Medidas preventivas para alguns casos não estão totalmente disponíveis. Especialistas veem necessidade de combate mais efetivo
ANA POMPEU
JULIA CHAIB
Apesar de a incidência das chamadas doenças negligenciadas apresentar índices decrescentes no país, o Brasil ainda convive com número significativo de casos dessas enfermidades. Construções de baixa qualidade, esgoto a céu aberto e contato diário com ambientes sem higiene são situações que deixam a população mais vulnerável a enfermidades como a esquistossomose, a doença de Chagas, a tuberculose e as diarreicas. Não à toa, são também chamadas doenças da pobreza, aquelas para as quais a indústria farmacêutica não volta suas atenções em razão da baixa perspectiva de lucro.
As medidas preventivas e o tratamento para algumas dessas moléstias são conhecidos, mas não estão totalmente disponíveis nas áreas mais pobres. Além disso, a indústria tem menos interesse em desenvolver métodos de diagnóstico mais eficazes e novos medicamentos.Essas doenças são causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações de baixa renda. Por isso, especialistas até comemoram a queda nos números. Doenças infecciosas e parasitárias, por exemplo, eram responsáveis por 11,6% das mortes no país em 1980. Em 2009, esse índice baixou para 4,9%.
Ainda assim, os casos resistem. A malária, que atinge principalmente a região amazônica, teve uma queda de 26% entre 2012 a 2013, segundo dados do Ministério da Saúde, mas ainda chama a atenção a quantidade de 179 mil notificações no ano passado. A tuberculose apresenta um índice estável, com 70 mil registros no ano passado, quase o mesmo que os 71 mil de três anos atrás. Hoje, o Brasil está na 16ª posição na lista de países com maior número de casos da doença. As diarreicas, relacionadas a más condições de saneamento, tiveram aumento do número de casos e mataram mais de 4 mil pessoas no ano passado, principalmente crianças de até cinco anos (leia memória). Os óbitos têm a ver com o difícil acesso aos centros de saúde e ao pouco conhecimento referente a soluções caseiras.
Na opinião do presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Carlos Henrique Nery da Costa, o Brasil tem trabalhado para reduzir a incidência dessas doenças, mas os números ainda preocupam. "Ainda falta muito, senão elas teriam desaparecido, uma vez que temos exemplos de nações que conseguiram controlar as doenças. A China, por exemplo, acabou com a leishmaniose visceral e praticamente liquidou a esquistossomose", detalha. De acordo com o especialista, as taxas brasileiras se assemelham mais às dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento que às dos desenvolvidos.
"Outro ponto importante é que, muitas vezes, os programas de controle dentro do Ministério da Saúde são muito bemfeitos e organizados, mas eles têm impacto muito reduzido quando distribuídos entre estados e municípios", avalia Nery.
Sem controle
Por mais que as doenças tenham o clima e a maior incidência nas classes mais pobres como denominadores comuns, cada uma tem especificidades. De acordo com Nery, dengue e leishmaniose visceral são as mais preocupantes. A primeira por ser endêmica e acontecer em qualquer ambiente. A segunda tem maior incidência e letalidade, além de ser pouco debatida. Os pesquisadores não têm sugestões sobre como controlar a enfermidade, apenas como tratá-la. "Nenhuma das duas tem controle."
A malária ainda mata muitas pessoas, assim como a doença de Chagas, que a ciência não sabe ainda como tratar na sua forma crônica. A hanseníase provoca sofrimento no paciente, além do estigma e preconceito envolvidos. Ela precisa de diagnóstico rápido e boa estrutura das equipes de saúde. Já a esquistossomose está intimamente ligada às condições de higiene e saneamento básico das comunidades. "É um dos calcanhares de Aquiles do país", diz Nery.
A tuberculose também atinge principalmente os mais pobres. Epidemiologista, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e integrante da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose, Ethel Leonor Noia Maciel explica que a doença não se relaciona a más condições de água. "Quando moram 14 pessoas numa casa de dois cômodos, que tem uma ventilação ruim, a probabilidade de transmissão é maior do que em um lugar arejado, com várias janelas", afirma. "As próprias questões nutricionais fazem diferença. Se a pessoa é bem nutrida, o corpo combate o bacilo."
A aglomeração de pessoas também é um fator de risco. Por isso, os presídios têm alta incidência da doença. Nos municípios, a maior concentração de casos de tuberculose no país ocorre no Rio de Janeiro. "São as favelas e as comunidades mais pobres", explica Leonor. "Os indivíduos têm inúmeras verminoses. Há muitos lugares onde não há serviços de saúde", diz. Segundo ela, tem crescido também a incidência em moradores de rua, porque muitos têm problemas de desnutrição, associação com drogas e contaminação por HIV.
Leonor, entretanto, avalia que o governo tem investido mais no combate a essas doenças, tanto com a criação de um departamento específico para a área no Ministério da Saúde, quanto no financiamento de pesquisas. Mas, segundo ela, a melhor forma de eliminar as doenças é trabalhar para erradicar a miséria.