes de trabalho. Na 4ª vez, não nos deixaram mais entrar. Usaram a palavra mágica: aquele assunto era de "segurança nacional" - lembra.
 
Também nos anos 70, ela e outro pesquisador da Fiocruz, Eduardo Costa, faziam um estudo sobre meningite:
 
- Havia epidemia em áreas do Estado do Rio - diz Anamaria.
 
- Não conseguimos nem submeter a pesquisa a financiamento. Não era interessante que se falasse em epidemias por aí.
 
- Todos esses casos não representaram uma violência apenas contra pessoas completa Ana Costa.- Foi uma violência contra o próprio desenvolvimento da Saúde no país.
 
Fonte: O Globo


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