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SAÚDE: Faltam médicos ou política?

Os maiores problemas da saúde são o subfinanciamento e os gestores que o aceitam. O subfinanciamento decorre da prioridade às avessas do governo federal: demasiado para o capital financeiro, pouquíssimo para as áreas sociais. Um dos países que menos investe em saúde, equiparado à média dos paupérrimos países africanos (de 196 o Brasil está na 151ª posição; os atuais 3% estão muito longe dos 6% mínimos em relação ao PIB recomendados pela OMS). Do orçamento federal, mais de 50% é para a “dívida” (que não fui eu nem você que fizemos); e apenas 10% destina-se a custear as despesas discricionárias (saúde, educação, bolsa-família, PAC, e outras). Naturalmente, vai faltar na saúde!

Já os governadores, prefeitos e gestores da saúde pecam quando se conformam e se calam com o financiamento insuficiente; e pecam mais ainda quando aceitam ou também inventam soluções mágicas, tipo precarização, terceirização, serviço civil obrigatório, residência médica “à distância”. É a maneira de, seguindo a onda, também lavarem as mãos, transferir a responsabilidade que também é sua. Onde estão todos, que não mobilizam seus deputados e senadores, não promovem uma marcha à Brasília para ampliar os recursos da saúde?

Nesses 23 anos de existência, a maior dívida do SUS é com seus trabalhadores. O sistema que é único não criou uma carreira também única. Pelo contrário, os trabalhadores que já cofinanciam o sistema quando percebem baixos salários, tem sua remuneração ainda mais reduzida, quando lhe negam o concurso público constitucional, lhes sonegam direitos trabalhistas, e aumentam sua carga de trabalho com as terceirizações. Desta forma, resta comprometida a função de estado, e criam-se agruras ao desempenho dos profissionais, abandonando a tese de que se trabalha para viver, e não se vive para trabalhar; e não se assegura a assistência integral à saúde de todos. É o estado desumano.

A portaria 134 da SAS/Ministério da Saúde colocou em xeque o sistema: cobra o óbvio, sem planejar o desenlace; e extrapolou ao impingir exigências ilegais: limitar o número de vínculos privados e arbitrar quais vínculos públicos permaneceriam no caso de mais de dois.
Na realidade, o governo construiu um discurso de que faltam médicos no Brasil; e essa portaria é apenas mais um instrumento dessa campanha; o cadastro CNES está aí há muito tempo, se sabia que não funcionava direito, por quê não se fazia nada? A finalidade é tentar baratear ainda mais o serviço público prestado pelos governos. De que forma? Tentando resolver a alocação e fixação dos profissionais com a lei de mercado, como se saúde fosse mercadoria.
E se houver manifestação contrária, é imediatamente taxada de corporativista. O discurso está tão impregnado que alguns setores sequer se abrem para ouvir e debater. Esquecem que os povos deram exemplos ao longo da história. Quando o governo efetivamente tem credibilidade e está em sintonia fina com o povo, a nação é capaz de fazer sacrifícios extras. Economias destruídas como as européias e japonesa, no pós guerra, contaram com a firme disposição de seu povo. Mas os governos investiram maciçamente nas áreas sociais: Alemanha e Japão, 50% em educação; a Inglaterra e França asseguraram seu sistema nacional público e gratuito de saúde.

Por quê não faltam médicos? Pela OMS, o desejável é 1 médico/1000 habitantes. No Brasil, temos 1/500. No RJ, 1/238; em São Paulo, 1/234. Mas falta médico na rede pública. Então, não faltam médicos, falta política de fixação dos profissionais, e esta fórmula é de há muito conhecida: valorização com concurso, cargo específico, salário digno acompanhando o poder de compra, progressão na carreira, direito de se atualizar, adoecer e se aposentar paritariamente; de preferência com dedicação exclusiva. Nada do outro mundo. Parecido com promotores e juízes.

Novos cursos médicos: Há 20 anos atrás, tínhamos 80 escolas médicas; hoje são 170 escolas (para uma população de 190 milhões) – só perdemos para a Índia (1.2 bilhões de habitantes com 220 escolas). E ganhamos para a China, país mais populoso (1.4 bi de pessoas). Estamos fazendo o caminho inverso dos EUA, que, em função da qualidade, e lá tem controle, fechou cursos médicos, reduziu pela metade o número de escolas.

O mercado resolve o problema das áreas sociais? O problema não é só nas regiões de difícil acesso. Reclama-se da falta de pediatras e obstetras. Mas, como, se até bem pouco tempo havia multidões deles? Porque se remunera mal aos mesmos. Atualmente, os médicos procuram as especialidades do momento, aquelas que remuneram melhor e causam menos sofrimento pessoal.  As áreas básicas foram sendo abandonadas – na perspectiva dos profissionais, só se sofre, pouco se recebe. E Medicina não é sacerdócio, é uma das mais nobres missões humanas. Precisa ser tratada como tal. Não adianta “derramar” recém-formados no mercado, tem que ordenar a formação de especialistas consoante o interesse social, e tratar a todas as especialidades com equidade – é uma só profissão. Dividir para baratear será mais caro no futuro, desorganiza a assistência e prejudica a população. Não há médico menos importante que outro. Há setores mal servidos. Ao mesmo tempo, colocar recém-formado em locais distantes sozinhos é uma temeridade, para não dizer irresponsabilidade. Tem que dar orientação presencial , equipe e condições de trabalho.

Os gestores se debatem entre dois modelos: o francês, que fixa médico através de concurso público nacional, com valorização do profissional que faz opção em entrar; e o cubano, não por se defender o sistema socialista, mas, ao contrário, porque usa o gradiente de mercado para formar profissionais em cada esquina e assim alocá-los com outra lógica – conseqüência: perda de qualidade, desvalorização e adesão por falta de opção.

Quanto aos médicos estrangeiros, convém lembrar que todo país tem regras para as coisas. Para exercer qualquer profissão em outro país, o brasileiro tem que obedecer disciplinamento local. No caso da Medicina, então, são dificuldades sem tamanho. Médico brasileiro para tocar em cidadão estadunidense ou europeu, tem que penar bastante. Porque aqui não pode ter um ordenamento que preserve o nosso cidadão? Estão previstas regras relativamente simples:  equivalência de conteúdo programático, uma prova, e proficiência na nossa língua. É muito?! Com relação à prova, deve ser unificada, nacional e aferir transparentemente o conhecimento médio. O que não pode é faltar respeito à organização do nosso sistema e ao princípio da reciprocidade (aquele que faz os argentinos cobrarem uma taxa de igual valor aos estadunidenses e canadenses para entrarem no seu país; pois por aqui se paga e nos é imposto um aceite ou não mediante visto para entrarmos na América do Norte. Aqui é casa de Mãe Joana ou nos sentimos pigmeus?!).

Quanto a uma proposta de serviço civil, não nos parece solução, mas considerando o pressuposto de sacrifício nacional adicional, poderia ser considerado, desde que obrigatoriamente envolvesse todos os segmentos sociais, sem discriminação: profissões da saúde, de ciências exatas, humanas etc; e contemplando todos os profissionais, do filho/a do presidente da República, passando pelos do deputado, senador, juiz, general até o do mais humilde trabalhador. Aí, sim, haveria legitimidade.
 
O desprendimento e solidariedade da categoria médica é grande. O limite de vínculos públicos é dois; no entanto, chamados pelos gestores para garantir assistência, principalmente os que moram em cidades pólo do interior, os médicos não se furtaram a trabalhar. O preço que pagam é, além da exposição, o aumento da carga de trabalho e perda de qualidade de vida. Trata-se, então, de compromisso com a população vizinha não assistida. Porém, diante da quebra do pacto, e da ameaça, os médicos estão entregando os postos extras – mesmo contra a vontade.

Como evitar a desassistência? Com calma, com prazo, como é concedido ao governo quando se encontra sob pressão do Tribunal de Contas ou do Ministério Público. Como fez a Promotoria de Justiça na comarca de Salgueiro/PE e municípios vizinhos: através de Termo de Ajustamento de Conduta, foi acordado prazo de seis meses de permanência dos profissionais, enquanto as prefeituras realizam concurso público. A grande iniciativa deveria ser do Ministério da Saúde que, infelizmente, se limitou a dizer que iria dar o que já se tem: o direito do próprio profissional informar alteração no CNES; e irá promover alterações na portaria a contragosto, decorrente de decisão judicial. Por outro lado, o governo estadual e municipais podem fazer muito: adequação da jornada de trabalho. Instrumento do qual  pode se lançar mão de imediato. Vínculos de 20 horas podem ser ampliados para 40 horas, sem delongas, evitando a desassistência. Basta querer fazer.

Solução definitiva passa pela política para os trabalhadores do SUS – há 23 anos esperando. E necessariamente sob a responsabilidade do MS, estimulada a partir dos municípios e estados, COSEMS, CONASEMS, CONASS, Frentes Parlamentares, conselhos e conferências de saúde, sindicatos e centrais sindicais, movimentos sociais. Desde que ultrapassada a teimosia do governo federal em adiar o inevitável: aumentar sua parcela nos investimentos da saúde. É possível? Claro! A União já financiou 75% da saúde pública, hoje financia pouco mais de 40%!

 

 
 
Antonio Jordão


Secretário de Relações do Trabalho da Federação Nacional dos Médicos

Secretário Geral do Simepe

 



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