O Brasil é uma terra de amores
Alcatifada de flores
Onde a brisa fala amores
Nas lindas tardes de abril
Correi pràs bandas do sul
E embaixo de céu de anil
Encontrareis um gigante deitado
Santa Cruz,
Hoje, o Brasil.
Mas um dia o gigante despertou
E dele um anão se levantou
Era um país subdesenvolvido
CPC/UNE-1961
Sylvain Levy
O Brasil é uma terra de contrastes. Existem aspectos harmônicos bem como diferenças, desigualdades e iniqüidades que marcam, formam e conformam o país. A maneira de tratar estes aspectos é que confere à nação suas características de unidade e heterogeneidade.
A unidade é representada por idioma, regime político democrático, costumes comuns e pelo respeito às diferenças de raças, credos e ideologias. As desigualdades regionais, sociais e econômicas e a iniqüidade na oferta de oportunidades de desenvolvimento humano revelam um país injusto, “traduzindo-se em exclusão social quando o sistema de valores de uma sociedade confere demasiada importância ao que uma pessoa possui, desvalorizando o que uma pessoa pode fazer”, como bem afirma o Relatório do Desenvolvimento Humano de 1998, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.
Ao lado da falta de oportunidades para o desenvolvimento pessoal, pobreza e miséria são as faces mais marcantes das desigualdades, sendo na saúde das pessoas, ou na falta dela, que pode ser encontrada sua mais evidente representação.
Na saúde, as diferenças regionais e entre os diversos extratos da população não autorizam a falar em unidade ou harmonia. A mortalidade geral tem se situado em torno de uma taxa de 6,7 por mil habitantes nas últimas décadas. Em um quarto de século, porém, o perfil da mortalidade muito se alterou.
A mortalidade por doenças do aparelho circulatório que representavam 25% do total de óbitos, em 1977, alcançou 27,4% em 2001, depois de um pico de 32,3%, em 97. As neoplasias passaram de 7,01% do total, em 77, para 13,04%, em 2001. Os óbitos devidos a causas externas aumentaram quase 50% passando de 8,7%, em 1977, para 12,5 em 2001. Neste item merece referência especial o crescimento das mortes por homicídios e agressões, que em 1977 era de 7,8 óbitos para cada grupo de 100 mil habitantes e em 2001 atingia a cifra de 28 para o mesmo grupo, num crescimento de quase 400%.
Por outro lado houve uma queda acentuada na mortalidade de menores de um ano. Em 1977 elas representavam 26,4% do total de óbitos, e em 2001, 6.4%. A mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias, igualmente, caiu de 12,7% (77) para 4,6% do total em 2001.
Os indicadores de saúde também apontam para as diferenças regionais. O Nordeste, com 28% da população do país, concentra 36,3% dos óbitos de menores de um ano, enquanto a Região Sudeste, com 42% da população brasileira é responsável por menos de 34% da mortalidade infantil do país. Isto representa uma mortalidade “a mais”, de 5.074 crianças. Ou seja, esse seria o número de crianças nordestinas que seriam salvas em 2001, caso as condições de vida na Região Nordeste se assemelhasse às do Sudeste.
Dentre outras maneiras, a sociedade brasileira, mais precisamente as suas elites, já tratou os condicionantes e determinantes da saúde como um problema individual – “as pessoas adoecem porque não se cuidam e não tem higiene”, e como uma questão sócio-econômica ao dar atendimento apenas aos que estavam inseridos no processo de produção, a fim de fazer com que os trabalhadores doentes pudessem retornar ao seu labor o mais rapidamente possível.
Ainda hoje essas duas vertentes se manifestam. Para o primeiro casos têm as alegações das companhias produtoras de cigarro, quando afirmam que o tabagismo é uma questão individual e que elas nada têm a ver com isso. Para a segunda modalidade existem as operadoras de seguros saúde e medicina de grupo, como autênticas sucedâneas dos antigos institutos previdenciários.
Com a Constituição de 1988 e a instituição do SUS, o Sistema Único de Saúde, estes conceitos foram modificados, tornando a saúde um direito de todos e um dever do estado. Esses direitos devem ser garantidos por políticas públicas a serem realizadas por estados, municípios e governo federal, obrigando que a atenção à saúde seja fornecida de maneira integral e não apenas com o tratamento das doenças. Isto significa que a mesma ênfase que se dá ao tratamento e a recuperação da saúde individual deve ser dada aos aspectos de promoção da saúde e de prevenção de doenças.
A prevenção não é novidade. As campanhas de vacinação, a difusão da prática de exames médicos periódicos e as informações sobre como podem ser evitadas várias doenças, como as do coração e a obesidade, já fazem parte do nosso dia-a-dia.
A promoção da saúde é mais complicada devido a nossa falta de solidariedade e de sintonia social, pela desarticulação administrativa e pela ausência de compromisso político.
Um bom exemplo disso tudo foram os casos de hantavirose no Distrito Federal.
.
A hantavirose é uma doença infecciosa grave causada por vírus, existindo mais de vinte tipos pelo mundo. As pessoas podem ser infectadas:
• Através de água e comida contaminada;
• Por via respiratória, através do pó das fezes, urina e saliva dos roedores, principalmente ratos;
• Lesões de pele;
• Por mordidas de ratos e
• Acidentalmente pela manipulação de animais em laboratório.
Existe uma pequena possibilidade de contágio entre pessoas.
Diferentemente dos homens, nos roedores a infecção não leva à morte, o que pode mantê-los como reservatórios durante toda a vida.
Não existe tratamento direto para eliminar o vírus. Somente os sintomas são tratados, fazendo-se a internação em unidade de terapia intensiva nos casos mais graves. Recomenda-se isolamento com avental, luvas e máscaras para os funcionários e outros contatos durante a internação hospitalar.
Como não existe tratamento contra esse vírus, as seguintes ações são fundamentais para se evitar a doença:
•Controle de roedores, eliminando tudo que possa servir de ninhos ou tocas de ratos; evitar entulhos; armazenar produtos agrícolas longe das residências e em galpões elevados acima do solo e fazer coleta adequada do lixo;
• Limpeza de ambientes contaminados usando desinfetantes como hipoclorito de sódio. Em ambientes fechados, fazendo a ventilação dos locais antes de entrar e usando proteção respiratória (máscara). A limpeza do piso e móveis deve ser feita com pano úmido para não levantar poeira. Alimentos devem ser enterrados em sacos plásticos molhados com detergentes;
• Só tocar ou manipular animais mortos e alimentos com luvas de borracha;
• Treinamento dos trabalhadores da saúde e do saneamento para evitar contato com o vírus.
A estas medidas, típicas da promoção de saúde, podem ser acrescentadas: a moradia em habitações saudáveis, a existência de sistemas de coleta de esgoto e de fornecimento de água; a realização de programas de educação, informação e comunicação em saúde para a população.
O atual modelo de atenção à saúde é baseado no atendimento das pessoas quando elas adoecem ou, no máximo, naquelas atividades que visem prevenir o início de uma doença. Para o caso da hantavirose isso não funciona. Para os casos das inumeráveis doenças de igual natureza, também não.
Esse modelo assistencial já está se revelando esgotado pela incapacidade dos serviços de saúde em atender a todos os que são acometidos por uma doença, que sofram acidente, violência ou que sejam atingidos por qualquer agravo à sua saúde. A superlotação de pacientes nas emergências, nos hospitais, clínicas e ambulatórios prova isso.
Os prestadores desses serviços, tanto os públicos como os privados, tentam utilizar os conceitos da medicina preventiva para conseguir algum alivio a esta situação. No entanto o norte destes conceitos continua sendo a doença. Há que se fazer uma mudança dos paradigmas e colocar a saúde e não a doença como a diretriz das políticas, programas e serviços de saúde.
É aí que se reforça a necessidade dessa nova concepção, a Promoção da Saúde, caracterizando-a como um conjunto de ações de caráter intersetorial, com a participação de técnicos das mais variadas profissões, utilizando-se dos recursos comunitários disponíveis, com o objetivo de capacitar as pessoas e as comunidades a atuarem na manutenção da sua saúde e na melhoria da qualidade de vida, incluindo-se aí uma maior participação da população no controle desse processo.
Isto significa transferir para a população o poder de decidir sobre seus próprios destinos. Pois como bem disse Teruel, “a saúde é, no desenvolvimento social, o recurso que cada pessoa dispõe para viver, produzir, participar, conhecer e reger sua existência”.