Com a iminência, esperamos todos, da votação da regulamentação da Emenda Constitucional 29 pelo Congresso é oportuno analisar a situação das santas casas e hospitais beneficentes, que formam uma rede fundamental para a sustentação do SUS.
O setor filantrópico de saúde é composto por quase 4 mil unidades no Brasil. Todas elas, no momento, enfrentam dificuldades financeiras provocadas pela parcela de sua operação destinada ao atendimento público que, em média, é de mais de 80% da capacidade total.
Os hospitais têm um déficit anual de R$ 4 bilhões no atendimento ao SUS. Em 2010, empregaram 12 bilhões na assistência gratuita e receberam R$ 7,9 bilhões do Governo. A sobrevivência só tem sido possível pela mitigação do prejuízo com receitas particulares, que, em muitos casos, vem da própria população em forma de doações.
O centro do problema é a defasagem da tabela de procedimentos do SUS. Esse documento determina quanto o Governo deve pagar por cada intervenção realizada nos pacientes da rede pública. Nele está estabelecido, por exemplo, que o hospital receba R$ 450,00 por um parto. Mas o custo real é de R$ 900,00.
Essa subavaliação ocorre em todos os itens da tabela. No geral, o déficit é de 40%, ou seja, para cada R$ 100,00 gastos os hospitais recebem R$ 60,00. E isso ocorre há anos.
As Santas Casas e Hospitais Beneficentes são responsáveis por 1/3 do sistema de saúde do país. Todos os anos realizam 185 milhões de atendimentos ambulatoriais gratuitos. No Estado de São Paulo respondem por 33 mil dos 65 mil leitos existentes. Também é importante lembrar que 70% das unidades estão localizadas em municípios com até 30 mil habitantes onde, em grande parte, é a única alternativa de atendimento público.
Os filantrópicos permitiram a criação do SUS, uma das maiores conquistas sociais do Brasil, já que o Estado não dispunha à época, e não dispõe hoje, de uma estrutura capaz de suportar a universalização da assistência. Para vencer esse obstáculo a administração pública estabeleceu um acordo com a rede beneficente, que colocou seus hospitais à disposição do projeto. Essa parceria público-privada é a espinha dorsal do SUS e colapso das Santas Casas e Hospitais Beneficentes coloca em risco o sistema.
Privado de direito, o setor filantrópico pode ser considerado público de fato. Sua missão e a filosofia dos seus gestores e funcionários é servir a população, principalmente os mais carentes. A maioria dos seus hospitais utiliza mais de 90% da capacidade no atendimento gratuito, embora a legislação exija apenas 60%.
Mas está mais difícil para as Santas Casas cumprirem esse papel social. Algumas fecharam as portas e muitas estão diminuindo o número de atendimentos para o SUS como forma de atenuar o déficit operacional.
É importante esclarecer que a reivindicação do setor filantrópico não é por lucros, já que as instituições não têm esse fim. Não se trata de um negócio. O alerta é para a necessidade de um fluxo de receitas que cubra as despesas. Quando um hospital deixa de atender um paciente do SUS não o faz porque não é vantajoso, mas porque não é possível.
É imperativo que o Congresso aprove leis que garantam recursos para a saúde. As autoridades não podem mais adiar a regulamentação da Emenda Constitucional 29.
Ao mesmo tempo é urgente retomar uma interlocução produtiva entre Governo e entidades em busca de equilíbrio financeiro. E a partir da premissa de que não é possível permitir o distanciamento dos filantrópicos da saúde pública, estabelecer compromissos, aparar arestas e voltar a produzir em conjunto.
Chegou a hora de reafirmar, com bases realistas, o pacto que viabilizou a criação do SUS, ferramenta que permite ao Estado cumprir seu dever constitucional de prover saúde para a população. Temos essa obrigação com os brasileiros e as instituições filantrópicas não pretendem fugir da responsabilidade.
* Edson Rogatti é diretor-presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo