A REGULAMENTAÇÃO DA EC - 29 E O ESPAÇO DO EMBATE POLÍTICO: OPÇÕES E PROPOSIÇÕES
Nelson Rodrigues dos Santos
Membro do Conselho Consultivo do CEBES. Pres. do IDISA, Consultor do CONASEMS.
PONTO DE PARTIDA
A própria EC-29/2.000 remete sua regulamentação em lei a partir de 2.005, o que ainda não foi conseguindo após quase sete anos, apesar da quantidade e qualidade de propostas apresentados desde 2.003 e das incessantes pressões dos colegiados gestores e de controle social do SUS, assim como de parlamentares e entidades da sociedade zelosos pelo desenvolvimento do SUS, de acordo com as necessidades e direitos da população consagrados na Constituição e na Lei.
OS PRINCIPAIS PROJETOS EM PAUTA
Os principais projetos de lei em pauta são: a) o nº 306/2008 da Câmara dos Deputados, que mantém a parcela federal baseada na variação nominal do PIB do ano anterior (VNP), que regride em relação ao histórico substitutivo do nº 01/2.003, amplamente debatido com a sociedade por mais de dois anos, aprovado e aprimorado nas comissões de Seguridade Social e Família, de Tributação e Finanças e de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara, e que calculava a parcela federal com base em 10% da Receita Corrente Bruta da União (RCB), e b) o nº 121/2.007 do Senado, que mantém a parcela federal com base em 10% da RCB. Ambos dispõem em alto nível, acerca do que são ou não ações e serviços públicos financiados pelo SUS, o que deve ser articulado e aprovado.
O GRANDE EMBATE POLÍTICO
Dois grandes embates políticos estão em jogo nos esforços pela regulamentação, e são interdependentes:
a)O critério de cálculo da contrapartida de cada esfera de governo, articulado e negociado com base em porcentual da arrecadação nas três esferas (proposta da EC-169, de 10% de cada esfera, debatido entre 1.993 e 2.000). No ano 2.000 o governo federal fechou com pena de não aprovação da emenda, 15% para os municípios, 12% para os estados e a VNP para si mesmo, o que significou na prática, prosseguir retraindo proporcionalmente (em vários anos chegou a perder para o crescimento populacional e a inflação). Entre 1.980 e 2.008 a contrapartida federal caiu de 75% para 46% do financiamento público da saúde, enquanto os Municípios e Estados saltaram de 25% para 54% tendência esta que permanece. Entre 1.995 e 2.004, ao notável crescimento da receita corrente da União, de 19,7% para 26,7% do PIB, correspondeu à queda de 9,6% para 7,5% dos gastos do Ministério da Saúde, em relação à receita corrente, tendência que também, permanece. Este embate é central e estruturante na regulamentação porque expõe um forte indicador da responsabilidade da política pública: qualquer que seja a arrecadação e seu crescimento ou não, este critério é definidor por si.
b)O impacto para a sobrevivência e retomada segura dos rumos de realização efetiva do conjunto dos princípios e diretrizes constitucionais da política pública de saúde e do novo modelo de atenção, no que toca ao financiamento. Nosso per-capita anual público permanece por volta de 340 dólares (padronizados pelo poder de compra para comparações internacionais), enquanto nos países que desenvolvem os melhores sistemas públicos de saúde (europeus, Canadá, Japão e outros), a média é de 2.000 dólares públicos, o que também é evidenciado pela porcentagem do PIB destinada ao financiamento público da saúde: 3,7% em nosso país e média de 6 a 8% nos referidos países. Ressaltamos que a efetivação dos 10% da RCB federal elevaria nosso per-capita e % do PIB por volta de 500 dólares públicos e 4,5%, ainda muito aquém do necessário para as necessidades e direitos da população, mas seguramente decisivos para a produção do impacto e retomada referidos no início.
Acresce aqui a politica de tomar o “mínimo” como “teto”, sob pressão de interesses antissociais, rompida até hoje somente pelos municípios.
PORQUE TAMANHO EMBATE POLÍTICO?
Por razões “de Estado”, todos os governos pós-Constituição operaram o sub-financiamento federal, não realizando os 30% do Orçamento da Seguridade Social para a saúde (para 2.011 seriam R$ 147 bilhões e não os previstos 71,5), subtraindo a contribuição previdenciária da OSS na base de cálculo para a saúde (1.993), desviando os recursos da CPMF da saúde (1.995/1.996), recusando, na EC-29, o critério assumido para e pelos Estados e Municípios (2.000) e o “rolo compressor” sobre os movimentos pró-regulamentação, comprometidos com o conjunto dos princípios e diretrizes do SUS, com as necessidades e direitos da população, com o novo modelo de atenção à saúde e com avanços efetivos nas reformas e democratização do Estado que o coloquem em curto prazo, em patamar elevado de gerenciamento eficaz e eficiente dos serviços públicos destinados aos direitos sociais.
PROPOSIÇÕES CONCRETAS
I.Adoção do critério de % sobre a arrecadação também à esfera federal, considerando na efetivação desta proposição:
₋Incremento da taxação sobre itens danosos à saúde ou que geram alto custo para o SUS,
₋Redução efetiva e parcelada dos gastos tributários (renuncias fiscais) e demais formas de subsídios públicos ao mercado na saúde.
₋Taxação das grandes fortunas,
₋Vinculação prospectiva de recursos como do Pré-Sal, e
₋Redução da taxa de juros da dívida pública (cada 1% que cai, corresponde a R$ 10 bilhões de ganho ao orçamento público).
O grande crescimento da arrecadação federal que vem se dando há muitos anos, e consequente disponibilidade de destinação de vultosos recursos novos, apesar da extinção da CPMF, consolida a possibilidade da adoção desta proposição, sem a condição da criação de novo tributo.
II.Priorização da aplicação dos recursos adicionais na implementação de: a) diretriz constitucional da regionalização prevista no Pacto Interfederativo pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão (2.006) e no decreto nº 7508/2011, e b) Reformas e avanços na administração e gerenciamento público, incluindo a gestão pública do pessoal de saúde, com a finalidade de elevar efetivamente a eficácia, eficiência e a relação custo-efetividade, no modelo de atenção à saúde com base nas necessidades e direitos da população usuária, assim como do reconhecimento e contemplação dos direitos e adesão dos trabalhadores de saúde.
III. Apesar de não ser condicionante, deve ser articulada às proposições anteriores, a criação de contribuição social sobre movimentações financeiras, específica para os serviços públicos de saúde, que venha incidir sobre minoria da população de faixa de renda acima de limite a ser definido, que além da repercussão inequívoca no rumo da politica pública de saúde, reforça em governo democrático, o controle sobre formas ilícitas ou estranhas de enriquecimento e transações financeiras. Destaque-se que no projeto nº 121/2007, além da vitória do critério do cálculo, o SUS terá 32,5 bilhões a mais, totalizando em 104 bilhões, valendo a negociação escalonada em quatro anos, com 16,9 bilhões no primeiro ano, ao passo que no projeto nº 306/2008 o acréscimo será somente de 8,2 bilhões com nova contribuição social (sem o FUNDEB e com DRU) ou, sem nova contribuição social, com queda de 7 bilhões (sem o FUNDEB), totalizando em 79,7 bilhões e 64,5 bilhões respectivamente.
IV.Os esforços da Sociedade, do Parlamento e do Governo no âmbito de proposições como as aqui consolidadas, entre várias outras, antepõe-se a uma politica de Estado diversa do pacto social que levou ao Título da Ordem Social da CF/88, e que vem submetendo todos os governos à hegemonia voraz do sistema financeiro especulativo. Este sistema vem desviando vastos e crescentes recursos dos tesouros nacionais, dos seus compromissos e projetos mais legítimos de desenvolvimento e cidadania. Em 2.010 constou no Orçamento Geral da União 44,93% aos juros, amortizações e refinanciamento da dívida pública, 22,12% para a Previdência Social e 9,24% para as transferências obrigatórias aos Estados e Municípios. As mini-fatias foram para a Saúde, 3,9%, Educação, 2,8%, Segurança, 0,5%, Transporte, 0,7%, Energia, 0,04%, etc. Pode ser que haja momento histórico para uma ação conjunta “estadista”.