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2008 - Novas regras não podem ficar restritas à norma da ANS

Novas regras não podem ficar restritas à norma da ANS
por Hamilton Hourneaux Pompeu

Dentre as inovações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ao editar a polêmica Resolução Normativa 167/2008[1], norma que dispõe sobre a nova lista de coberturas obrigatórias aos Planos de Saúde, está a incorporação de iniciativas que contemplam políticas públicas na esfera dos direitos reprodutivos, tanto de estímulo ao parto por via vaginal (presença de acompanhante na sala de parto e cobertura a parto realizado por enfermeira), como de incentivo ao planejamento familiar voluntário (inserção de dispositivo intra-uterino, ligadura tubária nas mulheres e vasectomia nos homens).

O direito ao planejamento familiar é previsto no parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição Federal[2], regulamentado pela Lei 9.263/1996[3], que no seu artigo 10 estabelece critérios subjetivos e objetivos para realização de laqueadura tubária e vasectomia, intervenções cirúrgicas que passaremos a denominar genericamente de procedimentos de contracepção definitiva (PCD).

Nesse contexto, até recentemente os PCD eram de disponibilidade obrigatória somente no âmbito do Sistema Único de Saúde, cuja cobertura foi disciplinada pela Portaria 144/1997[4] do Ministério da Saúde, posteriormente revogada pela Portaria MS 48/1999[5], a qual ainda vige.


Mesmo sendo intervenções sem caráter de urgência e concorrerem por recursos e infra-estrutura na rede pública com todos os demais procedimentos cirúrgicos necessários à população, o número de PCD realizados anualmente pelo SUS saltou de apenas 617 intervenções efetuadas em 1998[6] para 62.477 esterilizações no decorrer de 2004[7].


Apesar do rápido crescimento, se considerarmos a conhecida dificuldade de acesso aos serviços do SUS, é de se esperar que a demanda reprimida para os PCD seja alta, o que talvez explique a iniciativa do Ministério da Saúde de expandi-los ao universo dos contratos privados, intenção que já era explicitada no documento Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos – Uma Prioridade do Governo[8], editado em 2005 pelo Departamento de Ações Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde.


Semelhante abordagem tem razão de ser, pois a edição da RN 167/2008 implicou na imediata transferência do SUS à iniciativa privada de mais de 22 milhões de potenciais candidatos aos PCD, que é o número de usuários atualmente em idade reprodutiva vinculados a Planos de Saúde comercializados a partir de 1999, segundo dados da ANS[9].


Diante dessa nova realidade, dados os critérios estritos para realização dos PCD, necessário se faz que as Operadoras de Saúde retomem a Lei 9.263/1996, cuja não observância implica crimes e penalidades dispostas no Capítulo II. Por versaram sobre matéria penal, tais disposições têm força cogente, caráter de ordem pública e se aplicam plenamente às empresas que gerem Planos de Saúde, aos hospitais privados e aos profissionais médicos que executem os serviços, ainda que aspectos penais não tenham sido sequer citados na RN 167/2008.


Na mesma vertente, uma vez que o parágrafo único do artigo 6° da Lei 9.263/1996 atribui à direção nacional do SUS competência para definir normas gerais de planejamento familiar no país, é importante frisar que o teor da Portaria 48/1999 se aplica também ao âmbito das instituições privadas, naquilo que couber.


Estabelecido que conhecer somente a RN 167/2008 não basta, é fundamental determinar à luz do escopo normativo, em que situações a realização dos PCD preenche os vários requisitos exigidos à sua legalidade, as quais podem ser divididas em três grupos fáticos:


I) Por opção voluntária do(a) interessado(a), sem necessidade de qualquer indicação médica, desde que se satisfaçam, cumulativamente, as seguintes condições:

 

 

Capacidade civil plena;


Idade maior que 25 anos OU, pelo menos, dois filhos vivos;


Registro expresso da manifestação de vontade em documento escrito e firmado, em que conste haver sido esclarecido(a) sobre os riscos da intervenção cirúrgica, possíveis efeitos colaterais, dificuldades para sua reversão e opções de métodos contraceptivos reversíveis existentes;


Consentimento expresso do(a) cônjuge ou companheiro(a), quando houver;


Prazo mínimo de 60 dias entre a data da manifestação de vontade e o ato cirúrgico (Lei 9.263/1996);


Prazo mínimo de 42 dias entre a data do último parto ou aborto e o ato cirúrgico (Portaria 48/1999);


Não configuração de vício da vontade do(a) interessado(a) ou do(a) cônjuge ou companheiro(a);


Não execução por técnica de ooforectomia (retirada dos ovários) ou histerectomia (retirada do útero);


Notificação obrigatória ao SUS pelo médico executante.


II) Por indicação médica decorrente de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, desde que se satisfaçam, cumulativamente, as seguintes condições:

 

 

Relatório escrito e assinado por dois médicos, que explicite a situação de risco;


Registro expresso da manifestação de vontade em documento escrito e firmado, em que conste haver sido esclarecido(a) sobre os riscos da intervenção cirúrgica, possíveis efeitos colaterais, dificuldades para sua reversão e opções de métodos contraceptivos reversíveis existentes;


Consentimento expresso do(a) cônjuge ou companheiro(a), quando houver;


Prazo mínimo de 42 dias entre a data do último parto ou aborto e o ato cirúrgico, salvo se o risco for por cesarianas sucessivas(*) ou for a mulher portadora de doença de base em que a exposição a segundo ato cirúrgico ou anestésico represente maior risco para sua saúde, conforme relatório escrito e assinado por dois médicos (Portaria 48/1999) ;


Não configuração de vício da vontade do(a) interessado(a) ou do(a) cônjuge ou companheiro(a);


Não haver sido o parto realizado por cesariana para fim exclusivo de esterilização;


Não execução por técnica de ooforectomia (retirada dos ovários) ou histerectomia (retirada do útero);


Notificação obrigatória ao SUS pelo médico executante.


(*) provavelmente por considerar variantes biológicas, o conjunto normativo não define quantas cesarianas sucessivas são suficientes para justificar a realização de laqueadura tubária por risco de ruptura uterina numa próxima gestação. Berquó e Cavenaghi citam que um parâmetro comumente utilizado é que o histórico de duas cesarianas sucessivas justificaria a laqueadura durante um terceiro parto por cesariana.


III) Em pessoa absolutamente incapaz, mediante autorização judicial regulamentada na forma da lei, desde que se satisfaçam as seguintes condições:

 

 

Não execução por técnica de ooforectomia (retirada dos ovários) ou histerectomia (retirada do útero);


Notificação obrigatória ao SUS pelo médico executante.


Feitas as considerações sobre os requisitos essenciais á esterilização cirúrgica, passamos a descrever os crimes expressamente tipificados na Lei 9.263/1996 e penas a eles cominados, abaixo discriminados:


art.15 - Realizar esterilização cirúrgica em desacordo com os critérios acima expostos – Pena: reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constitui crime mais grave (a pena pode ser aumentada em um terço, se a esterilização ocorrer em situações explicitadas em cinco incisos que reproduzem os critérios já explicitados);


art.16 - Deixar o médico de notificar à autoridade sanitária as esterilizações cirúrgicas que realizar. – Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa;


art.17 - Induzir ou instigar dolosamente a prática de esterilização cirúrgica. – Pena: reclusão, de um a dois anos;


art.18 – Exigir atestado de esterilização para qualquer fim. – Pena: reclusão, de um a dois anos, e multa;


art.19 - Permitir os gestores e responsáveis pelas instituições a prática de qualquer dos atos ilícitos previstos nesta lei. – Pena: aplicação do caput e parágrafos 1° e 2° do artigo 29 do Código Penal.


Além das graves penas acima especificadas, existem outras sanções que atingem a personalidade jurídica da instituição que permitiu o ato ilícito, referência genérica que no âmbito privado pode abranger tanto o hospital que prestou o serviço quanto a própria OPS que o autorizou às suas expensas, fato duplamente preocupante para os segmentos de mercado que tendem a operar com hospitais próprios:

 

 

Multa no montante de duzentos a trezentos e sessenta dias-multa (art. 20, inciso I-a);


Proibição de estabelecer contratos ou convênios com entidades publicas e se beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais ou daqueles em que o Estado é acionista (art.20, inciso I-b);


Suspensão das atividades ou descredenciamento (em caso de hospital credenciado ao SUS, como é comum nas Santas Casas do interior do país, que atendem simultaneamente demanda pública e privada), se reincidente, sem direito a qualquer indenização ou cobertura de gastos e investimentos efetuados, (art. 20, inciso I-a);


Reparação de danos morais e materiais decorrentes de esterilização não autorizada na forma da Lei (art. 21).


Especialmente relevante para OPS que vendem serviços a órgãos públicos, é a possibilidade de serem desclassificadas em licitações por estarem proibidas de contratar com o Estado. Para se ter uma idéia da dimensão deste nicho de mercado, vale lembrar que, de acordo com dados recentemente publicados[10] a partir da análise dos balanços relativos ao ano de 2005 de apenas oito grandes estatais federais, naquele ano foram gastos mais de dois bilhões e setecentos milhões de reais com Planos de Saúde para seus servidores.


Também de grandes implicações para as OPS é o risco de não poder tomar financiamentos em instituições governamentais ou naquelas em que o Estado for acionista, como BNDES, Banco do Brasil e outras, que pode representar restrição adicional a futuros investimentos num setor de notória baixa liquidez[11].


Como se vê, sob a ótica operacional, as OPS têm um grande desafio a equacionar: manter rigorosa observância aos critérios legais para realização dos PCD, sob pena de sanções criminais, sem perder de vista as sanções administrativas previstas na RN 124/2006[12], caso obstem acesso a procedimentos cobertos pelo contrato (artigos 77 e 78), ou incorram em práticas irregulares ou nocivas à política de saúde pública (artigo 30), como é o caso.


Em conclusão, nos parece claro que para pleno cumprimento da RN 167/2008 aos seus beneficiários, as OPS não podem ficar restritas à norma da ANS, que obrigatoriamente deve ser integrada aos aspectos criminais dispostos na Lei 9.263/1996 e nas particularidades da Portaria 48/1999 do Ministério da Saúde, sob pena de estarem sujeitas às graves sanções patrimoniais e pessoais legalmente previstas.


Para tanto, necessário se faz que as OPS montem estrutura de checagem rigorosa e ágil dos dados e documentos relativos aos beneficiários candidatos a se submeterem aos PCD, bem como desenvolvam mecanismos de controle das etapas posteriores à autorização do ato cirúrgico.

 

 


[1] Brasil. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa nº 167 de 9 de janeiro de 2007.Disponível em: htpp://www.ans.gov.br.


[2] Nery Junior, N, Nery, RMA. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.


[3] Brasil. Lei nº 9.263 de 12 de janeiro de 1996. Disponível em: htpp://www.planalto.gov.br.


[4] Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 144 de 20 de novembro de 1997. Diário Oficial da União, 24 de nov.


[5] Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 48 de 11 de fevereiro de 1999. Disponível em: htpp://www.cremesp.org.br/legislação.


[6] Berquó ES; Cavenaghi, SM. Reproductive rights of women and men in light of the new legislation on voluntary sterilization in Brazil. In: Suzana Lerner, Éric Vilquin. (Org.). Reproductive Health unmet Needs and Poverty. Paris: CICRED-Committee for International Cooperation in National Research in Demography, 2005, v. , p. 549-589.


[7] União Brasileira de Mulheres. Disponível em:


htpp://www.ubmulheres.org.br/paginas/noticias/direitos_reprodutivos.


[8] Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Direitos sexuais e reprodutivos: uma prioridade de governo/Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.


[9] Caderno de informações da Saúde Suplementar: beneficiários, operadoras e planos – Março de 2008. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em: htpp://www.ans.gov.br.


[10] Planos de Saúde: nove anos após a Lei 9.656/96. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, 2007.


[11] ANS quer linha de crédito do BNDS para seguros de saúde. Disponível em: htpp://www.bmrseguros.com.br/noticias.asp. Acesso em : 28.04.05.


[12] Brasil. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa nº 124 de 30 de março de 2006. Disponível em: htpp://www.ans.gov.br.
Fonte: www.conjur.com.br



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