Nada mais natural do que dar à luz. Desde que o mundo é mundo, a anatomia feminina apresenta as condições ideais para a passagem do feto. Só em casos excepcionais, há necessidade de intervenção cirúrgica. Daí por que a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece em 15% o índice aceitável para partos cesáreos. O Brasil ultrapassa -- e muito -- o limite recomendável.
Segundo dados divulgados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 52% das brasileiras não se submetem a parto natural. A disparidade dos números chama a atenção. Nos hospitais privados, apenas 12% dos nascimentos se deram por via vaginal. Nos públicos, 55%. O curioso é que só 36% das mães tinham, desde o começo da gravidez, optado pela cesárea. A mudança de opinião se deu ao longo da gestação.
Duas variáveis entram no processo. De um lado, as mulheres querem. De outro, os médicos aceitam. A cultura contemporânea não suporta o contato com a dor. Daí o abuso de antidepressivos, calmantes, ansiolíticos e tudo que pode afastar desconfortos corriqueiros do dia a dia. Tido como doloroso, o parto natural causa apreensão nas futuras mamães. No imaginário popular, "dor de parto" é a pior dor do mundo.
O pré-natal, que teria como uma das atribuições preparar a parturiente para o momento de dar à luz, falha no nobre propósito. Muitas vezes trilha caminho oposto -- incute medo em quem não tinha medo. Existem técnicas simples e acessíveis aptas a reduzir o sofrimento. É o caso da respiração e de exercícios que aliviam as sensações dolorosas.
Os médicos, por seu lado, também contribuem para a explosão de cesárias no país. Com hora marcada para o procedimento, não perdem tempo. Evitam trabalho nos fins de semana e feriados. Mantêm a atenção às clientes porque estarão presentes na ocasião do nascimento do bebê. Une-se, assim, a vontade de umas com a conveniência de outros.
Sabe-se, porém, que a cesária, como todo ato cirúrgico, oferece riscos e inconvenientes (hemorragias, infecções, pós-parto prolongado, que exige de três a quatro dias de internação). Cabe aos obstetras exercer o papel de profissional apto a dar a última palavra -- só indicar cirurgia em casos necessários, como sofrimento fetal ou tamanho exagerado da criança. Impõe-se modificar a cultura de que acesárea é muito boa e segura.
Os cursos de medicina exercem papel importante na mudança de comportamento. Têm, por isso, de reforçar a conduta ética do médico. As associações médicas e os conselhos regionais também têm compromisso com a informação correta e a orientação dada aos profissionais. A decisão por este ou aquele procedimento, vale lembrar, implica riscos e custos.