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Acreditação, Ética e Cidadania como Processos Indutores da Qualidade Hospitalar

Este é o primeiro de dois artigos que abordam alguns fatores indutores da qualidade hospitalar. Trata do tema da acreditação como um processo de melhoria da qualidade hospitalar que induz o cidadão a tomar de decisões informadas sobre que instituição de saúde deve buscar. O segundo artigo, a ser publicado na próxima postagem, tratará do tema dos rankings públicos de qualidade de hospitais, com metodologias construídas coletivamente e validadas por entidades externas. Algumas revistas semanais, como US News e América Economia tem difundido rankings para que os consumidores tenham acesso a mais informação processada sobre a qualidade hospitalar.Segue abaixo o primeiro artigo.

 

Ética, Liberdade de Escolha e Qualidade Institucional

 
Uma das maiores conquistas da humanidade (mas ainda longe de ser plenamente alcançada) é o direito à liberdade de escolher. Foi necessário derrubar a escravidão, a servidão, as desigualdades de gênero, os preconceitos raciais, culturais, sociais e as ditaduras, inclusive aquelas feitas em nome da religião e do proletariado, para garantir passo a passo esse direito.
Mas a liberdade de escolha nem sempre é fácil de alcançar se a informação e as oportunidades não estão acessíveis de forma equitativa e transparente para todos. Neste sentido, medir, avaliar, comparar, tornar acessível e disseminar são necessidades indispensáveis numa sociedade baseada na escolha.
Como os cidadãos podem se proteger de falsas promessas ao adquirir bens e serviços dos setores públicos e privados se não tem acesso a avaliações sérias e comparações baseadas em evidências entre aqueles que entregam estes bens e serviços? Como poderão escolher os produtores e produtos que mais atendem às suas aspirações e necessidades? Como poderão escolher representantes que tenham as condutas éticas para garantir estes direitos?
Não importa se a entrega é feita pelo Estado ou pelo setor privado. É um engano pensar ou iludir a população dizendo que o Estado entrega gratuitamente renda, bens ou serviços ou que o mercado garante automaticamente o acesso, a eficiência e a qualidade na entrega. Os cidadãos pagam impostos diretos, indiretos e taxas para que o Estado os retorne sob a forma de regulações adequadas, bens e serviços, buscando corrigir (muitas vêzes sem sucesso) as distorções inaceitáveis na concentração de renda para garantir mais a quem precisa. Portanto, tudo tem seu preço e quem paga somos nós.
A qualidade das instituições públicas ou privadas está diretamente relacionada à quantidade e a qualidade da informação brindada à sociedade para que a população possa exercer seu direito de escolha. Esta informação deve conter especificações, não apenas sobre a natureza e qualidade dos bens e serviços oferecidos, mas também sobre os aspectos de funcionamento da instituição que os entrega – seus mecanismos de transparência, sua responsabilidade social corporativa, seus mecanismos de avaliação e controle interno e as instâncias de avaliação externa independentes que asseguram que a instituição funcione com base em princípios éticos, eficiência e qualidade.
Devem, además, oferecer acesso fácil aos cidadãos para a resposta adequada a queixas e reclamações. Informações sobre qualidade, custo, alcance e resultados da atuação institucional são indispensáveis para que os cidadãos se orientem sobre suas escolhas e reclamem pelos seus direitos quando lesados em comparação com as expectativas geradas ou aos direitos adquiridos.
Qualidade Institucional e Escolhas no Setor Saúde
Em determinados setores como a saúde, onde o funcionamento é complexo e os produtos – bens e serviços - não são singulares e auto-explicativos, a avaliação da qualidade para orientar a escolha dos cidadãos também é complexa. A assimetria da informação entre quem produz e quem consome serviços de saúde, coloca o cidadão refém das decisões tomadas por especialistas ou pelas próprias instituições. Somente a geração de informação para a avaliação com base em metodologias consensuadas que envolvam as necessidades reais dos pacientes podem reduzir estas assimetrias. Nestes setores, processos de avaliação baseados em bench-marking ou na elaboração de rankings sobre um conjunto amplo de aspectos relacionados ao funcionamento institucional, aos insumos utilizados, ao processo de trabalho, à incorporação de tecnologia, aos recursos humanos e à atenção dada ao paciente, são indispensáveis para orientar os cidadãos em suas escolhas.
Por este motivo, os cidadãos, apesar da essencialidade do setor saúde, tem dificuldades em determinar critérios ou obter a informação adequada para orientar suas escolhas sobre quais instituições de saúde buscar. Para cobrir estas lacunas, muitas instituições tem se dedicado nos últimos anos a se inserir voluntariamente em processos de avaliação e acreditação de saúde, os quais fornecem uma espécie de selo de garantia para que os cidadãos possam confiar nos serviços oferecidos por estabelecimentos de saúde de distinta natureza.
Programas Internacionais de Acreditação Hospitalar
A iniciativa mais antiga no campo da acreditação em saúde, foi a criação da Joint Commission for Accreditation on Health Care Organizations (JCAHO) nos Estados Unidos da América em 1951, a qual busca, através da avaliação de hospitais, laboratórios e clínicas, identificar os mecanismos para alcançar a excelência na prestação de cuidados, de forma segura, eficaz e custo-efetiva para os cidadãos. Atualmente a Joint Commission, como instituição independente e sem fins lucrativos, avalia e acredita mais de 18.000 organizações e programas de saúde nos Estados Unidos. Para ser acreditada e manter um selo de qualidade, a instituição de saúde deve ser submetida, pelo menos a cada três anos, a uma vistoria no local por uma equipe de pesquisa da JCAHO e implementar as recomendações dos avaliadores para corrigir eventuais problemas identificados.
Em 1994 foi criada a Joint Commission International (JCI) como um braço internacional da JCAHO. A JCI tem trabalhado com organizações de saúde públicas e privadas, ministérios da saúde, e organizações globais em mais de 80 países, buscando aumentar a segurança dos cuidados de saúde ao nível mundial através da prestação de serviços de certificação e acreditação, bem como através de consultoria e serviços educativos que visam ajudar as organizações de saúde a implementar soluções práticas e sustentáveis.
Os esforços internacionais para coordenar e criar estándares comuns no campo da avaliação e acreditação hospitalar começaram a crescer desde os anos setenta, ainda que de forma isolada. Mas em 1985, um grupo internacional de profissionais de gestão hospitalar se reuniu em Udine (Itália) para discutir padrões e processos para a garantia de qualidade em saúde, sob influência de Avedis Donabedian. Esta reunião gerou um movimento que, sob a liderança de Peter Reizenstein, criou uma Conferência Anual. Deste esforço surgiu, em 1995, a International Society for Quality in Health Care (ISQUA). Como sociedade sem fins lucrativos e independente, gerida por um Conselho Executivo eleito a cada dois anos, a instituição se sediou em Melbourne na Austrália. Os países que integram o conselho da ISQUA se localizam na América do Norte, Europa, Ásia e Oceania. Em 2008 sua sede se transferiu de Melbourne para Dublin, na Irlanda.
Em 1999 a ISQUA estabeleceu o programa internacional de Acreditação (IAP), destinado a acreditar internacionalmente instituições acreditadoras de hospitais e estabelecimentos de saúde, de acordo com os estándares e padrões adotados pela ISQUA. Em setembro de 2010 cerca de 17 organizações internacionais estavam acreditadas pelo IAP para aplicar 28 conjuntos de standards de acreditação. A ISQUA também supervisiona, ao nível internacional, 6 programas de treinamento de acreditadores de qualidade hospitalar.
Em setembro de 2007, a JCI foi acreditada pela ISQUA como instituição internacional de acreditação de estabelecimento de saúde. A acreditação pela ISQUA garante que as normas, treinamento e processos utilizados pela JCI para o levantamento do desempenho das organizações de saúde atendam os mais elevados padrões internacionais das entidades de acreditação.
A Acreditação de Hospitais No Brasil
Os primeiros esforços de acreditação hospitalar no Brasil se realizaram a partir no setor público dado ser esse o principal financiador de hospitais no país. Nos anos setenta, com o objetivo de classificar os hospitais quanto a qualidade para efeitos de pagamento diferenciado, o então Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) estabeleceu Regras de Classificação Hospitalar (RECLAR). A idéia de avaliação e classificação hospitalar com o sistemas estabelecido se mostrou instável e foi abandonada, sendo retomada somente no final dos anos 1990 quando o Ministério da Saúde cria o “Programa de garantia e aprimoramento da qualidade em saúde”. Deste fato se desdobram: a criação do “Programa de Avaliação e Certificação de Qualidade em Saúde – PACQS”, da Organização Nacional de Acreditação – ONA, e do Consórcio Brasileiro de Acreditação – CBA; esta última filiada à JCAHO.
Estas duas instituições nacionais – ONA e CBA - competem pelo mercado nacional de aferição da qualidade hospitalar. A ONA foi criada por um incentivo do Ministério da Saúde o qual se consubstanciou na emissão da Portaria nº. 538, de 17 de abril de 2001. Por esta Portaria, a ONA foi considerada “instituição competente e autorizada a operacionalizar o desenvolvimento do processo de acreditação hospitalar no Brasil”.
Este processo foi ainda cristalizado quando no mesmo ano o Ministério publicou o “Manual Brasileiro de Acreditação Hospitalar - 3ª Edição”. (Portaria nº. 1.970, de 25 de outubro de 2001), o qual foi elaborado pela ONA.
O processo de acreditação de hospitais através dos critérios da ONA se define em três níveis. No primeiro nível (estrutura) se busca garantir: (a) a segurança do estabelecimento, através de instalações físicas, sanitárias e equipamentos que não envolvam riscos a pacientes e profissionais de saúde; (b) a qualificação mínima adequada dos recursos humanos e; (c) a infra-estrutura física necessária para assegurar que os serviços executados sejam entregues de forma consistente com a missão institucional.
No segundo nível (processos) se procura aferir (a) normas, rotinas e procedimentos documentados, disponíveis e atualizados; (b) estratégias para a melhoria dos processos e protocolos de atenção; (c) evidencia de um modelo organizacional voltado a satisfação do usuário.
No terceiro nível (resultados), se procura avaliar a qualidade da gestão através: (a) da evidência de ciclos de melhoria dos processos impactando de forma sistêmica toda a organização; (b) da existência de sistemas consistentes de informação Institucional, baseados em indicadores operacionais, econômico-financeiros contábeis e de qualidade dos processos e produtos que levem o hospital a avaliar o resultado de suas estratégicas e; (c) sistemas de verificação da satisfação do usuário e evidências formais baseadas em bench-marking e na avaliação externa de que a estratégia implantada tem impacto na melhoria da qualidade e produtividade.
O processo de acreditação da CBA segue os protocolos, guias e estándares estabelecidos pela JCAHO, os quais inicialmente eram mais rígidos e não se dividiam em estágios. Atualmente, a JCAHO tem flexibilizado suas regras buscando processos onde os estándares possam ser alcançados progressivamente através de níveis intermediários de acreditação.
Ao início da presente década o Ministério da Saúde e a ANVISA tiveram uma relação bastante estreita com a ONA, realizando convênios para o repasse de recursos financeiros para que esta instituição desencadeasse o mercado de acreditação hospitalar no Brasil e para que ela orientasse outras instituições para serem acreditadoras utilizando sua prpopria metodologia. As próprias normas de licenciamento hospitalar estabelecidas pela ANVISA nada mais são do que uma reinterpretação no primeiro nível de Acreditação da ONA, que trata basicamente de condições de infra-estrutura e equipamento das unidades de saúde. Recentemente o Ministério da Saúde revogou a Portaria 538 fazendo com que a ONA e a CBA pudessem competir no mercado brasileiro de acreditação, inclusive nos estabelecimentos públicos, com igualdade de condições.
Desde sua criação até a primeira metade de 2010 a ONA já acreditou 232 entidades no Brasil, incluindo hospitais, laboratórios, bancos de sangue, clínicas, ambulatórios e centros cirúrgicos. Sua forte relação com o processo de acreditação de estabelecimentos públicos e privados de saúde em São Paulo estabeleceu para ela uma vantagem comparativa no Estado onde o número de hospitais é maior. Já a CBA acreditou um númerom menor de organizações de saúde com maior concentração no Estado do Rio de Janeiro. No entanto, o número de estabelecimentos de saúde até hoje acreditados não chega sequer a 5% do total de hospitais e instituições de saúde existentes no país. Há portanto um grande e promissor mercado pela frente para que se possa aumentar a qualidade institucional das organizações públicas e privadas de saúde no país.
Acreditação: Processo compulsório ou voluntário?
Ainda que muitos defendam que a acreditação de hospitais deve ser um processo compulsório para efeitos de contratação pelo SUS ou por operadoras privadas, na maioria dos países o processo de acreditação é voluntário. São as próprias preferências dos cidadãos, ao exercer sua liberdade de escolha e estar informado sobre a qualidade das instituições de saúde, que levam as mesmas a buscar voluntariamente acreditar-se junto a uma instituição de avaliação de qualidade em saúde.
A vantagem do processo ser voluntário reside no fato de que, ao ser assim, são as condições reais da concorrência entre as instituições e a divisão da fatia do mercado que aumenta a vontade política e o interesse da gerência e a motivação do staff das instituições hospitalares em se acreditar. Com isso as recomendações dos avaliadores para a acreditação se tornam muito mais consensuadas e o processo de sua implementação passa a ser mais ágil e efetivo.
No meu ponto de vista, não caberia ao Ministério da Saúde obrigar a acreditação hospitalar para estabelecimentos que prestam serviços ao SUS, a não ser em questões que digam respeito a regras mínimas de funcionamento que garantam a segurança do paciente. No entanto, uma vez que instituições acreditadas oferecem uma maior qualidade dos serviçso prestados ao cidadão, se deveria estabelecer, como incentivo, uma remuneração diferenciada para os serviços comprados de instituições que foram acreditadas, como recompensa pelo esforço institucional em manter a qualidade.
O mesmo valeria para instituições hospitalares que prestam serviços no mercado de saúde suplementar. Caberia a cada operadora, neste caso, pagar diferenciadamente por instituições acreditadas ou definir se, no rol de instituições que prestam serviços de saúde para esta operadora, deveriam constar somente instituições acreditadas. Órgãos de regulação de estabelecimentos de saúde, como a ANS, deveriam, por sua vez, estabelecer regras de transparência para que fossem amplamente divulgadas, para os cidadãos e consumidores de planos de saúde, as operadoras que trabalham com um maior número de instituições acreditadas, a fim de facilitar e informar as suas escolhas e indicar suas preferências.
Estado e Mercado não são nem pais nem patrões, mas sim empregados a soldo de contribuintes e cidadãos. É dever de todos não só entender isso, mas lutar para garantir as verdadeiras liberdades de escolha informada. Portanto, ao deixar que ou o Estado ou as instituições de mercado abusem do poder ou vendam mentiras e ilusões, a democracia e a soberania dos cidadãos (já que consumidores todos somos) será sempre uma realidade distante de ser alcançada.


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