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O direito à saude nas mãos da sociedade

A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (21/09) a sua versão da regulamentação da Emenda Constitucional 29. Foi votado e aprovado o último destaque que faltava, apresentado pelo DEM, que retirou a base de cálculo da Contribuição Social para a Saúde (CSS), na prática tornando inócuo o novo imposto. A matéria retornará ao Senado para apreciação final. Para fomentar o debate em torno do financiamento da Saúde, o Cebes apresenta dois textos autorais. No primeiro, o Professor Nelson Rodrigues dos Santos, do Conselho Consultivo do Cebes, fala sobre os embates políticos e desafios para a regulamentação da Emenda 29. No segundo, Paulo Navarro de Moraes, diretor ad-hoc do Cebes, critica a versão aprovada pela Câmara e defende a retomada da regulamentação vinculando 10% da Receita Corrente Bruta da União. Ambos defendem que sejam pensadas novas fontes de financiamento e consideram vital a mobilização da sociedade em defesa do SUS e da Saúde como política de estado e direito de cidadania dos brasileiros.
 
A regulamentação da EC-29 e o espaço político: opções e proposições

Nelson Rodrigues dos Santos

Membro do Conselho Consultivo do CEBES. Pres. do IDISA, Consultor do CONASEMS.
 
PONTO DE PARTIDA
 
 A própria EC-29/2.000 remete sua regulamentação em lei a partir de 2.005, o que ainda não foi conseguindo após quase sete anos, apesar da quantidade e qualidade de propostas apresentados desde 2003 e das incessantes pressões dos colegiados gestores e de controle social do SUS, assim como de parlamentares e entidades da sociedade zelosos pelo desenvolvimento do SUS, de acordo com as necessidades e direitos da população consagrados na Constituição e na Lei.
 
OS PRINCIPAIS PROJETOS EM PAUTA
 
 Os principais projetos de lei em pauta são: a) o nº 306/2008 da Câmara dos Deputados, que mantém a parcela federal baseada na variação nominal do PIB do ano anterior (VNP), que regride em relação ao histórico substitutivo do nº 01/2.003, amplamente debatido com a sociedade por mais de dois anos, aprovado e aprimorado nas comissões de Seguridade Social e Família, de Tributação e Finanças e de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara, e que calculava a parcela federal com base em 10% da Receita Corrente Bruta da União (RCB), e b) o nº 121/2.007 do Senado, que mantém a parcela federal com base em 10% da RCB. Ambos dispõem em alto nível, acerca do que são ou não ações e serviços públicos financiados pelo SUS, o que deve ser articulado e aprovado.
 
O GRANDE EMBATE POLÍTICO
 
 Dois grandes embates políticos estão em jogo nos esforços pela regulamentação, e são interdependentes:

a) O critério de cálculo da contrapartida de cada esfera de governo, articulado e negociado com base em porcentual da arrecadação nas três esferas (proposta da EC-169, de 10% de cada esfera, debatido entre 1.993 e 2.000). No ano 2.000 o governo federal fechou com pena de não aprovação da emenda, 15% para os municípios, 12% para os estados e a VNP para si mesmo, o que significou na prática, prosseguir retraindo proporcionalmente (em vários anos chegou a perder para o crescimento populacional e a inflação). Entre 1.980 e 2.008 a contrapartida federal caiu de 75% para 46% do financiamento público da saúde, enquanto os Municípios e Estados saltaram de 25% para 54% tendência esta que permanece. Entre 1.995 e 2.004, ao notável crescimento da receita corrente da União, de 19,7% para 26,7% do PIB, correspondeu à queda de 9,6% para 7,5% dos gastos do Ministério da Saúde, em relação à receita corrente, tendência que também, permanece. Este embate é central e estruturante na regulamentação porque expõe um forte indicador da responsabilidade da política pública: qualquer que seja a arrecadação e seu crescimento ou não, este critério é definidor por si.

b) O impacto para a sobrevivência e retomada segura dos rumos de realização efetiva do conjunto dos princípios e diretrizes constitucionais da política pública de saúde e do novo modelo de atenção, no que toca ao financiamento. Nosso per-capita anual público permanece por volta de 340 dólares (padronizados pelo poder de compra para comparações internacionais), enquanto nos países que desenvolvem os melhores sistemas públicos de saúde (europeus, Canadá, Japão e outros), a média é de 2.000 dólares públicos, o que também é evidenciado pela porcentagem do PIB destinada ao financiamento público da saúde: 3,7% em nosso país e média de 6 a 8% nos referidos países. Ressaltamos que a efetivação dos 10% da RCB federal elevaria nosso per-capita e % do PIB por volta de 500 dólares públicos e 4,5%, ainda muito aquém do necessário para as necessidades e direitos da população, mas seguramente decisivos para a produção do impacto e retomada referidos no início.

Acresce aqui a politica de tomar o “mínimo” como “teto”, sob pressão de interesses antissociais, rompida até hoje somente pelos municípios.
 
PORQUE TAMANHO EMBATE POLÍTICO?
 
 Por razões “de Estado”, todos os governos pós-Constituição operaram o sub-financiamento federal, não realizando os 30% do Orçamento da Seguridade Social para a saúde (para 2.011 seriam R$ 147 bilhões e não os previstos 71,5), subtraindo a contribuição previdenciária da OSS na base de cálculo para a saúde (1.993), desviando os recursos da CPMF da saúde (1.995/1.996), recusando, na EC-29, o critério assumido para e pelos Estados e Municípios (2.000) e o “rolo compressor” sobre os movimentos pró-regulamentação, comprometidos com o conjunto dos princípios e diretrizes do SUS, com as necessidades e direitos da população, com o novo modelo de atenção à saúde e com avanços efetivos nas reformas e democratização do Estado que o coloquem em curto prazo, em patamar elevado de gerenciamento eficaz e eficiente dos serviços públicos destinados aos direitos sociais.
 
PROPOSIÇÕES CONCRETAS
 
I. Adoção do critério de % sobre a arrecadação também à esfera federal, considerando na efetivação desta proposição:
Incremento da taxação sobre itens danosos à saúde ou que geram alto custo para o SUS,
Redução efetiva e parcelada dos gastos tributários (renuncias fiscais) e demais formas de subsídios públicos ao mercado na saúde.
Taxação das grandes fortunas,
Vinculação prospectiva de recursos como do Pré-Sal, e
Redução da taxa de juros da dívida pública (cada 1% que cai, corresponde a R$ 10 bilhões de ganho ao orçamento público).
 
O grande crescimento da arrecadação federal que vem se dando há muitos anos, e consequente disponibilidade de destinação de vultosos recursos novos, apesar da extinção da CPMF, consolida a possibilidade da adoção desta proposição, sem a condição da criação de novo tributo.
II. Priorização da aplicação dos recursos adicionais na implementação de: a) diretriz constitucional da regionalização prevista no Pacto Interfederativo pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão (2.006) e no decreto nº 7508/2011, e b) Reformas e avanços na administração e gerenciamento público, incluindo a gestão pública do pessoal de saúde, com a finalidade de elevar efetivamente a eficácia, eficiência e a relação  custo-efetividade, no modelo de atenção  à saúde com base nas necessidades e direitos da população usuária, assim como do reconhecimento e contemplação dos direitos e adesão dos trabalhadores de saúde.
III.  Apesar de não ser condicionante, deve ser articulada às proposições anteriores, a criação de contribuição social sobre movimentações financeiras, específica para os serviços públicos de saúde, que venha incidir sobre minoria da população de faixa de renda acima de limite a ser definido, que além da repercussão inequívoca no rumo da politica pública de saúde, reforça em governo democrático, o controle sobre formas ilícitas ou estranhas de enriquecimento e transações financeiras. Destaque-se que no projeto nº 121/2007, além da vitória do critério do cálculo, o SUS terá 32,5 bilhões a mais, totalizando em 104 bilhões, valendo a negociação escalonada em quatro anos, com 16,9 bilhões no primeiro ano, ao passo que no projeto nº 306/2008 o acréscimo será somente de 8,2 bilhões com nova contribuição social (sem o FUNDEB e com DRU) ou, sem nova contribuição social, com queda de 7 bilhões (sem o FUNDEB), totalizando em 79,7 bilhões e 64,5 bilhões respectivamente.
IV. Os esforços da Sociedade, do Parlamento e do Governo no âmbito de proposições como as aqui consolidadas, entre várias outras, antepõe-se a uma politica de Estado diversa do pacto social que levou ao Título da Ordem Social da CF/88, e que vem submetendo todos os governos à hegemonia voraz do sistema financeiro especulativo. Este sistema vem desviando vastos e crescentes recursos dos tesouros nacionais, dos seus compromissos e projetos mais legítimos de desenvolvimento e cidadania. Em 2.010 constou no Orçamento Geral da União 44,93% aos juros, amortizações e refinanciamento da dívida pública, 22,12% para a Previdência Social e 9,24% para as transferências obrigatórias aos Estados e Municípios. As mini-fatias foram para a Saúde, 3,9%, Educação, 2,8%, Segurança, 0,5%, Transporte, 0,7%, Energia, 0,04%, etc. Pode ser que haja momento histórico para uma ação conjunta “estadista”.
 
É feia. Mas é uma flor? 
Paulo Navarro de Moraes

Regulamentação da EC29 aprovada na Câmara reduz os recursos da saúde e desafia os militantes do SUS e a #PrimaveradaSaúde a uma reação firme e objetiva.
 
Por *Paulo Navarro de Moraes
 
Após 11 anos de peregrinação, incluindo um estágio recente de quase 3 anos em uma gaveta, a Câmara Federal finalmente aprovou, com ares de comemoração, sua versão da regulamentação da Emenda Constitucional 29. O texto aprovado na Câmara tem o mérito de definir o que pode ser incluído como despesa em Saúde, mas não muda nada naquilo que era mais aguardado pelos defensores de um sistema público universal: a parcela que cabe à União do financiamento do SUS segue sendo o piso do ano anterior acrescido da variação nominal do PIB.
 
E o que parece mais surreal: ao excluir os recursos do FUNDEB das bases de cálculo estaduais e excluir a base de cálculo da Contribuição Social para a Saúde (CSS) – tornando-a inócua – a proposta aprovada na Câmara presenteia o Sistema Único de Saúde com uma redução de cerca de R$ 7 bilhões anuais, na semana em que o SUS completou 21 anos. O projeto segue para apreciação do Senado onde, espera-se, seja corrigida essa aberração.
Ao reduzir o orçamento global do SUS, a proposta aprovada na Câmara vem desafiar os militantes do SUS e o movimento #PrimaveradaSaúde a uma reação firme e objetiva. Em primeiro lugar, é preciso se ter clareza sobre qual proposta de regulamentação estamos defendendo, indo além da bandeira de “mais recursos para a saúde”. Além de definir o que pode ser considerado despesa com Saúde, ela deve:
 
1.Garantir a responsabilização tri-partite pelo financiamento;
2.Garantir a transparência e o controle social efetivo sobre a utilização dos recursos; e
3.Garantir um piso mínimo de 10% da Receita Corrente Bruta da União vinculados ao orçamento do Ministério da Saúde.

Tendo clareza de que esta é a regulamentação que interessa ao SUS e ao povo brasileiro, é fundamental que o movimento, da maneira mais transparente possível, construa as bases políticas que permitam sua aprovação e efetivação. Para isso, é imprescindível manter um vínculo concreto com a realidade e com a correlação de forças políticas que existem no Brasil de hoje. E saber construir um vigoroso movimento na sociedade, um movimento que consiga fazer o diálogo, que aproxime as forças políticas que defendem a saúde pública, superando outras divergências no sentido de construir uma mudança nessa correlação de forças – que hoje favorece claramente os interesses dos grandes grupos econômicos.
 
Fazendo uma análise de conjuntura grosseira, não é difícil concluir que, apesar dos nossos anseios e da justeza da reivindicação, é absolutamente improvável uma virada brusca na política macro-econômica, que se faça uma ruptura com o capital financeiro de forma a cortar drasticamente o montante de recursos destinados ao pagamento da dívida pública, pondo em risco a tão propalada estabilidade e a segurança do mercado em prol de políticas públicas promotoras de cidadania. Uma virada desta natureza, na minha humilde avaliação, ainda requer uma mudança no patamar de conscientização da sociedade brasileira que determine uma alteração na correlação de forças que, infelizmente, ainda não está na ordem do dia.
O movimento terá que fazer, ao meu ver, uma escolha, consciente e às claras: trata-se de fincar bandeiras e demarcar campo apenas, ou trata-se também de, objetivamente, alcançar conquistas concretas para a população no campo da saúde? Faço sem quaisquer pudores a segunda opção, por entender que a conquista de direitos e da cidadania é o caminho mais eficaz para a conscientização que ainda se faz necessária para se construir uma nova hegemonia na sociedade brasileira.
 
Se o movimento fizer essa escolha, não resta muito o que discutir: será preciso encontrar novas fontes de recursos para viabilizar a aprovação de uma regulamentação que, se não resolve a questão do subfinanciamento, como bem disse Nelsão na comemoração do Aniversário do SUS, ao menos recoloca o barco no rumo certo. O que é uma vitória no contexto atual.
 
Existem no momento diversas ideias para se conseguir esses novos recursos: sobretaxação de produtos reconhecidamente nocivos à saúde, como cigarros, bebidas alcóolicas e agrotóxicos; aumento de taxas para proprietários de motos e veículos via DPVAT; fim da incidência da Desvinculação das Receitas da União (DRU) sobre os recursos da saúde – como já ocorre na educação; taxação de Grandes Fortunas; fim da renúncia fiscal para planos de saúde e indústria de medicamentos (que somam mais de 12 bilhões de reais por ano!), entre outras propostas.
 
E existe, concretamente, a proposta de criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), que foi desfigurada na votação da Câmara. Trata-se, do meu ponto de vista, de uma tributação progressiva, que vai incidir apenas sobre pequena parcela da sociedade, tendo impacto praticamente nulo para a inflação e para a maioria da classe trabalhadora do Brasil. A proposta de alíquota de 0,1%, que não incidirá sobre aposentadorias, pensões e salários de trabalhadores registrados até o valor de R$ 3.700 mensais (isentando mais de 95% dos assalariados), com todo o recurso arrecadado indo necessária e exclusivamente para o Fundo Nacional de Saúde, ainda agrega a vantagem adicional de auxiliar o combate à sonegação e à corrupção, por facilitar o rastreamento das transações do mercado financeiro.
 
Talvez venha daí a grande resistência à CSS por parte da grande mídia empresarial, que historicamente representa os interesses dos grandes grupos do capital, e que acaba influenciando parcela significativa da opinião pública. Por outro lado, segundo esses mesmos meios de comunicação, o governo e o PT teriam simpatia pela proposta. Se for verdade, é preciso que a #PrimaveradaSaúde e a esquerda brasileira tenham a sensibilidade de apoiar o governo em um raro momento, ainda pontual, em que se propõe a contrariar os interesses do capital. E buscar avançar na limitação da dedução dos gastos com saúde no Imposto de Renda e outras alternativas que somem o montante necessário, sem onerar a classe trabalhadora e os pobres do Brasil.
 
A regulamentação que foi aprovada, lembrando Drummond, é feia. Mas é uma flor? NÃO. Vai caber à #PrimaveradaSaúde buscar uma alternativa que a transforme numa flor que “fure o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”. Que floresça e faça sentido melhorando a vida das pessoas, garantindo cidadania em sentido lato. Que pode até ser feia – ninguém gosta de defender novos tributos – mas que seja uma flor.
Conquistar a regulamentação que aqui defendemos, com pelo menos 10% da receita corrente bruta da União vinculada à Saúde, terá um preço. Cabe a nós lutar para que este preço seja pago pela parcela mais rica da população, reduzindo um pouco a brutal concentração de renda com que convive a sociedade brasileira. Ou então ver o triste fim de uma das principais bandeiras da Reforma Sanitária e de quem luta pela Saúde do povo brasileiro.
 
É feia. Mas é uma flor!
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
(Carlos Drummond de Andrade)
Médico residente em Medicina Preventiva e Social – DMPS/UNICAMP, presidente da Associação dos Médicos Residentes do Estado de São Paulo (AMERESP) e diretor ad-hoc do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).
 
Outros especialistas opinam sobre a regulamentação da EC 29 (Clique aqui)
 
Fonte: Blog do cebes


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