Endereço: Rua José Antônio Marinho, 450
Barão Geraldo - Campinas, São Paulo - Brasil
Cep: 13084-783
Fone: +55 19 3289-5751
Email: idisa@idisa.org.br
Adicionar aos Favoritos | Indique esta Página

Entrar agora no IDISA online

2011 - 27 - 576 - DOMINGUEIRA - PRIVATARIA DA DUPLA PORTA NO PÚBLICO

1.  PRIMEIRA PÁGINA - TEXTOS DE GILSON CARVALHO
DUPLA PORTA: A INIQUIDADE DE ACESSO AO SUS - Gilson Carvalho[1]
 
Comentários ao Decreto 57108 assinado pelo médico governador Alckmin que oficializa a injustiça da dupla porta de entrada no SUS: uma porta estreita e com fila para os “pobres” do SUS e uma porta escancarada para os privados e detentores de planos e seguros. Tudo isto em hospitais públicos: prédios públicos, equipamentos públicos, servidores públicos. Pior: sob o argumento de tirar recursos dos ricos para favorecer os pobres, melhorando suas condições de internação! Um “Robin Hood” ao inverso!
Quando fizeram a Lei, para mim inconstitucional, ainda havia uma chance de que ela não fosse regulada. Agora se concretizou a ilegalidade com o Decreto. Para lei ilegal, só um decreto ilegal. Como agravante emanado de um Governador Médico que tem obrigação de ler linhas e entrelinhas dos projetos de lei e da minuta dos Decretos. O Decreto, completando a lei, tira dos pacientes que só dependem do SUS, vagas preciosas, para vendê-las no mercado para os que têm outras chances no setor privado. Tirar dos que menos têm, para os que mais têm.  Estes têm tanto, que sobram leitos privados no Brasil.
O Decreto saiu do jeitinho que o diabo gosta. A frase melhor sobre os termos do Decreto foi do Promotor Arthur Pinto Filho da área de Saúde do Ministério Público Estadual de São Paulo. “Ao dizer que não haverá reserva de leitos, esse decreto quer dizer algo como "não pode mais chover"!!!
Vou comentar os itens principais do Decreto:
Art.1 § único - As unidades de saúde a que alude o “caput” serão identificadas mediante resolução do Secretário da Saúde.
Já se conhece, mesmo antes da formalidade da resolução, que os primeiros convênios entre planos e unidades gerenciadas são o Instituto do Câncer – ICESP e o Hospital Estadual de Transplantes, antes conhecido como Hospital do Brigadeiro; Este Hospital é do Ministério da Saúde cedido ao Estado de São Paulo e a pergunta que não cala é se ele, sendo propriedade de Ministério poderia vender serviços essencialmente públicos estatais como os de saúde.
Mesmo assim não se atenua o inconstitucional da Lei da DUPLA PORTA.
Art.2 As Unidades de Saúde...deverão garantir idêntica qualidade a todos os pacientes na prestação de serviços e disponibilização de equipamentos, acomodações e insumos, sendo expressamente vedado preferir o paciente particular ou usuário de plano de saúde privado em detrimento de usuário do Sistema SUS ou do IAMSPE.
Uma das grandes reclamações contra o SUS é que ele não dá conta de atender a demanda. Dizem, e muitas vezes com razão, que as filas de espera são imensas demorando tempo excessivo. Como os clientes de planos privados optariam pelo atendimento na fila de espera de hospitais do SUS se poderiam utilizar-se de atendimentos privados sem enfrentar fila? Outro argumento é que estes tratamentos oferecidos serão aqueles que os planos de saúde não oferecem. Questão esta que necessita discussão e intermediação da ANS, do Ministério Público e do judiciário. Por fim o argumento de que querem ficar com seu médico de confiança cujo consultório freqüentam. Ora, todos estes médicos também trabalham em hospitais privados feitos exatamente para atender a clientela que opta pelo atendimento totalmente privado ou de planos e seguros de saúde!
Mesmo assim não se atenua o inconstitucional da Lei da DUPLA PORTA.
As Unidades de Saúde...deverão “abster-se de proceder à reserva de leitos, consultas e atendimento em geral em favor de paciente particular ou usuário de plano de saúde privado.”
Não será possível reservar os 25% de reserva de leitos, consultas e atendimento. Isto equivale a dizer que nem  obedecendo a cota de 25% não é possível reservar os serviços.
Mesmo assim não se atenua o inconstitucional da Lei da DUPLA PORTA.
 “Art. 3º-A Secretaria da Saúde não celebrará contrato ou qualquer ajuste de natureza obrigacional com os pacientes particulares e os planos de saúde privados de que trata o artigo 2º deste decreto, cumprindo exclusivamente às respectivas organizações sociais de saúde a adoção das providências necessárias à percepção do pagamento devido pelo tratamento.”
O texto do artigo tem a ingenuidade singela de providenciar a “remoção do sofá da sala”. Alguém imaginou que o Estado fosse ele próprio dar o recibo da ilegalidade? Este papel dúbio será reservado aos parceiros como as Organizações Sociais e fundações de apoio (apoiadas pelo público!). Se o Estado assim o fizesse estaria prevaricando duplamente por mérito e processo. Mesmo assim, não se atenua o inconstitucional da Lei da DUPLA PORTA.
“Art.4º - Os recursos financeiros obtidos pelas organizações sociais de saúde em decorrência do disposto no artigo 3º deste decreto deverão ser precipuamente aplicados na melhoria do atendimento e na oferta de serviços do Sistema SUS, observadas as diretrizes fixadas pela Secretaria da Saúde.”
 Como acontecerá este controle? Haverá relatório detalhando todos os pacientes privados que pagaram com nome, convênio, e valores? Como fariam se os honorários médicos são contados à parte em muitos convênios e em relação aos pacientes privados? E as cobranças por fora como serão contabilizadas?
Mesmo assim não se atenua o inconstitucional da Lei da DUPLA PORTA.

“Art. 5º - O Secretário da Saúde aprovará, mediante resolução, minuta-padrão de contrato de gestão tendo por objeto as unidades de saúde de que trata este decreto.”
“Art. 6º - A Secretaria da Saúde, obtida a aquiescência da respectiva organização social, adotará as providências necessárias à adaptação dos contratos de gestão já celebrados ao disposto na Lei Complementar nº 1.131, de 27 de dezembro de 2010.”
Os termos da minuta padrão serão verificados e validados por quem? Todos tomaremos ciência dela? Todas as O.S. já contratadas podem rever seu contrato para se adequar à nova lei.
Mesmo assim não se atenua o inconstitucional da Lei da DUPLA PORTA.

Agora com a materialidade, oferecida de bandeja e anunciados os dois locais por onde se iniciará  a venda de leitos e exames, ICESP e BRIGADEIRO , o Promotor Arthur, como se comprometeu,  estará movendo a ação solicitada pela sociedade organizada. Segundo ele o texto do Decreto é como se dissesse “não pode mais chover”. Eu emendaria... mesmo com a ininterrupta  “chuva a cântaros” resultante da Lei inconstitucional. Lei defendida pela bancada de Serra, aprovada pelos deputados de situação, assinada por Goldman e agora, regulamentada pelo Governador Médico Alckmin... sob aplausos efusivos de muitos.
Quem defenderá a nós cidadãos do silêncio dos defensores de nossa cidadania, mais uma vez ferida de morte?
 
2.  SEGUNDA PÁGINA - TEXTOS DE OPINIÃO DE TERCEIROS
 
A DUPLA PORTA QUE FECHA O SUS
TEXTO DE 22 ENTIDADES DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE
 
O Sistema Único de Saúde - SUS vem sendo inexoravelmente asfixiado durante os seus poucos anos de existência, não somente por um financiamento absolutamente insuficiente, mas também por equívocos na sua estruturação e funcionamento que o inviabilizampaulatinamente, independente dos recursos financeiros que lhe sejam destinados.

A lógica estabelecida de pagamento por procedimento e produção, penaliza as ações de prevenção e promoção da saúde e estimula a privatização do sistema, as ações e os profissionais especialistas bem como os vícios, as sinecuras e os desvios que o caracterizam em larga escala.
Na contramão das medidas que poderiam favorecer a construção (descortinar) um quadro mais favorável ao Sistema, como o fortalecimento da rede pública nos três níveis de atenção, particularmente na atenção primária, a contratualização e a profissionalização da gestão, dentre outras, no sentido inverso, estão sendo implementadas propostas como as “parcerias público- privadas” e a “dupla porta” nos serviços públicos de saúde.

 

Estes Serviços Públicos, universitários ou não, estão, cada vez mais, vendendo serviços a pacientes privados e planos de saúde, retirando estas vagas dos cidadãos que só têm direito ao sistema público. Não se está negando ao cidadão que tem plano de saúde a entrada no hospital público, o que se condena, por ilegal e imoral, é a porta diferenciada com privilégios para quem entra pagando ou através dos planos e seguros de saúde; uma porta para usuários do SUS e outra específica para planos e seguros de saúde, com fila menor, sem espera, com acomodações especiais e pagamento diferenciado, não à equipe de saúde, mas aos médicos.
Além de inconstitucional e ilegal no plano nacional, a “dupla porta” no estado de São Paulo é também vedada, explicitamente, pela constituição estadual que dispõe sobre a inteira gratuidade dos serviços públicos de saúde: “CESP – art. 222 - as ações e os serviços de saúde executados e desenvolvidos pelos órgãos e instituições públicas estaduais e municipais, da administração direta, indireta e fundacional, constituem o SUS, nos termos da CF, que se organizará ao nível do estado, de acordo com as seguintes diretrizes e bases:... v - gratuidade dos serviços prestados, vedada a cobrança de despesas e taxas sob qualquer título.”
A dupla porta, portanto, além de promover a desresponsabilização definitiva do poder público com o financiamento do Sistema, cria condições mais favoráveis ainda, de apoderamento econômico e político do público pelo privado, aprofundando as distorções existentes na gestão e na força de trabalho. Além disso, ferem mortalmente princípios sagrados na nossa legislação e que não poderiam jamais ser colocados em dúvida, como a universalidade, igualdade, integralidade e impessoalidade.
 
FENTAS – Fórum de Entidades Nacionais de Trabalhadores em Saúde
Associação Brasileira de Terapia Ocupacional - ABRATO
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS
Associação Brasileira de Nutrição – ASBRAN
Associação Brasileira de Ensino de Fisioterapia – ABENFISIO
Associação Medica Nacional  -Maira Fachini –  AMN-MF

Conselho Federal de Biologia – CFBio
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
Conselho Federal de Farmácia – CFF
Conselho Federal de Fonoaudiologia – CFFa
Conselho Federal de Nutrição – CFN
Conselho Federal de Odontologia – CFO
Conselho Federal de Psicologia – CFP
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde – CNS
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social – CNTSS
Federação Nacional dos Assistentes Sociais – FENAS
Federação Nacional dos Farmacêuticos – FENAFAR
Federação Nacional dos Médicos Veterinários – FENAMEV
Federação Nacional dos Psicólogos – FENAPSI
Federação Nacional dos Odontologos – FNO
Federação Interestadual dos Farmacêuticos – FEIFAR
Federação Interestadual dos Odontologos – FIO
União Nacional do Auditores do SUS – UNASUS
 
2.2    DUPLA PORTA – PAULO PUCCINI
O HC e o Direito à Saúde
O modelo gerencial do Instituto do Coração-HCFMUSP (INCOR), que adotou uma segunda porta que estabelece acesso privilegiado para quem paga, tornou-se o exemplo originário para outras propostas semelhantes. Tal modelo produziu uma subjugação da instituição pública à ideia seletiva e iníqua da saúde privada. No mote de que tudo que é bom é mercado, o badalado hospital virou o nosocômio da preferência dos políticos da época. Hoje, mesmo sem o glamour de outrora e já substituído pela moda por outro hospital-excelência, a experiência levada a cabo no INCOR, viabilizada por uma fundação privada, tem orientado conceitualmente a iniciativa da transferência dos hospitais públicos estaduais para as Organizações Sociais (OS). Foi o que se concretizou com a lei complementar estadual nº 846/1998 que naquele momento não conseguiu a totalidade de seus intentos, pois os debates na Assembleia Legislativa acabaram por fixar a obrigatoriedade de atendimento exclusivo a usuários do SUS, posto que se tratavam de hospitais públicos. Entretanto, fruto da influência crescente das OS da Saúde na política paulista e articulando relações de interesses com representantes parlamentares, essa coalizão retomou a intenção e fez aprovar a Lei complementar nº 1.131/2010, já questionada juridicamente, visando a quebrar a universalidade do SUS. Essa tentativa de instituir a segunda porta também nesses hospitais, tal qual o modelo INCOR, foi regulamentada agora com uma cláusula de até 25% para atendimento diferenciado e uma boca de caixa para receber por isso. Os 25% não se referem ao objetivo do ressarcimento dos planos privados ao SUS, já devidamente regulamentado em Lei Federal, como tentam argumentar seus defensores, e sim ao quanto da operação do hospital público estadual poderá ser utilizado pela OS para gerar receita via venda direta de serviços. Se efetivada essa norma, o hospital público vira de vez um negócio e o cidadão, portador de direito fixado na Constituição, é expulso da cena.
Talvez empolgados com essa Lei dos 25%, que complementa a intenção da ocupação do espaço público pelas OS, jovens empreendedores de negócios e velhos gestores, ambos distantes do compromisso da afirmação da saúde igual para todos como um direito social dos brasileiros e, também, portadores de uma visão limitada sobre a finalidade dos serviços públicos, sentiram-se animados e revigorados para aumentar a parcela de venda da instituição HC.
Assim, o fato que deve preocupar sobre processos de mudança no aparelho de Estado e suas instituições é que um dos caminhos de possíveis reformas está vinculado às forças desinteressadas na melhoria da gestão da coisa pública e descompromissadas com a saúde como direito universal, equânime e integral, cooptando ideologicamente para um discurso que faz pouco do princípio da universalidade, quebrando a primazia do direito social sobre o administrar.
Paulo de Tarso Puccini é médico sanitarista, doutor em saúde pública.
 
2.3    DUPLA PORTA – LIGIA BAHIA
Lígia Bahia é categórica: a dupla porta divide os cidadãos em “pagantes” e “não pagantes”
*vice-presidente da ABRASCO e professora de economia da saúde no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ).
A instituição de duas filas nos hospitais universitários públicos expressa uma das mais visíveis anomalias da sociedade brasileira. A inversão do critério do atendimento prioritário aos portadores de problemas de saúde mais graves em favor do acesso facilitado para quem tem maior capacidade de pagamento, desnatura o caráter público dos hospitais universitários. Mais grave ainda: a introdução da lógica do mercado por hospitais públicos, mesmo que apenas em parte de suas instalações, representa um claro desacato ao texto constitucional, segundo o qual saúde e direito de todos e dever do Estado. A relevância do problema exige o exame detalhado de suas causas para que as instituições públicas de saúde possam ser devolvidas ao público. A edição e reedição de atos administrativos e a revelação do fato, especialmente de suas conseqüências são imprescindíveis, mas não bastam. É preciso que o ambiente favorável ao debate propicie uma reflexão aprofundada e corajosa sobre os componentes do material de construção das duplas portas.
Entre os elementos que originaram as duplas portas de entrada destacam-se, para além do sub-financiamento do SUS, a concepção sobre a existência da divisão da população brasileira para fins de atenção à saúde em “não pagantes” e pagantes e a noção sobre a legitimidade e virtuosidade da “venda” de serviços de hospitais públicos. O primeiro elemento decorrente das restrições fiscais às políticas públicas é, indubitavelmente, o grande responsável pela privatização de hospitais públicos. De fato, só recentemente o Ministério da Saúde logrou encontrar uma fórmula de financiamento mais favorável aos hospitais universitários. Os dirigentes dos HU’s que optaram por abrir uma porta a entrada de clientes de planos privados de saúde enfrentam problemas de endividamento decorrentes da necessidade de contratação de pessoal. O segundo e o terceiro componente da matéria prima da dupla porta, embora guardem relação com o primeiro, apresentam uma natureza distinta. São menos tangíveis, mas acionam concepções e práticas profundamente incrustadas entre nós. Trata-se de uma derivação da velha e sempre renovada fórmula de oferecer políticas sociais distintas para pobres. . Se os hospitais, inclusive alguns públicos, são vistos locci de venda de serviços e existem compradores que pagam valores diferenciados pelo mesmo procedimento, nada mais lógico do que vender para quem paga mais.
Seria ingênuo, portanto supor que as bases de construção de um arranjo institucional tão complexo foram erigidas sem apoio político, técnico e jurídico-legal. .Algumas dessas duplas portas foram, contraditoriamente, autorizadas pelo próprio Ministério Público que também as denuncia. Existe um projeto de lei na Câmara Federal que, se aprovado, lhes conferiria um estatuto legal. E, sobretudo, persiste entre profissionais de saúde e entidades sindicais, inclusive alguns extremamente bem intencionados, a certeza de que as duplas portas de entrada são benéficas, dadas as condições de penúria da maioria dos hospitais públicos. Nesse sentido, o desconhecimento sobre o conflito de idéias e as perspectivas diferenciadas sobre a organização do sistema de saúde brasileiro também cimenta a estratificação.
Se, pelo contrário, as múltiplas dimensões e interesses envolvidos com a estruturação das duplas portas de entrada forem considerados poderemos responder, ainda que parcialmente e progressivamente, ao desafio implícito que a privatização de hospitais públicos nos apresenta. Para onde ruma o sistema de saúde brasileiro? Ou em outros termos, um sistema universal de saúde de qualidade é viável? Os que defendem a plena implementação do SUS costumam formular essas mesmas perguntas com um sentido inverso. Um sistema de saúde orientado pelo mercado seria capaz de responder as necessidades de saúde da população brasileira? A realidade apresenta-se multifacetada. Por um lado os méritos decorrentes dos programas universais no Brasil são evidentes, basta mencionar o reconhecimento internacional do Programa de DST/AIDS. Por outro lado, a extensão dos atendimentos diferenciados segundo um gradiente de preferências, no qual os clientes são diferenciados por status sócio-econômico e não por suas condições clínicas sinaliza uma direção contrária a da universalização.
Esses questionamentos, adquirem matizes específicos no que diz respeito as duplas de porta de entrada dos hospitais universitários. Essas instituições e seus profissionais estão vinculados ao MEC e a governos estaduais. A preservação da excelência desses hospitais está constantemente em xeque. A desvalorização destes profissionais pelas instituições públicas e a oferta de melhores postos de trabalho pelas privadas os afeta particularmente. As tentativas de preservar esses profissionais, não conseguiram contornar, a não ser em casos exemplares, a permissão para a dupla, tripla jornada de trabalho. Nesses termos, a dupla porta de entrada pode ser vista como uma expressão arquitetônica da impossibilidade de dedicação exclusiva em face aos baixos valores de remuneração do setor público e delegação ao corpo dirigente dos hospitais para resolver o problema.
Ao aceitar, para si a tarefa de buscar uma saída para resolver isoladamente as mazelas do sistema de saúde, os dirigentes dos hospitais universitários e secretários de saúde reafirmaram suas dificuldades de entendimento sobre o papel dessas instituições na rede de serviços do SUS. Os hospitais universitários são as unidades de referência do SUS, sendo inadmissível que os critérios de entrada para qualquer de seus pacientes não sejam os estabelecidos pelo município, região, unidade federada ou mesmo pela União. O funcionamento de duplas portas antepõe-se radicalmente a essa função dos HU´s. Pela porta privada são atendidos casos leves, moderados, diagnósticos que não compatíveis com o perfil de referência desses hospitais. Se batessem na porta SUS, esses pacientes seriam encaminhados para o atendimento em unidades de menor complexidade. Assim, os efeitos da dupla porta não se resumem apenas às diferenças absurdas no tempo de espera nas filas. Os rígidos critérios de triagem dos pacientes da porta SUS não são observados para a admissão dos clientes de planos de saúde.
Depreende-se facilmente que a lógica dos hospitais privados que vendem serviços e admitem pacientes segundo critérios próprios colide com a inserção dos HU´s na rede SUS, ainda que seus defensores argumentem que a maior parte dos leitos está sendo utilizada pelos pacientes do SUS. O corolário da tese pro dupla-porta é que a venda de serviços para os “pagantes” reverte em prol dos “não pagantes”. Na prática, o que ocorre é uma “venda” por valores pelo menos de duas a três vezes menores do que os cobrados por estabelecimentos privados do mesmo porte, dotados dos mesmos equipamentos. Os preços pagos aos hospitais filantrópicos lucrativos de ponta são muito superiores àqueles cobrados nas duplas portas. Mas, para os defensores da dupla porta, ainda que os HU´s sejam categorizados, como de terceira linha, pelas empresas de planos privados de saúde “vale a pena”. Os valores pagos por um “não pagante do SUS” são em média três vezes menores do que os preços das internações remuneradas pelas empresas de planos de saúde. Esse raciocínio contábil de fechamento diário de caixa, que não é o adotado pelos hospitais privados, ignora o fato de que esses valores não contemplem o investimento em infra-estrutura, equipamentos e pessoal (que são os principais itens de custo dos hospitais).
Considerando a urgência de encerrar as duplas filas as propostas do Ministério da Saúde estão pautadas por uma duplo esforço. A negociação com o MEC, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e Conselhos de Saúde e a abertura de portas para o debate voltado ao encontro de alternativas para a devida valorização dos HU´s na rede SUS. Essa guinada na rota de primazia do público não nos garantirá a conquista imediata de um SUS universal, mas nos aproxima do rumo e permite-nos vislumbrá-lo.
 
2.4.  A DUPLA PORTA E AS DÚVIDAS DE RIOBALDO – Arthur Chioro
Dupla porta é uma metáfora ou uma palavra unívoca que não permite divergência? Ela pode nos levar a pensar que o SUS é tão eficiente que tem até duas portas. Realmente deveríamos pensar na eficiência das pessoas que acham que a dupla porta no SUS não tem nada a ver com o principio da igualdade que permeia a nossa Constituição.
Sabemos que um princípio tem mais valor que uma norma por contaminar todas as normas existentes. O que nos deixa muito preocupados nesta discussão de reservar 25% dos serviços públicos de saúde para pessoas que têm planos de saúde é a porta de entrada diferenciada da porta do cidadão que acredita no SUS.
Quem não tem convenio é punido duplamente: primeiro porque paga imposto para que o governo lhe garanta serviços; segundo porque a sua porta não é tão bonitinha e a fila de uma é menor que a da outra. Se alguém nos convencer de que estamos falando de portas isonômicas para o cidadão que, perante a lei, é igual ao outro, desistimos de continuar este artigo.
Mas há outras questões neste tema que somente o Riobaldo, do Guimarães Rosa, com aquela sua agudeza de raciocínio próprio de jagunço do sertão brasileiro que, para não ser pego nas armadilhas da vida – tanto as dos bichos quanto de gente –, tem que ter tirocínio rápido. O plano de saúde paga o procedimento realizado no paciente em partes: parte do médico; parte dos insumos. Quem fica com a parte do médico?
O serviço público que lhe paga o salário, conforme paga aos demais servidores públicos ou o hospital que mantém dupla porta? Se é dado ao servidor público – seja médico, engenheiro, advogado – receber por fora no serviço público, seria recomendável que uma lei instituísse uma parte do salário dos servidores por serviços que eles possam prestar a terceiros usando o serviço onde ele trabalha. Assim, talvez o serviço público fique mais apetitoso do que já é.
O Riobaldo não consegue se convencer de que aqui estamos no caminho do respeito ao principio da isonomia constitucional e ao principio da moralidade administrativa. Ele fica matutando dias e dias se aqui não tem algum jacaré que quer lhe enganar.
Lemos outro dia na Folha de S. Paulo que o Hospital das Clinicas vai respeitar o SUS como se ele não fosse SUS. Até já ouvimos pessoas dizendo que o HC não é SUS. Ele recebe dinheiro do SUS, é público porque é uma autarquia estadual, mas não é SUS. Só recebe o seu dinheiro.
O mais engraçado ainda e que tem perturbado bastante o Riobaldo são duas coisas fundamentais: a primeira é que a Constituição Paulista veda qualquer tipo de cobrança no serviço público de saúde, seja taxa, tarifa ou o nome que se queira dar. A segunda é que a lei dos planos de saúde determina que as operadoras de planos e seguros de saúde reembolsem o Poder Público quando seus beneficiários utilizarem serviços públicos de saúde.
Por que o Poder Público não cumpre a lei e cobra das operadoras o ressarcimento ao invés de firmar convênios ou ser credenciadas por estas operadoras para prestar serviços de saúde aos seus beneficiários, como se fossem serviços privados que podem ser credenciados? Bastaria o Poder Público cobrar das operadoras que tudo estaria resolvido, sem dupla porta, sem privilegio duplo para quem tem plano de saúde: ser atendido no serviço público pela porta de cima e ainda descontar do imposto de renda as suas despesas com planos e seguro saúde, uma renúncia fiscal de 8 bilhões de reais.
Este assunto é tão velho que, em 1994, foi editada uma lei paulista, sancionada pelo governador Mario Covas - a Lei nº 9.058 –, que regulamentava o reembolso das despesas havidas com beneficiários de planos e seguro saúde quando utilizassem os serviços públicos.
O Riobaldo pergunta aos jagunços do seu sertão porque estas leis nunca foram cumpridas? Alguém ganharia com o ressarcimento o mesmo que ganharia com os convênios? Quem sabe a Diadorim, que guardava tão graves segredos, pudesse responder, mas ela morreu no final do Grande Sertão: Veredas. Uma pena!
ARTHUR CHIORO – Secretário de Saúde de São Bernardo do Campo
 

 

 
 GC-ES-DUPLA PORTA - CHIORO -JUNHO-2011
 
 GC-ES-DUPLA PORTA - FENTAS -JUNHO-2011
 
 GC-ES-DUPLA PORTA - LIGIA BAHIA - JUNHO-2011
 
 GC-ES-DUPLA PORTA - PAULO PUCCINI (2) -JUNHO-2011
 
 GC-ES-DUPLA PORTA -COMENTÁRIO-DECRETO-JUNHO-2011
 
 


Meus Dados

Dados do Amigo

Copyright © . IDISA . Desenvolvido por W2F Publicidade