Endereço: Rua José Antônio Marinho, 450
Barão Geraldo - Campinas, São Paulo - Brasil
Cep: 13084-783
Fone: +55 19 3289-5751
Email: idisa@idisa.org.br
Adicionar aos Favoritos | Indique esta Página

Entrar agora no IDISA online

Viavopagreta

Nas minhas Minas Gerais, naquele interiorzão de Campanha da Princeza terra adotada pela família e onde me criei, tínhamos uma expressão exata para denominar apuros, apertos, sufocos e outros quetais. No linguajar popular, dizíamos: “hoje eu VIAVOPAGRETA”. Uma expressão extremamente significativa que diz do sufoco de alguém que quase morreu a ponto de VER A SUA AVÓ PELA GRETA do pórtico de passagem desta vida. Ao sufocado pela saída de cena, prematura e imposta, era dado apenas, pelo vão da greta entreaberta, vislumbrar alguém que estivesse do outro lado. A presença mais natural de ser vista era a de algum antepassado. Daí a citação de que se tinha visto a avó pela frestinha do pórtico, apenas pela greta.
Pois é: acabo de ver minha vó pela greta! Fui me adentrando com o olhar e na hora do passo final, voltei atrás célere numa negação de fazer a passagem. Ainda bem que encontrei de cá, mãos amigas de profissionais e familiares que ajudaram a me puxar e ancorar do lado que bem conheço. Entre os vivos e bem vivos. Se me for dado escolher, daqui não gostaria de sair tão cedo!

Meus amigos, a inexorável morte pela qual temos que passar é terrível. Sofrida, dolorosa, angustiante principalmente se não repentina que não dê tempo de medrar. Talvez “acordar”, passado e morto, seja menos sofrido. Talvez ir se preparando para a morte morrida em idade provecta com falência múltipla de órgãos, seja mais suportável. Agora, morrer quase de repente e com prenúncios sofridos, esta não! Ninguém merece. Se alguém disser que está preparado, de pronto, pressuponho-o cometendo uma mentirinha nada inocente.

Senti a aproximação da morte uma dezena de vezes e agarrei-me o que pude à minha hipótese de continuar por aqui mesmo que está bom demais. Se tinha dúvidas que aqui seja bom, agora não me resta nenhuma: por mais dificuldades e problemas que tenhamos o melhor ainda é viver!

E agora, recomeçar a vida normal, depois de ter implantado o marca passo e o desfibrilador: a máquina do choque. Estou traumatizado com choque a ponto de fugir até de fio de corrente contínua, de fonte de microvolt. Aparei barba e cabelo para nem ter que usar mais pente e não correr o risco da estática. O primeiro choque da cardioversão, levei a seco e, se assim não fosse, hoje não estaria escrevendo. Bendito choque e dor! Ficará lembrado nos anais da UTI um grito: “Filho da P... Doutor! Isto dóiiiiiiii! “ Quando dos outros eu já estava sedado. Mas, que foi o impropério mais adequado ao momento, isto foi! Pelo que soube depois, foi comemorado com grande alívio pela equipe médica: ainda havia esperança e estava eu ainda lá no limbo, aprontando-me para a volta!

Quando se passa o pórtico dizem que se vê um túnel. Para uns, escuro e para outros luminoso. Não vi nada a não ser a paúra da morte eminente e... AVOPAGRETA. A única imagem que nos passa a partir daquela hora é a do fim. Tão inexorável quanto tão indesejável. Isto fica e parece que por muito tempo: a relatividade de tudo diante do morrer, do acabou, do mais nada! Queremos os nossos, os queridos, mas tudo na relatividade da finitude e sabendo que jamais teremos de volta esta realidade imorredoura.

E agora: duas hipóteses. A primeira é continuar tudo como estava antes e tocar a vida louca como sempre foi nestes mais de sessenta anos. A segunda: mil promessas de diminuir trabalho, aproveitar mais a vida, gostar mais ainda de quem me gosta, fazer mais coisas boas etc. etc. Se seguir a primeira vão dizer que sou orgulhoso, convencido de que nada preciso mudar, como que chamando a dita de volta. Se a segunda, caio no lugar comum de fazer promessas, depois de arrombada a porta. Promessas de mudar tudo, de vida nova. Como todas promessas destas horas, transitórias e determinadas pelo medo-sufoco! Vou tentar equilibra-me sobre o muro e adotar uma conduta intermediária. Uma certeza: não gostaria de viver outra vida muito diferente da que vivi até agora. Tenho certeza de que foi boa para mim e para muitos, com quem convivo. O velho adágio: repetir o bom, corrigir o errado e enfrentar o novo. Amém!

Devo minha sobrevida atual a várias pessoas: minha família, meus amigos e uma equipe de saúde técnica e humanamente capaz. Fui atendido pelo SUS, mas tenho que reconhecer que me proporcionaram um diferencial de carinho, todo e muito pessoal. Fui internado no PIO XII, hospital filantrópico conveniado ao SUS ao qual dediquei vários anos de minha vida profissional. Mais, queira ou não, tenho quarenta e oito anos de profissional de saúde conhecido de grande parte da equipe. Tive como companheiro de UTI o Paulo, guardador de carros, com quem queria trocar um prato de comida de meu jejum com oito copos d’água dele, em restrição líquida. Só não se concretizou, pois, nossas conversas eram por cima do imenso muro do biombo entre os leitos, nos vimos só na despedida quando deixei a UTI. Na enfermaria meu companheiro foi o Aristides um caminhoneiro aposentado, já safenado e em crise, depois de ter ido ajudar um amigo a cobrir uma laje!!!

Entre as mensagens que recebi havia algumas hilárias, bem humoradas. A melhor, sem dúvida foi de gente do Fundo Nacional de Saúde recomendando-me que buscasse a Receita Federal (RFB) para tirar um CPF próprio do meu marca passo e desfibrilador. Afinal precisariam identificar, daqui para frente, o que seja meu e o que seja de minhas máquinas que são duas entidades diferentes e autônomas da minha pessoa física. Sugeriram a natureza jurídica de máquinas e acessórios. Já fiz consulta à RFB e eles estão perdidos por nunca terem conhecimento de uma situação similar, ainda que, mesmo sem saber, acham que devo seguir a IN-RFB 310364 que obriga a tanto.

Emilia, minha esposa e eu somos imensamente gratos pelas muitas mensagens de apoio, conforto e desejo de recuperação recebida de parentes, amigos, colegas de trabalho e conhecidos. A corrente de afeto esteve sempre presente e isto nos conforta e nos puxa para a vida, tenho certeza disto. Estarei aos poucos voltando à minha vida e atividades com a intenção de continuar merecendo vivê-la... por, pelo menos, mais algum tempo.



Meus Dados

Dados do Amigo

Copyright © . IDISA . Desenvolvido por W2F Publicidade