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Sobre a legislação das organizações sociais de saúde no estado de São Paulo: questionamentos e proposições aos gestores do SUS e conselhos de saúde

Nelson Rodrigues dos Santos – 02.10.09


Os dez questionamentos e proposições expostos estendem-se além das OSs, às demais terceirizações como Fundações Privadas de Apoio, Cooperativas (de profissionais e de serviços), Entidades sem Fins Lucrativos, ONGs e outras, e estão concebidas sob o referencial da implementação da política pública de saúde cunhada pela Constituição Federal e pela Lei: suas estratégias, rumos e desvios. Os cinco últimos referem-se a dispositivos vetados pelo Governador porém vigentes nas estratégias hoje hegemônicas.


I. Conseqüências da legislação aprovada na Assembléia Legislativa do Est. De S. Paulo (Lei Complementar nº 62/2008 e Emenda Aglutinativa Substitutiva nº 2/2009) – promulgadas pelo Governador, com vetos.


- A Terceirização para as OSs é estendida de hospitais públicos novos, para os antigos.
- As OSs poderão gerir os órgãos públicos de saúde: hospitais, ambulatórios laboratórios e outros serviços.
- As atuais fundações privadas de apoio a hospitais universitários públicos, que existem há mais de 10 anos, poderão atuar como OSs.
- As OSs com serviços especializados e/ou de alto custo e/ou com mais de 50% do atendimento da região, poderão cobrar dos planos privados e de clientes particulares até 25% da sua capacidade operacional total. (Caiu com o veto)


II. Informações oportunas

- A Constituição Federal/1.988 em seu Art. 199 dispõe sobre a forma complementar de participação das instituições privadas no SUS, ao que a Lei n 8080/1.990 em seu Art. 24 especifica: “quando as disponibilidades do SUS forem insuficientes.”
- As Organizações Sociais – OSs, entidades privadas sem fins lucrativos, criadas pela Lei Complementar nº 846/1.998, são qualificadas e após, contratadas pela Secretaria Estadual de Saúde sob a modalidade de cumprimento de metas previamente ajustadas, de produção de serviços a valores também ajustados, e com liberdade gerencial privada sobre os recursos financeiros, materiais e humanos para a prestação de serviços, sem regramentos do Direito Público.
- A Secretaria de Saúde obrigou-se desde então, a desenvolver infraestrutura técnica e administrativa complexa e inovada para cálculo/ajuste de metas, custos, acompanhamento, avaliação e controle dos contratos de gestão.
- De 2.004 a 2.008 o orçamento da Secretaria de Saúde cresceu em 93% e a fatia orçamentária destinada as 25 OSs cresceu em 202%. De 2000 a 2007 os gastos da Secretaria com as OSs saltaram de 9,76% para 20,90% (crescimento proporcional de 114,14%), enquanto os gastos da Secretaria com seu pessoal, incluindo os encargos sociais, caíram de 53,58% para 39,6% (queda proporcional de 26,08%).
- A Lei Nacional nº 9656/1.998 em seu Art. 32 obriga há 11 anos o ressarcimento pelas operadoras de planos privados ao SUS e suas entidades prestadoras com personalidade jurídica própria, dos custos dos serviços previstos nos planos privados, quando prestados pelo SUS, aos valores de tabela especial definida pela Agência Nacional de Saúde (TUNEP)


III. Defesas e justificativas das OSs e da legislação recém aprovada, expostas publicamente e recentemente, por autoridades favoráveis à legislação aprovada pela Assembléia Legislativa: Secretário de Estado da Saúde, Secretario da Saúde da Capital, Diretor do Instituto Estadual de Oncologia e Deputada Estadual que apresentou a emenda aglutinativa substitutiva.


- “Os serviços do SUS quando de melhor qualidade e mais especializados, são procurados também por pessoas e famílias de mais recursos próprios e/ou afiliados a planos privados, e ao atendê-los o SUS desonera (subsidia) outras fontes pagadoras.”
- “Nos hospitais públicos os usuários do SUS e os usuários dos planos privados se mesclam, se misturam diariamente.”
- “Para operar o ressarcimento, até 25% dos leitos estariam a disposição dos pacientes que possuem planos privados.” (Desconsiderada pelo veto)
- “Os recursos provenientes da venda de serviços das OSs a particulares e planos privados, ajudarão a financiar a parte do hospital, ambulatório ou laboratório, voltada para o SUS.” (Desconsiderada pelo veto)
- “No Est. De S. Paulo as OSs fazem atendimento 25% maior a um custo de 10% menor.”
- “Ao longo do tempo os vários sistemas vão conviver.”


IV. Questionamentos e Proposições


Sobre os modelos de gestão pública


1 – Não se trata nestas considerações, de fundamentalismo estatizante, mas somente de cumprir o caráter republicano de um sistema público constitucional com base no direito universal e igualitário à saúde, assim como prosseguir a reforma da gestão pública e a democratização do Estado sob a lógica das conquistas constitucionais para a elas responder. É de reconhecimento geral que a administração direta e autárquica, secularmente estruturadas sob a lógica do patrimonialismo, centralismo, burocratismo e cartorialismo permanecem não reformadas, constituindo-se contudo, no maior instrumental público político – administrativo disponível aos gestores do SUS, com vasto e anacrônico cipoal normativo (Leis, Decretos, Portarias, Resoluções, etc.), gerador de insustentável lentidão e inadequação de respostas às necessidades de saúde da população. A esta incontornável barreira na gestão pública, acresce-se a drástica retração da contrapartida federal no financiamento do SUS e dispositivo na Lei da Responsabilidade Fiscal que limita os gastos públicos com pessoal na saúde, confrontando a Lei nº 8080/1.990 e a própria Constituição, que determinam a descentralização de responsabilidades, gestão e prestação dos serviços de saúde. O escapismo das terceirizações pela gestão municipal e estadual, a entidades privadas sem fins lucrativos, cooperativas de profissionais, ONGs e a criação das OSs tornou-se “sobrevivência” dos gestores do SUS, alterando a rubrica orçamentária “pessoal” para “Outras Despesas Correntes”, porém de forma incontrolável pelos princípios republicanos, ao largo das estratégias formuladas pelas comissões intergestores do SUS e pelos conselhos de saúde, ampliando a promiscuidade da relação público – privado e, aparentemente, justificando o deslumbramento dos anos 90 com as regras do mercado na eficiência da gestão pública e com o Estado mínimo. Sob este ângulo, o critério de escolha da OS e de outros entes privados pelo poder público atende os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Art. 37 da CF)? A direção da OS e dos demais terceirizados deve atendê-los?


2 – Torna-se imperioso reconhecer o grande e imprescindível salto de qualidade no campo da gestão pública, quando o poder público puder remunerar suas unidades públicas prestadoras de serviços pelo cumprimento de metas, e remuneração a valores não inferiores aos custos, mediante contratos de metas, e autonomia gerencial e o efetivo exercício das responsabilidades sanitárias dessas unidades. Porém, metas inseridas no planejamento ascendente e participativo com base nas necessidades da população, e articuladas com as metas das demais unidades na construção das redes regionalizadas de cuidados integrais, que juntamente às prioridades e à qualidade sejam debatidas e referendadas nos respectivos conselhos de saúde. Por sua vez, a autonomia gerencial das unidades deverá estar direcionada e delimitada pelas diretrizes emanadas da Tripartite, Bipartites, CGRs e respectivos conselhos de saúde quanto ao gerenciamento dos recursos financeiros, materiais e humanos, que venha garantir simultaneamente: a) agilidade nas compras públicas, na contratação e reposição de pessoal, que permita dispensar a busca dessa agilidade por meio de terceirizações para entes privados, e b) a defesa do erário público, os concursos e processos seletivos públicos, e os planos de cargos, carreiras e salários, com estabilização das equipes de saúde junto às comunidades adscritas, em todos os entes federados e adequados às realidades regionais. Um dos encaminhamentos legais dessas mudanças almejadas, encontra-se no Art. 37 da Constituição (Administração Pública), no seu inciso XIX e no seu § 8º além de outras, mediante legislação específica e complementar. Esta gestão pública renovada estará seguramente em patamar mais elevado de definição de parcerias construtivas com instituições privadas complementares aos propósitos públicos, e de interpretação mais publicizada do significado de “disponibilidades insuficientes do SUS”, constante no Art. 24 da Lei nº 8080/1.990. Assim sendo, o relacionamento do poder público com todas as terceirizações incluindo as OSs e fundações privadas de apoio, reduzirá sua necessidade e seu número, e evoluirá para outra qualidade de regulação e de parcerias, efetivando seu enquadramento aos regramentos do SUS, e deverá, òbviamente, incorporar todas as experiências positivas por elas desenvolvidas, ainda que desenvolvidas sob a crença de falacioso determinismo da vantagem do gerenciamento privado em relação ao público.


3 – A reforma da gestão pública e do Estado no campo do SUS tem ponto de partida extremamente favorável que é o desenvolvimento de surpreendente capacidade de gestão, principalmente pelo conjunto dos municípios e estados, que passou pela enorme descentralização, pelo exercício de pactuações inter-governos (Tripartite , Bipartites e CGRs), pela direção única em cada ente federado, pelos repasses fundo a fundo, pela participação dos conselhos de saúde, por novo processo de contratualizações, e pelas centrais de regulação, que resultou na cobertura de metade da população brasileira antes excluída de qualquer sistema de saúde, com produtividade inusitada. Esta realização esgarçou e continua esgarçando a estrutura lenta e burocratizada do velho modelo de gestão pública, inclusive apelando para um sem número de terceirizações precárias que desvirtuam a lógica do SUS. Esta produtividade do SUS ratifica e se inscreve nos resultados de duas recentes e surpreendentes pesquisas do IPEA: Produtividade na Administração Pública Brasileira: Trajetória Recente (Agosto/2009) e Emprego Público no Brasil: Comparação Internacional e Evolução (Março/2009). A primeira, com base em dados do PNAD e da STN/MF e criteriosa metodologia, constatou que entre 1.995-2.006, as diferenças entre as produtividades do setor público e do setor privado oscilaram ano a ano e favorável ao setor público todos os anos. Na segunda, o Brasil figurou entre 1.995 e 2.005, entre os países com menor porcentagem de emprego público na população ocupada: 11,3% e 10,7% respectivamente, abaixo de Portugal (14,4% e 15,1%), Espanha (15,4% e 14,3%), EUA (14,9% e 14,8%), Canadá (19,9% e 16,3%), Suécia (33,5% e 30,9%) e Dinamarca (39,3% e 39,2%), o que desfaz o mito do inchaço do Estado brasileiro e refaz a imperiosidade da sua reforma democrática e republicana.


4 – Os vários sistemas ou modelos atuais não irão somente conviver, como deverão conviver sob novas diretrizes: republicanas e democráticas com base nos direitos universais de cidadania.
Sobre as alternativas de ressarcimento


5 – Sendo os afiliados dos planos privados de saúde, também usuários do SUS pela Constituição Federal, com o respectivo ressarcimento obrigado em Lei Nacional há 11 anos, qual é a decisão política de Governo, de abdicar do esforço e pressão pelo cumprimento dessa Lei, ao optar pela aprovação de outra legislação ou ato administrativo que disponham sobre o mesmo ressarcimento, ao valor de mercado, canalizando-o a uma captação por cada ente privado que gerencia um órgão público? Quais os interesses em disputa, que protelam a definição e preparação dos cruzamentos de informações para identificação dos valores a serem ressarcidos, quando somente parte pouco expressiva das internações é identificada, permanecendo de lado os procedimentos de alto custo com valor estimado 4 vezes maior que o das internações, além do atendimento ambulatorial, laboratorial e do restante das internações? E porque desdenham do reconhecido avanço e excelência dos sistemas de informação e informatização desenvolvidos pelo Ministério da Saúde – MS e Agencia Nacional de Saúde, ANS? Quanto e como já se investiu no cartão – saúde e quais os resultados? Qual a publicização dada e respostas pelo MS e ANS ao Relatório do Tribunal de Contas da União – TCU nº 023.181/2008, que questiona consistentemente essa indefinição inexplicável e inaceitável? Porque a morosidade do TCU?


Sobre a insidiosa pressão nos 20 anos do SUS de venda de serviços públicos especializados no mercado, como alternativa ao sub-financiamento e modelo anacrônico de gestão


6 – Dado que os usuários do SUS que possuem planos privados e aqueles que não possuem já estão misturados na utilização dos serviços do SUS, porque não efetivar simplesmente o ressarcimento a partir das informações já informatizadas, sem necessidade de disponibilizar parte da capacidade operacional pública exclusivamente aos que possuem planos privados?


7 - Ao cobrar de particulares e de planos privados, quais os critérios e o controle da aplicação dos recursos repassados pelo gestor público e daqueles gerados na venda de serviços no mercado? Qual a repercussão em: a) adicionais para profissionais especializados, técnicos e dirigentes da gerencia privada? b) captação de clientela particular e cobranças na prática liberal? c) cumprimento dos protocolos de condutas técnicas na realização da universalidade, equidade, integralidade e de referência – contra – referencia? d) inserção na articulação e efetivação das redes regionalizadas de cuidados integrais? e) no acesso, acolhimento, esperas e condutas para os que possuem ou não planos privados? e f) na caracterização da entidade privada como sem fins lucrativos?


8 - Sendo os valores da tabela SUS um dos referenciais na composição do valor do contrato de gestão, em cotejo com os valores mais elevados das tabelas dos planos privados e dos clientes particulares, qual a efetividade do controle da preferência aos clientes destes últimos? Qual a base dos contratos entre as entidades privadas contratadas e as operadoras privadas de planos de saúde? Quais as responsabilidades do poder público nesses contratos? – Inclusive a da complexa e imprescindível regulação de preços?


9 – Tendo em vista o comprovado déficit de leitos do SUS (IBGE – AMS – Leitos por 1.000 hab.), como fica a Equidade se importante fatia da capacidade operacional for destinada aos pagantes? Esta fatia significa muito provavelmente, a mera ampliação da oferta de serviços ao setor privado.


10 – Caso os dispositivos vetados tenham sido o “bode na sala”, compete à militância do SUS constitucional avançar na sua capacidade formuladora e mobilizadora, ressaltando a insensatez dos responsáveis pelo “bode”.



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