Endereço: Rua José Antônio Marinho, 450
Barão Geraldo - Campinas, São Paulo - Brasil
Cep: 13084-783
Fone: +55 19 3289-5751
Email: idisa@idisa.org.br
Adicionar aos Favoritos | Indique esta Página

Entrar agora no IDISA online

Terceirização na saúde - reflexões e saídas legais

INTRODUÇÃO

A terceirização preconizada no ambiente empresarial como um dos marcos da busca da eficiência (relação custo-benefício) já teve seu auge. Hoje atravessa uma reflexão um pouco diferente, com frenagem. Alguns limitantes, além do legal, têm indicado para a necessidade de busca de maior equilíbrio e racionalidade entre a “terceirização modismo” e a terceirização legal, eficiente e capaz de manter o vínculo e compromisso do trabalhador com a empresa tomadora da terceirização.

O ambiente público, em geral, e não apenas o da saúde, bem mais tarde, encontrou na terceirização o caminho afoito para sua defesa da política de estado mínimo neoliberal. Nasceu e cresceu como a raivosa desforra sobre um estado máximo ineficiente, presente na burocracia estatal de ditaduras militares e civis e do socialismo real. Na dialética de teses e antíteses extremas, está na hora de se construir uma síntese com o estado moderno e modesto dedicado às suas funções finalísticas. Vamos fazer um esforço para começar a voltar, sem precisar chegar onde outros foram e de lá já voltaram. Os encantos da terceirização autofágica parecem não ser tantos nem tão portentosos, como cantados por fiéis escudeiros, ou por quem dela leve vantagens. O privado terceirizador, que foi, já freou e está em marcha-ré. Não podemos, com décadas de atraso, desconhecer esta realidade.

A Saúde no Brasil terceirizou cedo. O público-previdência-inamps terceirizou pela compra de serviços a partir da década de 60 chegando, nos anos 80, a contratar, de terceiros, por volta de 70% dos seus serviços. O privado-saúde, ao mesmo tempo, terceirizou, também em 60, através dos planos (medicina de grupo) e seguros de saúde sob orientação dos governos militares. Aqui de forma mais predatória pois, aos poucos, foi substituindo a saúde privada e seus trabalhadores autônomos (já sem direitos trabalhistas) por contratos de pessoas jurídicas individuais, com mais ônus e menos direitos.

A Constituição Federal obriga a que a execução dos serviços de saúde públicos seja pública e apenas, complementarmente, seja usada a iniciativa privada, dando-se preferência à sem fins lucrativos. Mas, o cumprir este preceito constitucional tem encontrado barreiras. A mais intransponível delas é a contratação de pessoal acima do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. De um lado o preceito de fazer, de outro o limite no fazer.

Como garantir a saúde para todos, em todos os campos, preceito constitucional, sem romper com limites da mesma constituição e de leis outras que dela derivam? O que se deve e se pode fazer diretamente e o que se pode terceirizar? Como fazer determinados serviços próprios (emergência, hospitais, especialidades) para os quais ainda não se tem competência específica e experiência anterior? Como contratar mais trabalhadores sem romper com o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal?

Para enfrentar estas questões centrais, o “canto da sereia”, que soa aos ouvidos dos dirigentes públicos, é a terceirização do próprio público existente ou a inaugurar. Existem inúmeras Associações, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPS) e Organizações Sociais (O.S.), Cooperativas e tantas outras, ávidas por “assumir serviços do público”. Diga-se sempre que... dentro do mais alto espírito benemerente e de eficiência!

Todas estas vibram diante da chance de seduzir um dignitário público para que contratem seus serviços. Sussurram todas as vantagens para os gestores públicos. Seduzem, prometendo mundos e fundos, por vezes abrem chance de contratar indicados, parentes, apaniguados, cabos eleitorais. Chance de comprar material, equipamentos em empresas indicadas. Escancaram as portas das facilidades da terceirização-privatização. Os dois fetiches da terceirização-privatização são o não precisar fazer concurso e o poder comprar sem concorrência. Tudo que alguns administradores públicos, mais querem!


TERCEIRIZAÇÃO CONSTITUCIONAL E INCONSTITUCIONAL NO SUS


Vamos entender os princípios da legalidade da terceirização nos serviços públicos de saúde do SUS.

Existem duas terceirizações inteiramente constitucionais e legais dentro do público e dentro do SUS.

1) Terceirização legal da compra de serviços de saúde complementares ao próprio público estatal, no próprio do terceiro (internações, exames, terapias etc.) mediante contratos e convênios. Ex. Convênios e contratos com prestadores privados como Hospitais e Serviços e com as Santas Casas e outros filantrópicos.

2) Terceirização legal da contratação de mão-de-obra de atividade meio para trabalhar no próprio público estatal. Ex. Vigilância, limpeza, alimentação, manutenção etc.
Existem duas terceirizações inteiramente inconstitucionais e ilegais dentro do público e mais ainda dentro do SUS.

1) Terceirização entregando serviços públicos do SUS – os próprios estatais – à gestão e execução do privado. Ex. Contratar ou conveniar uma OS ou OSCIP ou Associações para gerenciar e executar os serviços de saúde da Unidade de Especialistas, do Pronto Socorro, do Hospital próprios Municipais ou Estaduais existentes ou a inaugurar.

2) Terceirização de mão-de-obra de atividade fim para trabalhar no público estatal (médico, enfermeiro, agente de saúde etc.). Ex. Usar as mesmas instituições acima para, através delas, contratar pessoal para o PSF, para trabalhar em unidades e hospitais públicos estatais.

O motivo mais fortemente alegado para se buscar a terceirização inconstitucional-ilegal é sair dos limites de contratação de pessoal da lei de Responsabilidade Fiscal.


OS POSSÍVEIS ENGANOS FATAIS DOS VÁRIOS CONVÊNIOS-CONTRATOS DE GESTÃO E ... INDIGESTÃO


Tenho que comentar que, não obstante existirem terceirizadas competentes, honestas, interessadas no bem comum, que espero sejam a maioria, existem nos seus convênios-contratos, operações de legalidade e moralidade, no mínimo duvidosas.

Tenho certeza de não conhecer em detalhes a maior parte delas, mas não posso deixar de citar as poucas que conheço, talvez as mais manjadas.
1.Dispensa de processo licitatório. As terceirizadas sempre dirão que o poder público não precisa de licitar O.S. para celebrar contratos de gestão. Apresentarão documentação para tanto, incluindo a informação de que vários órgãos públicos não fizeram licitação para terceirizar e nada aconteceu. Isto é errado. A O.S. precisa ser licitada ao ser contratada pelo público.
2.Indução a criar lei de O.S. ou OSCIP municipal eivada de erros, ou, no caso das O.S., habilitar-se indevidamente por leis erradas, ou ausência d cumprimento dos requisitos. A experiência com O.S. ainda é pequena e, em geral, os jurídicos municipais e estaduais pouco entendem desta figura jurídica e acabam caindo nas interpretações facilitadoras dos interessados. Há juristas que entendem que uma OS não pode ser habilitada por mais de um ente governamental ( ao mesmo tempo ser O.S. num Estados e em mais um ou mais municípios. Por que? Porque a lei exige a participação do poder público em seu órgão diretivo que seria o poder público que qualifica. Assim, se a OS que se organizou para ser qualificada por um Estado e colocou pessoas do Estado, como irá colocar pessoas do município que a esteja qualificando?
3.Uso indevido ou indireto de nomes símbolos-fetiches como de algumas Universidades, Institutos, Fundações que, na verdade não serão os executores, mas sim passarão as funções a outros quarterizados (O.S., Associações, OSCIPS, Cooperativas etc.) por estes. Mesmo que venha explícita esta quarteirização, pode ser ilegal e imoral.
4.Uso de termos de convênios de fachada com Universidades Públicas, o que seria a princípio legal (se em suas leis estiver explícita esta função) depois efetivamente representados e executados por instituições privadas quarteirizadas.
5.Uso misto de contrato de gestão com O.S e anuência-interveniência de órgãos ou universidades públicas. Testas de ferro que no contrato nem têm função explícita definida, a não ser apenas de fachada. Se vierem a assumir alguma coisa será mediante novo termo, com outros valores a serem ajustados.
6.Termos mal definidos. Os gestores têm que pensar na sua inexperiência de fazer estes cálculos e na vasta experiência das terceirizadas que, muitas vezes, trazem contratos prontos já mastigados e trabalhados com todos os detalhes embutidos. Verdadeiros “pulos de gato”.
7.Está na moda o contrato global. Os contratos globais são sempre gerados a partir de custos-gastos com produção de procedimentos. Ilusão dos que pensam que os números e valores brotam por geração espontânea de gênios da matemática. Se não se sabe quanto custa ou quanto se gasta para produzir determinado serviço, ficam sempre sujeitos a erros grosseiros os cálculos globais que resultam de multiplicadores do custo por produção individual. Favorecem ou prejudicam ou ao contratante ou ao contratado.
8.Contratos com discriminação global de produtos (tantas cirurgias, consultas, partos etc. etc) com possibilidade de reajuste quando se supera em 5, 10 ou 15% podem ter embutida a má fé de números baixos contratados. É comum, em serviços públicos e privados remunerados por salário ou globalmente e não por produção, que haja sub-registro. (Como super-registro, quando por produção!) Fazer contratos com órgãos públicos por estimativa de produção de unidades de saúde (básicas, especializados ou hospitalares), sabidamente com sub-registro, é um altíssimo negócio. As metas são superadas de imediato e anunciadas aos quatro ventos para impressionar! É banho de eficiência. Eficiência de registro e não de aumento na produção!!! (Comparando: epidemia de nova doença ou epidemia de notificação de doença já existente?)
9.O mesmo se diga da mudança de critérios de registro, quando, determinados procedimentos passam facilmente de atendimento emergencial e ambulatorial, para “internação”. De procedimentos de baixa, para alta complexidade, ainda que não se use seu valor, mas apenas o número de procedimentos. Consequentemente, melhora-se o faturamento (existem estímulos, incentivos e pessoal altamente especializado nisto) e não a produção e qualidade do procedimento. Isto é trabalhar com a inexperiência e ingenuidade de dirigentes públicos, os contratantes. Eficiência máxima em registro e em faturamento turbinado!
10.Existem terceirizações que contam como fonte de menor custo ou de maior lucro-superávit, o fato de a terceirizada gozar de isenções tributárias e de contribuição patronal sobre a folha. É surrealista que órgãos governamentais se juntem a terceirizadas para diminuir a arrecadação do próprio governo e ainda tenha isto como altamente vantajoso! Depois vai precisar reformar novamente a previdência e não se sabe o por quê.
11.Existe responsabilidade solidária entre o tomador da terceirização e a terceirizada. Muitas Associações (de bairro ou beneficentes) OSCIPS e OS não têm lastro financeiro para cobrir indenizações trabalhistas e outros furos fiscais. Existem milhares de ações trabalhistas pela precarização de contratos de mão-de-obra terceirizada da saúde. No final quem vai honrar com os prejuízos e as correções de juros e mora, são as administrações municipais, quando não os seus dirigentes. Estou estudando um caso, agora, em que um débito de 1 mi cinco anos atrás, virou 3 mi para recolhimento do dirigente, que apenas o foi por cinco meses.
12.Todas e etc. etc ... sabidas pelos que as praticam e ainda inimagináveis por nós! Especialistas em contratos de gestão, convênios e termos de parceria e faturamentos turbinados onde nunca perdem e ainda saem com a fama de eficientes e benemerentes! Salvadores das administrações públicas municipais e estaduais. Guardiões da moralidade e eficiência pública contra os desmandos dos dinossauros legalistas!
13.Que eu esteja errado e tenha exagerado! Amém!


SAÍDAS PARA RESOLVER O IMPASSE DO LIMITE DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Tenho refletido, com vários gestores e exponho aqui um roteiro de tentativa de vencer este problema. Saliento que este roteiro é como uma saída heróica para os conflitos legais e não para fugir do caráter público dos serviços de saúde. Não seriam para aplicação sem critério, mas apenas para superar problemas, sem ferir as leis. A complementaridade dos serviços públicos de saúde pode acontecer todas as vezes que a capacidade pública estatal é insuficiente por falta ou por impossibilidade de expansão de serviços necessários.

Vamos aos detalhes das saídas para superar o impasse do limite de contratação de pessoal, segundo a Lei de

Responsabilidade Fiscal.
•O limite da LRF é aplicável a todas as instituições públicas e à totalidade da administração municipal, estadual ou federal. Não é o limite isolado para cada área: saúde, educação ou outro. O limite é para a soma de cada esfera de governo: Município, Estado, União. Não é a saúde, sozinha, que ultrapassa limites, mas sim a administração como um todo, o que não é tão comum assim.
•Verificar isto com rigor, consultar especialistas em orçamento e finanças (que não apenas o da própria administração) para demonstrar se realmente se está no limite, no seu Município ou Estado. É comum a área de saúde estourar este percentual dentro dela, mas, nem sempre está estourada a administração geral que ainda tem margem de contratação.
•Verificar todas as áreas da administração da saúde e também de todos os setores da esfera de governo que podem ser terceirizadas dentro da lei. Optar por terceirizar áreas meio, é uma decisão de que pode ter impacto político. O fazer legal, pode não ser legitimado pela sociedade. Portanto, ao lançar mão desta saída, fazer antes a avaliação política correta.
•Não se pode pensar em demissões sumárias nem arbitrárias. Existem passos intermediários como: eliminar contratos precários ou temporários pela sua ilegalidade; possibilitar demissão voluntária; estabelecer uma data, a partir da qual, substituição e expansão de mão-de-obra só poderá ser feita através de terceirização de atividade meio.
•Como última hipótese verificar quais ações e serviços de saúde podem ser comprados através de terceirização complementar, legal. Tanto serviços de atenção primária, como secundária e terciária. Tem-se que fazer opções. É melhor terceirizar a atenção de média e alta complexidade ou a de atenção primária? Minha opção pessoal seria tocar primeiro e no mínimo a atenção primária através dos serviços públicos estatais, o próprio. Os demais níveis poderiam ser mais facilmente terceirizados.
•Outra opção é manter os atuais serviços públicos estatais já existentes e terceirizar, complementarmente, os serviços novos como por exemplo: novas equipes de PSF, novos serviços de média e alta complexidade etc.
•Até mesmo o serviço de PSF é legalmente passível de terceirização através da forma complementar. É a compra de serviços completos do terceiro em próprio do terceiro com todos os meios de produção do terceiro: recursos humanos e prédio próprio do terceiro (adquirido ou locado), equipamentos próprios. Execução e gestão próprios. Seguindo programas e rotinas pré-estabelecidas pelo contratante gestor público. O público não pode abrir mão da gestão do sistema de saúde em todas as suas fases e da execução dos serviços públicos. Mas, pode comprar serviços, até de PSF, ainda que a meu ver esta seja a última das opções.
• Lembrar que Agentes Comunitários de Saúde, a partir da EC-51 e da Lei 11350 de outubro de 2006, só poderão ser contratados pelo público, como celetista ou estatutário, por concurso, morando no local desde a publicação do edital. O contrato exclusivamente público do ACS torna impossível terceirizar complementarmente a totalidade da Equipe de Saúde da Família.
•Não posso deixar de comentar que estas saídas são heróicas até que se resolva esta questão de forma definitiva. Estamos na esperança de aprovação de projetos de lei complementar, existentes no Congresso Nacional, um de autoria da Deputada Jandira Fegali e outro do Dep. Roberto Gouveia que elevam os percentuais limites de contratação de pessoal da área de saúde.


SAÍDAS PARA AS LIMITAÇÕES DA INCOMPETÊNCIA TÉCNICA-GERENCIAL

Outro motivo alegado para a terceirização de serviços públicos de saúde é a incapacidade de grande parte dos gestores de administrar serviços mais complexos como os de emergência, hospitalização ou outros. Para estes os vendedores de facilidade apresentam a resposta pronta: terceirizem para nós. Nós sabemos. Nós damos conta. Nós somos capazes.

Mas, ao invés de se buscar a terceirização completa de gestão e execução, por que não buscar competência através de contrato de assessoria e consultoria? Não se sabe administrar material e medicamentos? Nem o sistema de informação? Nem a gestão de pessoal? Tudo isto é passível de ser corrigido ou aprendido através de uma assessoria competente.
É interessante que algumas Universidades Públicas com finalidade expressa em lei de ministrar o ensino de graduação e pós-graduação, promover a extensão universitária e desenvolver a pesquisa, as ciências, as letras e as artes, podendo, também, prestar serviços técnicos hospitalares à comunidade e a instituições públicas ou privadas, venham se dedicando a assumir a terceirização de serviços de saúde. Especializam-se em NTSPS - Nacionais Terceirizadoras de Serviços Públicos de Saúde.

Mesmo com a lei dizendo que a prestação de serviços de saúde, por estas Universidades Públicas, seja apenas uma função “secundária” (“podendo também...”) elas têm assumido com afoiteza esta função, inclusive servindo de fachada para a quarteirização ilegal de uma interposta pessoa jurídica privada, assumindo o lugar do órgão público, ou vice-versa.

É claro que a função precípua dos órgãos de educação é preparar profissionais na graduação e pós graduação para que estes venham a desempenhar as funções administrativas, gerenciais e técnicas nos serviços. Preparar pessoal é fundamental. Uma outra função importante da universidade, intimamente ligada ao aspecto educativo, é poder prestar consultoria. Seus professores e técnicos com o máximo saber de administração-gerência, têm a competência e a obrigação funcional de estar disponíveis para assessorar o privado e mais ainda o público. A função da Universidade não é assumir o lugar executivo nas indústrias, no comércio e nem na prestação de serviços, mas sim formar quem o faça com competência. É extremamente surrealista que professores encarregados de ensinar assumissem que só eles saberiam fazer e não ensinariam ninguém a fazer, porque os outros não teriam capacidade! Ensinar não adianta: só nós somos capazes de fazer bem feito! Deixem conosco!

Para os gestores públicos municipais de saúde que se julguem “incompetentes” para fazer determinadas ações e serviços de saúde sugiro que busquem esta competência em primeiro lugar nas esferas federal e estadual de saúde obrigadas pela CF 30,VII a prestarem cooperação técnica e financeira aos municípios. Em segundo lugar, que se busque assessoria por convênio-contrato com as Universidades cuja função precípua é a de ensinar e discutir o saber técnico e humano. Por último buscar assessorias em Instituições privadas lucrativas e não lucrativas, com preferência pelas últimas. Buscar a competência e não simplesmente entregar pontos... a gestão e execução das ações e serviços.


EFICIÊNCIA x LEGITIMIDADE, UMA FALÁCIA DO CANTO DA SEREIA


Uma questão latente que tem que ser levantada. É uma falsa contraposição entre legitimidade e eficiência. O grande trunfo das terceirizadas é cantar em prosa e verso que vão melhorar a eficiência, cuja veracidade não quero questionar. (Lembrem-se dos cuidados com a falsa eficiência citada acima!) Vão atender mais e melhor. E aí se entusiasmam, exaltam-se e dizem alto e bom som que os “fundamentalistas contrários à terceirização” são contra a eficiência!!!... São contra a melhoria do atendimento!!!... Às vezes as bravatas fazem parte do jogo e do marketing pessoal!

Precisamos situar esta questão do ponto de vista da CF no seu Art. 37 onde se diz claramente: “ a administração pública direta e indireta... obedecerá aos princípios da legitimidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Eficiência e legitimidade estão colocados em pé de igualdade. Interdependentes. Não se pode pensar apenas na legalidade, sem se buscar a eficiência junto. Não se pode, de outro lado, sob pretexto de se ser mais eficiente, romper com a legitimidade. Estaríamos, embutido nesta falácia, admitindo a derrubada do estado democrático de direito. Se isto fosse valer, poderíamos chegar ao absurdo de substituir o dirigente municipal por algum empresário bem sucedido, pois este tem já demonstrada sua eficiência! O mesmo, com vários reitores de universidades públicas brasileiras que poderiam ser substituídos por empreendedores bem sucedidos... muito mais eficientes!!! Para corroborar este raciocínio do estado de legalidade que não pode ser rasgado diante da “hipótese” da eficiência, cito o Procurador da República de São José dos Campos, Dr. Ângelo Augusto Costa em Ação Civil Pública movida contra UNIFESP, SPDM, PREFEITURA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS pela terceirização inconstitucional do Hospital Municipal de São José dos Campos, em setembro de 2006. Entre as várias inconstitucionalidades e ilegalidades levantadas pelo Dr.Ângelo destaco aqui apenas a questão da eficiência X legalidade.

“Nem se diga que o objetivo (... “da terceirização dentro do próprio SUS”) é alcançar maior eficiência na gestão dos recursos públicos, sem os entraves que, de regra,caracterizam a Administração Pública e seu peculiar regime jurídico. Disso ninguém duvida, pois o dever do administrador, em qualquer caso, será o de melhor servir ao interesse posto sob sua cura. O raciocínio embute, porém, um problema sério: faz-se implicitamente uma ponderação entre legalidade e eficiência, juízo vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro, que constitui um "Estado Democrático de Direito" (art. 1º da Constituição Federal). Na Administração Pública de um Estado de Direito (Rechtsstaat), a eficiência deve ser buscada nos limites precisos da legalidade. Há apenas uma Administração no Estado de Direito: a "Administração legal", Subordinada à lei, em cuja intimidade, por óbvio, deve o administrador, que gere interesses alheios, perseguir a maior eficiência (relação entre meios/ fins) possível. Isso tudo sem descurar nunca do dever de legalidade, que consiste na própria razão de ser do regime jurídico administrativo.”


CONCLUINDO

Por fim um lembrete aos gestores. Acho que os gestores públicos, federais, estaduais e municipais, não podem cair no falsete emocional de dizer: -“Se eu não terceirizar não tem jeito! Deixo morrer as pessoas? Ficarão sem assistência? Os legalistas estão querendo o “quanto pior, melhor”? É falso, pois as ilegalidades sempre prejudicaram e muito a saúde, antes e depois da CF. Se hoje União, Estados e Municípios fossem mais legalistas na implantação do SUS tenho certeza que a população teria mais e melhor saúde. Teríamos melhores serviços de saúde se as esferas e órgãos públicos: cumprissem os princípios do SUS, alocassem os recursos no quantitativo legal, transferissem recursos entre as esferas de governo pelas formas legais e usassem melhor os poucos recursos existentes. O estado de legalidade é nossa maior proteção. E se leis não são executáveis que façamos um esforço para mudá-las e não descobrir descaminhos para burlá-las. Já mudamos tantas, por que não mudar mais? Soluções ilegais só retardam as melhores soluções!
Pelo que vem sendo discutido no setor saúde, ampla e profundamente, temos problemas sem solução que não são apenas a falta de recursos. Por exemplo hoje vemos uma grande e verdadeira preocupação dos gestores com a judicialização de dispensa de medicamentos e materiais médico-hospitalares. Alegam, com razão, que neste ralo estão escorrendo fora, muitos recursos da saúde. Isto é real, mas, de longe o maior problema referente a estes itens. De outro lado não tenho conseguido perceber iniciativas concretas para coibir, com rigor, o uso errado dos medicamentos da rede (medicalização irracional). Existe dispensação descontrolada feita até mesmo por servidores das mais distintas formações e não habilitados a prescreverem nem a dispensarem medicamentos. Perde-se dinheiro em definição, compra e dispensação de medicamentos, material de saúde, órteses e próteses, o que poderia ser controlado melhor.

A aceitação e prática da terceirização inconstitucional e ilegal, sob o pretexto da eficiência, tem permitido que se cometam outros erros. Não quero ser acusado de apocalipto, mas receio que muitas terceirizações feitas a peso de ouro, não se sustentarão por muito tempo.
Acho que temos muitas ineficiências a serem corrigidas e sobre as quais temos inteira e total governabilidade. Podemos estar caindo na cilada de fosforilar sobre o por nós ingovernável e deixarmos o por nós governável, sem governabilidade!

 

 



Meus Dados

Dados do Amigo

Copyright © . IDISA . Desenvolvido por W2F Publicidade