Endereço: Rua José Antônio Marinho, 450
Barão Geraldo - Campinas, São Paulo - Brasil
Cep: 13084-783
Fone: +55 19 3289-5751
Email: idisa@idisa.org.br
Adicionar aos Favoritos | Indique esta Página

Entrar agora no IDISA online

Responsabilidade Sanitária e as fronteiras do Brasil

Flavio Goulart [1]
Fronteiras são, por natureza, territórios peculiares que demandam ações estratégicas e diplomáticas. No caso do Brasil, a linha de fronteira possui quase 16 mil km de extensão (o que vem a ser mais de 30% do diâmetro da Terra…) e engloba em torno de três milhões de habitantes, residentes em 121 municípios de nada menos do que onze estados da federação, limítrofes, por sua vez, de 10 países da América do Sul.
No Brasil, todavia, “fronteira” não é uma coisa simples. Com efeito, temos fronteiras nas quais basta o cidadão atravessar a rua para mudar de país (Uruguaiana – Paso de los Libres; Foz do Iguaçu – Ciudad Del Este; Taguatinga – Letícia, são alguns exemplos); em outros casos – aliás, na maior parte – o que há são rios, pântanos, selvas, verdadeiros desertos humanos, nos quais, somente se encontra gente ao se deslocar dezenas e até centenas de km, tanto do lado de cá como de lá de tais fronteiras.
No que diz respeito à saúde, a situação dos habitantes desta vasta região,em termos de no acesso e qualidade, é certamente desfavorável. Mas se isso é ruim do lado de lá, em muitos casos, é pior ainda do lado de cá… Aqui no Brasil, as coisas ficam ainda mais complicadas quando se considera que a transferência de dinheiro do SUS tem como um dos critérios o contingente populacional. Assim, não são contabilizados para a base de cálculo dos repasses federais não só a população estrangeira como os brasileiros que residem no país vizinho, gerando demandas não estimadas no planejamento local. Mas mesmo assim é preciso relativizar, pois as situações variam muito. Em alguns lugares, o fluxo é dos vizinhos para o Brasil, em outros ele se inverte e há casos em que, praticamente, não há fluxo de pacientes em quaisquer das direções.
De olho no problema da saúde nas fronteiras o Ministério da Saúde executa um programa denominado Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras – SIS-Fronteiras, visando a possível integração, entre o Brasil e as outras nações vizinhas, das ações e serviços de saúde em tais regiões, chegando mesmo a anunciar que vai colaborar com o aprimoramento da organização dos sistemas locais de saúde, não só nos municípios fronteiriços como do lado de lá também. Seu objeto parece não ser a fronteira realmente existente, mas alguma outra, idealizada… Até aí, nada mais, todo mundo sabe que o Brasil quer ser um líder na América Latina. Como estratégia, o MS lança mão de uma estrutura criada com o Pacto pela Saúde, o CGR – Comitê de Gestão Regionalizada e propõe sua aplicação nas fronteiras, com participação bi ou até trinacional. Parece simples, mas não é.
Um CGR fronteiriço envolveria entendimentos não apenas entre municípios e estados, mas também entre países diferentes. Mas aí, a governabilidade escapa àqueles entes. O foco, portanto, estaria sob a responsabilidade principal da esfera federal e certamente não poderá  surgir, magicamente, de um acordo local e regional, no máximo com a presença catalisadora do estado. A intenção, sem dúvida é boa, mas existe aí enorme distância entre intenção, gesto e viabilidade.  As situações podem variar muito, pois as peculiaridades federativas variam intensamente na América Latina, podendo-se dizer que o Brasil é o país em que os entes federados possuem autonomia mais radical.
Assim, a composição de uma região de saúde dos dois lados da fronteira e, principalmente, a constituição de um CGR dificilmente poderá corresponder ao que está disposto no tipo ideal definido pelo Pacto, no qual quem comanda (e com razão) são os gestores municipais e estaduais do SUS.  O fator omitido, mas que, no limite, articulará os sistemas de saúde dos países vizinhos seria a negociação permanente, com a última palavra atribuída ao nível federal, às vezes mais das Relações Exteriores do que da Saúde, como, aliás, determina a própria Constituição Federal brasileira.
Concluindo: a política para as fronteiras, no campo da saúde, já tem seu órgão mandatário no Brasil: é a ANVISA, à qual compete nos defender das invasões microbiológicas, bem como dos alimentos e outros produtos inadequados. Responsabilidade sanitária, em termos de assistência, sim, mas que ela seja assumida, em primeiro lugar, com os nossos patrícios. Outras situações devem ser vistas caso a caso. Por exemplo, entre Taguatinga, no Brasil, e Letícia, na Colômbia, qual é a composição, o quantitativo e o sentido dos fluxos? Isso se resolverá ali, entre as autoridades locais, de forma binacional, sob regência do Gestor Federal da Saúde e as necessárias bênçãos do Itamaraty. Reciprocidade é a palavra diplomática para tanto. Não há SIS-Fronteiras, CGR internacional ou outra bala mágica que dê conta do recado, a não ser que caiamos na especulação quase sideral. Exceção deve ser feita, é claro, para necessidades concretas de ajuda humanitária, o que, aliás, já é um campo em que nós brasileiros já ganhamos experiência, como acontece, por exemplo, no Haiti e agora no Chile. E por falar nisso, que “programa de saúde em fronteiras” existiria para o vasto contingente de bolivianos e outros latinoamericanos que habitam grandes cidades brasileiras, principalmente São Paulo, onde levam muitas vezes vida precária e, além do mais, clandestina? Não seria preciso viajar muito para se chegar a alguns dos nossos “fronteiriços”, com efeito. Talvez não valha a pena perder tempo com programas para os vastos, remotos e desertos territórios além Oiapoque ou além Javari…
Referência Bibliográfica:
[1]Flávio Goulart – Médico;  Doutor em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ; Professor Titular (aposentado) da Universidade de Brasília; Consultor Autônomo em Saúde e Membro do IDISA – Instituto de Direito Sanitário Aplicado.
 


Meus Dados

Dados do Amigo

Copyright © . IDISA . Desenvolvido por W2F Publicidade