Endereço: Rua José Antônio Marinho, 450
Barão Geraldo - Campinas, São Paulo - Brasil
Cep: 13084-783
Fone: +55 19 3289-5751
Email: idisa@idisa.org.br
Adicionar aos Favoritos | Indique esta Página

Entrar agora no IDISA online

L. e Cacciola

Sylvain Levy


Toda indignação e ódio ao sistema social brasileiro são poucas perante o crime cometido contra L., a criança enclausurada com homens numa delegacia do Pará. Afronta a consciência de qualquer indivíduo minimamente formado a bestialidade do ato.


Todos somos culpados e todos somos responsáveis. Culpados se continuarmos calados e responsáveis por mantermos um sistema social e político que permite conesta e revigora este tipo de ato.


L. foi presa, apesar de ser menor de idade, por suspeita de furto. O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que “Só se pode internar um adolescente por violência, grave ameaça ou prática reiterada de delito grave, o que não era o caso", como disse a advogada Márcia Ustra Soares, 42, da subsecretaria de promoção dos direitos da Criança e do Adolescente da Presidência da República. Sem se recorrer a leis, o simples e comezinho senso comum – já que bom senso foi nulo, já impede (ou deveria impedir) que uma pessoa de sexo feminino ficasse em companhia de detentos masculinos. Como entender o ocorrido então? Talvez possa ser explicado mas não entendido, não aceitável e definitivamente imperdoável.


Esta é uma das situações em que a realidade supera, e em muito, a fantasia.


Um dado para reflexão, é que até o advento do SUS, o Sistema Único de Saúde, em 1988, os programas de atenção a mulheres, crianças e idosos, eram denominados Programas de Assistência à Criança, à Mulher, etc. Eram assistenciais, ou seja, benesses e não direitos, para cidadãos talvez considerados de segunda classe, por não estarem inseridos na cadeia produtiva tradicional.


Outro dado para pensar, é onde estão as consciências críticas da nação? Onde a OAB, a CNBB, as Pastorais, as ONG´s e OSC de defesa dos direitos humanos. As entidades de classe, a UNE, os caras pintadas? Onde estão as declarações tonitruantes dos órgãos de estado – de crianças, de mulheres, de parlamentares? Este silêncio ensurdecedor faz pensar que é mentira do barulho criado pelo fato.


L., pobre, preta, nortista e mulher fica inserida no mais baixo nível de (des) proteção social. É o lumpen sociológico, econômico, geográfico e antropológico. Vem confirmar que o pobre não conta com proteção, nem entre os pobres, pois os policiais do Pará (e talvez a própria juíza) não devem figurar entre as elites dirigentes ou culturais do país. Pobre, independente da raça, etnia, estudo, sexo, é pobre. E como tal é tratado, ou maltratado. Não tendo advogado, não conhecendo políticos ou “alguém importante” a quem recorrer vai mofar na cadeia à espera de um ato de boa vontade de quem quer que seja, ou de sorte. (O ex-ministro Adib Jatene dizia que um grande problema do pobre e ter só amigos pobres).


É até possível que os administradores legais de Abaetetuba, a 100 km de Belém, pensassem que “dando” a menina aos detentos, evitassem uma das rebeliões tão comuns nos “estabelecimentos prisionais”, eufemismo para depósito de seres humanos desumanizados e que se desumanizam. Ou, pode também ser possível, que nenhuma dessas autoridades pensou em coisa nenhuma e, como as mais puras psicopatas, simplesmente colocaram mais um “troço” junto com os “outros troços”. Sem conseguirem imaginar, e muito menos perceber, que se tratava de um ser humano, pequeno, frágil e indefeso. Se assim foi deveriam ser triplamente punidas. Psicologicamente, podemos pensar que além da insensibilidade evidente ambas, delegada e juíza, devem ter ódio de suas condição feminina, tão desconsiderada por esse Brasil à fora (ou a dentro).


No entanto a teses de psicopatia se esvai quando se sabe que a menina foi encontrada “liberada”, dada como fugitiva e ameaçada de morte se revelasse o ocorrido. Isto equivale a confissão de culpa, de que todo(a)s sabiam que haviam cometido um crime. Consciência havia. Psicopata não usa este dom.Criminosos, não portadores de doença mental, sim.


Outro fator psicológico presente é o medo, como informa a reportagem da Folha de São Paulo: “Se era tão flagrante a identidade feminina e quase infantil de L., por que ninguém denunciou antes?”. Medo de morrer. Aqui todo mundo tem medo“, diz a tia de um dos presos transferidos. ”Se a delegada põe uma menina na cela com os homens, e a juíza mantém ela lá, quem sou eu pra denunciar. Aliás, denunciar para quem?". O derradeiro fator, mas não o menos importante é a desesperança, esse ”Denunciar para quem? ”deveria ser o grande alerta para os dirigentes do nosso país”.


Chávez faz história em cima das esperanças das parcelas mais desassistidas da Venezuela em transformar séculos de exploração. Cacciola tem suas esperanças baseadas exatamente no contrário.

 



Meus Dados

Dados do Amigo

Copyright © . IDISA . Desenvolvido por W2F Publicidade