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Contra a regionalização autárquica e a favor da regionalização ascendente

PACTUADA ENTRE MUNICÍPIOS E ESTADOS

A discussão presente é sobre o processo de Regionalização do SUS. Há cerca de muitos anos se discute a regionalização das ações e serviços de saúde. A mais recente investida já vai para o sexto ano e intitulou-se NOAS. Endeusada pelos seus autores foi um fracasso para o SUS. A impossibilidade de implantá-la mostrou seus enganos. A NOAS foi discutida em 2000 como NOB-2000 e não emplacou. Veio como NOAS-2001 e não emplacou. Foi substituída pela NOAS-2002 e não emplacou. Foi emendada pelas portarias 2003, depois pelas portarias 2004 e agora já esperamos as portarias 2005 de um novo pacto que provavelmente ficará para 2006. Nenhuma prova evidencia tanto seus enganos quanto o fato de não ter sido passíveis de aplicação nestes já seis anos. O que não se pode e temos que veementemente condenar, é qualquer projeto que induza, facilite ou busque consolidar uma “regionalização autárquica” de base estadual. O que pinta no espaço sanitário pode ser um simulacro de descentralização-regionalização. Se não se tomar cuidado, sutilmente, a proposta mais hegemônica pode passar a ser de uma “regionalização autárquica”. O risco de um esfera independente de governo, que, como não existe na CF, seria assumida “solidariamente” pela esfera Estadual. Um espaço acima dos municípios quase que como “nível de governo” com poder e status supra-municipal. Não se pode ser ingênuo e entregar a saúde à hegemonia do poder estadual, sem poder legislativo e sem instância de participação da comunidade. Romperia com os fundamentos da república e do SUS. Estamos defendendo o princípio constitucional de “ênfase na municipalização com regionalização ascendente”. Participação da União e dos Estados, como entes federados responsáveis pela cooperação técnica e financeira aos municípios (CF30, VII). Participação solidária e colegiada com os Municípios. Estes devem, ascendentemente, se organizar e tomar a frente do processo, para que não suceda como inúmeras PPIs estaduais que foram concluídas, aprovadas, mas apenas no papel. Foram construídas verticalmente, descoladas da realidade e até, algumas, apenas para cumprir tabelas. Quero discutir regionalização dentro do SUS como princípio constitucional de concepção organizacional. Um de seus muitos aspectos gerenciais. Importantíssimo. Regionalização e ponto.

REGIONALIZAÇÃO E O BALIZAMENTO LEGAL

Toda discussão sobre o SUS, principalmente feita pelos dirigentes públicos encarregados de levá-lo a cabo, tem que ser pautada exclusivamente pelo arcabouço legal em vigor. O que está nas leis, hoje, deve ser cumprido pelos gestores públicos sem caber qualquer descumprimento para discussão sobre sua execução. Isto faz parte do estado constitucional de direito previsto na CF de 1988. O que se admite e louva-se, é que os gestores – cumprindo o que está na lei – façam estudos divagatórios ou científicos por mudanças na lei e na Constituição. É o que aconteceu com a discussão da EC-29, com a LC de regulamentação da EC, com a Lei de Responsabilidade Sanitária e outras em discussão. Superar erros. Confirmar acertos. Debater a necessidade de avanços e depois, colocá-los em novas leis. Enquanto isto, cumprir as leis existentes.

REGIONALIZAÇÃO E O RISCO DE SE CAIR NO IRRACIONAL “SIGNIFICADO EXPANDIDO-TURBINADO DOS TERMOS”

Tem sido comum na história mais recente da saúde no Brasil o trânsito por “chavões de sentido expandido”. De que se trata? Já passamos pelos modismos da “Atenção Primária à Saúde” que depois teve que mudar para “Cuidados Primários de Saúde” (“atenção” era um castelhanismo). Pelos milagres do Distrito Sanitário e dos Consórcios Intermunicipais. Da Municipalização que, só agora, soube que a denominaram de autárquica! (Ora vejam, eu “bicho municipalista”, agora patrimoniado como “móveis e utensílios” de uma autarquia!) Da micro, macro, poli, semi... regionalização! Do milagre novidadesco do PSF de cuja ação secular já me beneficiei, há quase seis décadas com meus médicos de família, lá no interiorzão, que me diagnosticaram cardiopatia familiar quando ainda criança etc. etc. Tenho receio que, novamente, passemos a discutir o aspecto “regionalização das ações e serviços de saúde” prenhe de epítetos. Incluindo nela um punhado de vantagens, qualidades e benemerências que não lhe são, automaticamente, intrínsecas. Temo entrar numa discussão hilária sobre a qualificação da regionalização. Regionalização: autárquica, solidária, boazinha, cooperativa, integrada, pactuada, sanitária, para todos, para tudo etc. etc. Para mim Regionalização das Ações e Serviços de Saúde, de agora em diante denominada, apenas e tão somente, de regionalização, é um dos inúmeros princípios organizacionais dos serviços de saúde. No caso brasileiro a regionalização é mandatória. Está inscrita na CF como tal. Na lei 8080 está colocada como um dos princípios do SUS. A regionalização que deve ser praticada na organização do SUS pode, na prática, ser boa ou má. Eficaz ou ineficaz. Eficiente ou ineficiente. Pode ser solidária e... ruim, bem como cooperada e... má, sem nenhum epíteto e... péssima ou ótima. Pode até nos ameaçar com a “regionalização autárquica” bicho-papão que ronda nosso espaço atualmente. Já vi estes filmes, tantas vezes, que tenho querido iludir e ser iludido cada vez menos.

REGIONALIZAÇÃO TENDO A MUNICIPALIZAÇÃO COMO CAMINHO... SEM A ACUSAÇÃO TERRORISTA DE QUE OS MUNICIPALISTAS TENHAM “ARMAS DE EXTERMÍNIO” PARA CONCRETIZAR SEU SONHO DE FAZER A EMANCIPAÇÃO MUNICIPALISTA DO SUS...

Não podemos esquecer da história de saúde no Brasil. Nos anos 70/80/90 lutávamos com a bandeira da “municipalização como caminho” (tema, em 1992, da IX Conferência Nacional de Saúde). Ela vinha junto com momentos essenciais da luta pelo direito universal e integral à saúde: PIASS (Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento), Alma Ata (Atenção Primária à Saúde - APS), Movimento Municipalista ( com maior importância e destaque de 1976 em diante), “Saúde para Todos” (Movimento Popular de Saúde em São Paulo e Campanha da Fraternidade nos anos 80), Movimento de Reforma Sanitária (ABRASCO, CEBES, Associação Dos Médicos Sanitaristas e outros) , VIII Conferência Nacional de Saúde, da pressão para o INAMPS financiar as ações públicas dos municípios e dos estados (só financiava os privados e os universitários públicos). Assim chegamos às Ações Integradas de Saúde (1981-São José dos Campos e 1983 o Brasil todo) e depois, ao SUDS (1987).

O que aconteceu nas AIS e no SUDS, início da prática do direito universal? Nestes dois “PROGRAMAS” os recursos financeiros foram transferidos da esfera federal diretamente para as Secretarias Estaduais de Saúde que fizeram deles o que quiseram. Até mesmo usá-lo para outras ações que não de saúde e diminuir seus recursos próprios. Isto foi demonstrado por André Médice em vários escritos e publicações de forma inquestionável. Neste período tivemos todos os desvios possíveis sob o viés de estadualização. Nas AIS e no SUDS os Estados assumiam estes recursos reservando-os para si e transferindo a Municípios apenas o que queriam, com maior ou menor favorecimento, segundo indiosincrasias até mesmo político-partidárias. De um lado os estados deixando de colocar recursos e, de outro, os municípios colocando na saúde recursos financeiros que tinham e que não tinham. Diante disto o movimento de municipalização era o grito associado de cumprimento da lei, ao de correção das incorreções praticadas pelos estados em dez anos de estadualização, pré-SUS e pós-SUS. Isto não pode ser omitido. O pendular da história da dialética dialógica (Epa! Eu dizendo isto?! “Vigi!”): tese, antítese, síntese transformada em nova tese e assim infinitamente. Não podemos pensar em levar a municipalização ao limite (errado) de auto suficiência panaceica e paranóica, indefensável por todos. Só alguns analistas teóricos, que têm como viés querer reduzir o mundo a suas teses, acham que os defensores da municipalização fazem dela uma panacéia e defendem a autonomia total. Não se pode partir de uma premissa, para mim imaginária (sou do meio e não conheço ninguém que a defenda, nem na teoria nem na prática) para – macartianamente – apresentar a proposta de retorno à estadualização indesejável. Não se pode endurecer na “repressão punitiva” que seria o viés estadualizante, sob ameaça de que o outro lado, os municipalistas, detenham “armas de extermínio!”

BUSCANDO A DEFINIÇÃO DE REGIONALIZAÇÃO

O preceito constitucional: “As ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único...” CF 198 O preceito legal: “ As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no Art.198 da CF, obedecendo ainda os seguintes princípios:...IX descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:... b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;” Lei 8080, art. 7 Se buscarmos o termo principal e os correlatos no Dicionário do Houaiss vamos encontrar: a) região: “território cuja extensão é determinada seja por uma unidade administrativa ou econômica, seja pela similitude de....” b)regionalizar: “organizar por regiões...” c) regionalização: “ato ou efeito de regionalizar.” Dentro destas definições podemos pensar em REGIÃO DE SAÚDE como a divisão territorial na qual está organizada uma rede de ações e serviços de saúde. Regionalizar é organizar esta rede e regionalização é o ato de regionalizar, bem como o efeito de fazê-lo. As regiões de saúde do SUS devem ser as responsáveis pelas ações e serviços de saúde seguindo o definido no Sistema Único de Saúde:

1) cumprir os objetivos do SUS (identificar e divulgar os condicionantes da saúde; formular a política de saúde, no campo econômico e social, visando risco de doenças e agravos; assistir as pessoas por ações de promoção, proteção e recuperação da saúde);

2) exercer as funções de regular, fiscalizar, controlar e executar as ações e serviços de saúde;

3) seguir os princípios e diretrizes técnico assistenciais do SUS (universalidade, igualdade, integralidade, autonomia das pessoas, direito à informação, utilização da epidemiologia, capacidade de resolução) e técnico gerenciais (descentralização, regionalização, hierarquização, intersetorialidade, responsabilidade tripartite (financiamento, tecnologia, recursos materiais e humanos), participação da comunidade).

4) organizar os serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos. As regiões de saúde podem se constituir da junção de um conjunto de estados , de partes de estados , de conjunto de municípios e de partes de um próprio município (conceito não discutido aqui por não se enquadrar nesta concepção, em estudo). A responsabilidade pelas várias regiões de saúde, quando envolvendo os Estados será dos próprios com a cooperação técnica da União. Quando envolvendo mais de um município, será deles a responsabilidade direta com a cooperação técnica dos Estados e da União.

OS DESAFIOS ATUAIS DA REGIONALIZAÇÃO QUE QUEREMOS E DEVEMOS SEGUIR

A regionalização da saúde é mandatória por preceito e imprescindível na prática, para que se consiga a integralidade do direito à saúde. Municípios, mesmo os de maior porte, não têm condições de desenvolver todas as ações de saúde. Cada município deve saber identificar aquilo que é capaz de realizar, aquilo que poderia oferecer como referência aos outros e o que tem que referenciar, do seu município para outros municípios ou Estado. O preceito constitucional é de formar a rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde. Não existem níveis de governo, mas sim esferas de governo, todos no espírito e prática federalista. Unidades Federadas mas, autônomas. Na saúde delineia-se muito mais uma rede de assistência do que níveis hierárquicos de assistência. Bem diferente da concepção de uma regionalização vertical com papéis impostos de um possível “nível de governo” a outros “níveis”... inferiores. O grande nó crítico a ser superado é sair dela, a regionalização vertical, imposta por alguns estados e até mesmo pelo Ministério da Saúde, não na imposição do território, mas na forma de financiamento. Não se pode impor nem aceitar, dentro da organização do SUS uma regionalização anacrônica que não guarde nenhuma relação com a rede referencial em saúde. Querer que a saúde se organize regionalmente segundo a organização político administrativa já existente nos estados, pode ser uma grande impropriedade. O ideal é a construção da rede de serviços regionalizados através de um PLANO DE SAÚDE que esteja integrado aos outros Municípios, ao Estado e à União. Um Plano de Saúde, construído junto, de forma “pactuada e integrada” em que se enfatize a municipalização do sistema de saúde (CF Art.30,VII) com regionalização ascendente. Rede regionalizada com características loco-regionais, com adesão mais franca e consciente de todos e cada um dos partícipes. A lógica de cumprimento da lei onde os acordos mútuos de responsabilidade sejam sacramentados entre os municípios envolvidos e comprometidos entre si e jamais apenas um pacto celebrado com outro ente, de outra esfera de governo, responsabilizando-se para atendimento de um terceiro. É o pior dos pactos: não o de base constitucional, mas sim o alicerçado na desconfiança. Facilitação, orientação, cooperação técnica não se podem confundir com qualquer imposição. Vai-se colocar a regionalização em seu devido lugar de honra como princípio que deve nortear a implantação e implementação do SUS. Regionalização-princípio na feitura do plano de saúde, no financiamento da saúde, nas competências dos entes federados, etc. etc. Não como o “financiamento da regionalização”, as “competências na regionalização”, o “planejamento da regionalização”, o “controle social na regionalização”. A regionalização que se pretende, e a única legal, tem que ser do SUS e não autônoma. Como princípio do sistema e não como um sistema dentro do sistema, ou “sobre o sistema”. Outro nó é o entendimento das esferas do governo sobre seu papel e suas competências. A CF não explicita nos artigos da saúde a competência de cada esfera de governo na responsabilidade pela garantia do direito à saúde do cidadão. É a Lei 8080 que explicita nos artigos 15 as competências comuns, no 16 as federais, no 17 as estaduais e no 18 as municipais. A execução precípua é colocada nas mãos dos municípios já no art.30,VII da CF quando se declinam as competências municipais: “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.” União e Estados devem prestar a cooperação técnica e financeira aos municípios para que eles possam desincumbir-se de suas competências. Não podem, de outro lado, ficarem os estados “gerindo sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional” , deslocando para aí recursos próprios e de transferências do MS e deixando a municípios apenas a atenção primária e secundária, imprescindíveis e altamente deficitárias. Não se fará a rede regionalizada sem recursos novos para garantir os serviços oferecidos entre os municípios. Não se fará a regionalização com municípios e estados fechando suas fronteiras aos pacientes oriundos de outros municípios e estados. Não se fará a rede regionalizada sem que cada município e estado assuma minimamente a responsabilidade sanitária sobre seus cidadãos, garantindo a sua parte. Não apenas sendo o grande triador de pacientes, ou nem isto, e se especializando em transportar munícipes-pacientes para outros municípios.

O desafio está posto e depois de mais de quinze anos de promulgação do direito universal à saúde, não se pode mais esperar o milagre de pactos para que este direito se garanta. O que precisamos é que, sem tardança, os entes públicos, responsáveis pela saúde, parem de redefinir, reescrever, repactuar e passem a cumprir cada vez mais e melhor seus papéis constitucionais, regidos pela Lei 8080. Em defesa do SUS concretizando um de seus princípios organizativos: “ênfase na municipalização com regionalização ascendente”.

Parte deste texto foi publicada na Revista do CONASEMS – 11 -2005 [2] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser divulgado na mídia, copiado, distribuído, independente de autorização do autor, desde que sem fins lucrativos. carvalhogilson@uol.com.br



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