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PL quer garantir liberdade sexual de deficiente mental

 
Ela o chamava de “meu marido” e tinha deficiência mental. Ele, retribuindo, referia-se a ela como “minha mulher” e tinha desenvolvimento mental limítrofe. Um dia, depois de uma discussão e 15 anos de convivência em união estável, a Polícia apareceu na residência dos dois. O homem foi levado para a delegacia, acusado de estupro de vulnerável. Se depender de um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, casos como esse, narrado pelo defensor público Gustavo Junqueira, deixarão de existir.
 
Da história narrada até hoje, entende-se por estupro de vulnerável a conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos ou com pessoa que, em decorrência de enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento do ato ou não possa oferecer resistência. O tipo penal de estupro de vulnerável foi adicionado à legislação penal material por meio da Lei 12.015, de 2009.
 
Pelo Projeto de Lei 1.213, de 2011, a ideia de vulnerabilidade passa a ter dois aspectos, um relativo e outro absoluto. O texto foi apresentado pelo deputado Carlos Bezerra (MT). Segundo o parlamentar, “a alteração dos dispositivos penais relacionados à violação da liberdade sexual representou um avanço; porém, manteve um erro com relação às pessoas portadoras de necessidades especiais quanto ao discernimento, suprimindo-lhes a prática sexual”.
 
A ideia concebida pelo deputado teve inspirações em outro texto. Em artigo publicado em 2009, na APMP Revista, o procurador de Justiça Oswaldo Henrique Duek Marques, ao lado do psiquiatra Davi Alves de Souza Lima, escreveu que “a sexualidade é um fato importante para o desenvolvimento da personalidade e as expressões de sexualidade não devem ser recriminadas, mas sim tratadas como algo natural”.
 
No mesmo artigo, eles escrevem que “o discernimento diz respeito a questões racionais, conscientes, vinculadas à lógica do pensamento e do julgamento, sobre as quais há reflexão”. Os autores explicam, ainda, que “nos aspectos relacionados à sexualidade, embora possam passar pelo crivo do discernimento, as questões instintivas e relacionadas à pulsão, que norteiam a vontade, podem ter predominância sobre a racionalidade e estão presentes tanto em pessoas consideradas normais, quanto naquelas que possuem deficiências ou transtorno mental”.
 
Não é o que vem acontecendo hoje, como conta Gustavo Junqueira, que também é professor de Direito Penal da PUC-SP. Segundo ele, essa é uma reivindicação antiga. “A proposta tem como base a lei portuguesa sobre o assunto”, lembra. Pela lei de Portugal, “quem praticar ato sexual de relevo com pessoa inconsciente ou incapaz, por outro motivo, de opor resistência, aproveitando-se do seu estado de incapacidade é punido com pena de prisão de seis meses a oito anos”.
 
“Às vezes, o deficiente mental estabeleceu uma relação construtiva e de afeto verdadeiro”, explica, como no caso do casal que foi separado. Um dos principais pontos da proposta é que ela passa a considerar os relacionamentos regados pela afetuosidade.
 
O que a proposta pretende fazer é mudar a redação do artigo 217-A do Código Penal, de modo a incluir que será considerado estupro de vulnerável a prática de sexo ou qualquer outro ato libidinoso com alguém que, por deficiência mental ou qualquer outra causa, esteja impossibilitado de manifestar sua vontade ou de oferecer resistência a estes atos. Ou seja, é importante que seja demonstrado que o acusado se aproveitou da situação e do desenvolvimento mental incompleto da vítima.
 
Um ponto é consensual entre os criminalistas que falaram à Consultor Jurídico. A redação atual, como está, é carregada de preconceitos. Para Junqueira, a tipificação corrente retira a liberdade sexual do portador de deficiência mental. Duek Marques, por sua vez, ao saber da existência da proposta, disse que o projeto tenta preencher a lacuna na legislação e a amplitude da interpretação.
 
Thiago Anastácio, criminalista associado ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa, disse que a proposta “parece viabilizar a análise da união com o portador de deficiência mental”. “A felicidade é um dos objetivos da Constituição Federal”, aponta. Sobre a expressão “deficiência mental” adotada pela proposta, o advogado lembra que a legislação penal é o último recurso — a ultima ratio — a ser empregado a fim de tutelar os bens jurídicos.
 
Logo, frisa ele, o melhor a se fazer é adotar o conceito de capacidade de outra área do Direito. Segundo o artigo 3º do Código Civil, são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos, ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
 
Ao falar sobre o assunto, Martim de Almeida Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, destacou dois pontos que considera lacunares na proposta apresentada pelo deputado, que, segundo ele, sai do campo jurídico e vai para o psiquiátrico.
 
“O texto é vago ao falar da manifestação da vontade e de como ela se dá. Esse limite é tênue. Por isso, a discussão vai buscar respostas na doutrina e na jurisprudência”, opina. Segundo o advogado, o projeto é incerto também ao conceituar o portador de deficiência mental. “Quem é ele? O que é doença mental?”, indaga. A saída, conta, talvez seja um linguajar mais técnico.
O projeto aguarda parecer da Comissão de Seguridade Social e Família e será analisado pela de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois será votada em Plenário.
 
"Moças de 12 anos"

O PL 1.213 se abstém de aplicar a ideia de manifestação de vontade para casos em que a vítima tem menos de 14 anos. Para Guaracy Moreira, que é professor de Criminologia na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “a presunção deve ser absoluta quando o fato for cometido com menores de 14 anos. A vontade que venha ou se manifeste com mais de 14. Antes, não”.
 
Ao comentar o projeto de lei, o advogado Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócio de escritório homônimo, diz que a lei não pode punir o portador de deficiência que pratica sexo. "Quem pratica conjunção carnal com o doente não necessariamente está incorrendo em crime", conta.
 
O advogado vai além. Para ele, essa relativização deveria ser estendida aos casos nos quais o sexo é praticado com menores de 14 anos. Citando voto do ministro Marco Aurélio, do Supremo, no qual ele fala que "nos nossos dias, não há crianças, mas moças de 12 anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades". Por isso, o professor frisa a necessidade da relativização do tipo e da análise do caso concreto — tanto para a primeira, quanto para esta hipótese.
 
Fonte: Conjur


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