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2012 - 27 - 648 - DOMINGUEIRA - PLANEJAMENTO MUNICIPAL DE SAÚDE - 104

1.PRIMEIRA PÁGINA – TEXTOS DE GILSON CARVALHO
 
PLANEJAMENTO SIMPLIFICADO, ASCENDENTE E PARTICIPATIVO
 
Gilson Carvalho[1]
 
1.     INTRODUÇÃO
 
Vou tratar aqui do que denomino Planejamento Operacional e que, durante décadas, uso na área de saúde. Tenho certeza de que minha maneira de ver o planejamento terá a crítica dos  doutos planejadores que bem entendem da matéria. Planejam com maestria acadêmica e com propriedade prática do sempre fazê-lo e ministrar cursos. Estes oscilam em suas crençasentre o Planejamento Estratégico Situacional - PES do Carlos Matus/Mário Testa ou o tradicional normativo, cujo melhor exemplo é a técnica CENDES-OPS com suas variações explícitas ou implícitas. 
Com todo respeito aos conhecimentos e convicções dos mestres em planejamento faço uma mistura “caipira” dos dois extremos, tendendo mais a fazer um PES descomplicado. PES sem ritualística exagerada. Nunca tive chance de ver aplicada a técnica e mantida funcionando na prática do dia a dia. Menos ainda a aplicação prática de forma concomitante em todos os setores e áreas de uma Secretaria Municipal de Saúde.
Durante muitos anos tenho discutido com o pessoal que trabalha como liderança e chefia na saúde, uma metodologia singela, simplificada e da mais fácil compreensão. Minhas observações são dicas que não têm a pretensão de se considerar um método operacional de planejamento. Outra observação foi que este jeito de planejar já pode ter sido exposto e registrado por terceiros. Este texto deve ser a somatória destes autores e não meu, pois acabei lendo muito e mais: sou dotado de orelha grande... atenta. Vivo aprendendo dos outros e depois nem sei de que fonte bebi, mas, tenho certeza que bebi o conhecimento e não inventei a bebida.
O que importa é que sou contra a idéia de planejadores que planejam para os outros. Sou a favor de que todos planejem com a ajuda de alguém que dê apoio ao processo. Só admito planejador numa secretaria de saúde como aquele que orienta e faz funcionar o processo participativo, ascendente,  e mesmo assim não deve ser desvinculado do apoio necessário à qualificação do cuidado. Dá o tom, apoia e faz a parte burocrática a partir da idéia e contribuição do coletivo, em qualquer dos lugares que ocupem.
Defendi assim que todos planejem sua área o que não impede que analisem a realidade de outros setores. Que façam suas propostas como recebam propostas dos outros.
Este método não é teórico pois já o usei em algumas secretarias em oportunidadesoutras. Apliquei eu mesmo como Secretário Municipal de Saúde de São José dosCampos com grande vantagem. Vamos detalhá-lo mais à frente.
As linhas mestras estão dadas e devem servir para adequar o caminho à realidade local. Por exemplo, vou trabalhar em várias frentes como a identificação daabordagem às doenças e agravos à saúde.
O caminho deve ser adequado sempre ao tempo e lugar. A finalidade de um bom planejamento é identificar o que deve ser feito para que as pessoas não fiquem doentes, não tenham acidentes e não morram cedo.
Como deve ser feito este planejamento? Ele deve ser feito por todas as representações dentro da área de saúde. O governo com toda sua hierarquia. Os profissionais de saúde. Os prestadores de serviços de saúde. Os representantes dos cidadãos usuários. Estas quatro representações da sociedade são membrosnatos do Conselho de Saúde que deve existir em cada esfera de governo. Os Conselhos de Saúde ajudam a definir o plano de saúde e o aprovam. Depois fazem o controle nos aspectos econômicos e financeiros.
Divido este texto em três partes: PLANEJAMENTO SIMPLIFICADO E OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS; PLANEJAMENTO ASCENDENTE E PARTICIPATIVO; CONCLUSÕES.
 
1.     PLANEJAMENTO SIMPLIFICADO E OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS
 
O conceito rotineiro de planejamento é daquela operação que fazemos antes de agir. Antes de fazer alguma coisa. Neste conceito dividimos a operacionalização de nossa ação que pode até ser concomitante: planejar o que será feito; depois executar e só depois avaliar.
Falo em concomitância pois o planejar é permanente nos reajustes necessários diante de situações e fatos novos deparados na execução e diante de dados da avaliação permanente. Planejar se  confunde e se mistura com o executar e o avaliar.
Falamos em planejamento como uma operação formal. Mas existe o planejamento informal, permanente, por vezes nem mesmo identificável, mas que orienta todas nossasações. Estamos sempre e permanentemente planejando. Planejamento a longo, médio e curto prazo.  O planejamento informal acompanha nossas vidas e nossas ações. Chego a classificar como o maior planejador do Brasil o indivíduo que sobrevive com a família com até um salário mínimo. Segundo dados do IPEA existem 16 milhões de famílias nesta situação.
Como a gente planeja alguma coisa?
O planejamento tem três fases. A definição do objetivo , a definição da situação em que estamos em relação ao objetivo e finalmente a definição de como chegamos de um ponto ao outro. Ponto “A” (objetivo); ponto “B”(situação) e a dinâmica de definir como vamos de um ponto a outros.
 
DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS
Na primeira fase delas tenta-se definir exatamente o que queremos. Os objetivos podem ser os mais diversos, mas sempre existem. Podem ser amplos e mais limitados, pontuais. Vão desde o planejamento de nossa sobrevivência até o planejamento das ações mais sofisticadas como as humanas, individuais ou empresariais.  Mais uma vez lembro que nem sempre são  formais, registradosmecanicamente, mas precisam estar sob a nossa visão, para que não nos distenciemos delas. Muitos nos perdemos neste caminhar, principalmente nas ações que são coletivas e principalmente públicas.
 
DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÃO
A segunda operação é a análise de situação. A percepção e análise de onde estamos. Sempre esta avaliação de situação deve ser feita em relação ao objetivo que se pretende atingir.  Cada vez que analisamos nossa posição sem levar em consideração nosso objetivo atendência é fazer uma análise conjuntural imperfeita e incompleta. Alguns planejadores querem começar pela análise de situação e só depois fazer a definição dos objetivos. Tenho convicção que primeiro deva ser sempre a definição de objetivos, de onde se quer chegar, para depois avaliarmos ondeestamos, se mais perto ou longe de nossos objetivos. Para isso, a definição de objetivos deve ser compartilhada com comunidade ou corremos o risco de propor objetivos pessoais e não coletivos em relação à população com que se trabalha.
 
COMO IR DE ONDE ESTAMOS PARA ONDE QUEREMOS IR
Sabendo onde queremos chegar e onde estamos, nossa terceira tarefa é definir que caminho será trilhado para se conseguir chegar, atingir os objetivos. Este caminho é de construção bem complexa. Tem-se que saber o melhor caminho e os caminhos alternativos, diante de situações que mudam. Os caminhos dependem dos recursos materiais, financeiros e humanos de que se dispõe. Das armadilhas interpostas e dos apadrinhamentos facilitadores.
 
Em resumo podemos definir este planejamento operacional como resposta a três perguntas e sempre nesta ordem:
1) ONDE QUEREMOS IR?
2) ONDE ESTAMOS EM RELAÇÃO A ESTE OBJETIVO?
3) COMO VAMOS DE ONDE ESTAMOS, PARA ONDE QUEREMOS IR?
 
Brincamos que estas três perguntas são conhecidas pelo nosso homem simples de interior, morador da roça e denominado de caipira na lingua tupi. O linguajar é bem típico de interior.As perguntas são expressas pelos termos: ONCOVÔ? ONCOTÔ?CONCOVÔ? Que traduzindo sem comer síladas seriam estas três palavras: onde que eu vou (ONCOVÔ); onde eu estou (ONCOTÔ) e como que eu vou (CONCOVÔ).
Quando estamos planejando com o pessoal técnico e não com a comunidade em geral, podemos acrescentar uma quarta questão que é COMO AVALIAR NOSSO DESEMPENHO ( NO CAIPIRAL: CUMÉQUITÁINU?)
Vamos fazer este planejamento simplificado para nossas secretarias municipais de saúde. “Planejamento Estratégico Caipiral”.
 
 
Para ilustrar desvios e viéses tive uma contribuição de meu amigo Wanderson, que contou-me uma historinha da juventude.
 
 
 
“Estava eu em BH, nos idos 70 descendo (a pé) a rua Espirito Santo em direção a Afonso Pena quando deparei-me com uma moça tentando manobrar o carro. Todo galanteador, metido a besta , ofereci-me para ajudá-la. – “Vira para cá, disterça, vai pra frente, disterça, ré...etc  Finalmente todo vaidoso falei: - “Está otimo, muito bem estacionado! Então, a mineirinha comentou -“Uai ! Eu tava querendo era sair da vaga!”  Tem-se que saber discernir ou eleger as necessidades detectadas, sentidas das reais necessidades da população de quem nem sempre somos bons intérpretes."
 
PARA ONDE EU QUERO IR E LEVAR AS PESSOAS EM RELAÇÃO À SAÚDE?
Em última análise o que queremos  para nós e para todas as pessoas é que tenhamos maior bem-estar. Sejamos o mais felizes possível. Na área de saúde podemos detalhar este objetivo a ser atingido como “ajudar as pessoas a só morrerem bem velhinhas, sem nunca terem ficado doentes (quase impossível) e se ficarem doentes que sarem logo e de preferência semsequelas.” (O POVO DOS PLANEJADORES CHAMA ISTO DE MISSÃO)
 Esperamos   que esta situação possa significar maior bem estar e felicidade para as pessoas. Sabemos que este objetivo é próprio da saúde, mas, não depende só dela e por vezes nem principalmente dela. Saúde ocorre na dependência dos condicionantes e determinantes que são os mais variados incluindo questões do âmbito econômico e social.
Aqui, nós da saúde temos um grande viés. Colocamos nosso objetivo como as questões do processo. Este planejamento equivocado leva a ações erradas. Não podemos colocar nosso objetivo final, como sendo os objetivos parciais, transitórios. Por exemplo. Ficamos perdidos para conseguir maior número de consultas, mas nem sempre fazer maior número de consultas significa ter mais saúde.  Podemos citar inúmeros exemplos desta distorção.
 
 
ONDE ESTOU EM RELAÇÃO A ONDE QUERO CHEGAR?
Esta operação corresponde ao conhecido diagnóstico de situação. Muitas vezes se quer planejar a partir do diagnóstico de situação. Esta posição é formalmente equivocada. Formalmente por que? Sempre, informalmente, usamos o paradigma de onde queremos chegar para definir onde estamos. Na saúde o diagnóstico de onde estamos deve ser feito a partir da análise de que morrem e adoecem as pessoas naquele território. Os  detalhes destas mortes e doenças, em que idade, com que gênero, em que situação sócio econômica. Hoje temos um nome oficial para isto (Dec.7508) que é o mapa da saúde que pode ser comparado com a antiga carta sanitária.
 
COMO DEVO CAMINHAR DE UMA POSIÇÃO A OUTRA?
Esta fase deve significar o caminho, a trajetória, o ferramental para nos deslocarmos de uma posição a outra.
Para este caminho já existe um balizamente dado pela CF e pelas Leis de Saúde federais, estaduais e municipais. A questão saúde não é nova no cenário brasileiro. Para enfrentá-la e garantí-la para todos houve uma luta de décadas no pré-constitucional que continua décadas depois da vigência da CF. Como caminho para se conseguir a saúde para todos, foram criados objetivos, princípios, diretrizes, funções etc. A ação de saúde deve ter sempre três vertentes: promoção (mexer com as causas agindo principalmente através de 3caminhos: alimentação saudável, cuidados de higiene e proteção ao corpo e exercícios físicos; provocar as outras áreas responsáveis pelos condicionantes e determinantes da saúde); proteção (mexer com os riscos específicos de adoecer, fazendo vacinas, exames preventivos etc) ; recuperação (tratar de quem já está doente).
Trabalhar com integralidade das ações de saúde desde as mais simples às mais complexas. Trabalhar com todos os cidadãos sem fazer discriminação nem de ricos, nem de pobres. Tratar a todos igualmente dando mais para aqueles que têm mais necessidades de saúde. A especificação das competências de cada esfera de governo, o financiamento trilateral, a participação da comunidade no planejamento e controle. Existem vários outros princípios e diretrizes tecno-assistenciais e tecno-gerenciais.
Esta aí, em suma, aquilo que deve ser feito em termos de planejamento operacional, simplificado. Os novos governos municipais da saúde que já devem, em época de campanha, ter traçado as principais diretrizes do planejamento agora é o momento de entrar no planejamento mais detalhado de algumas questões.
 
1.     TÉCNICA DE PLANEJAMENTO ASCENDENTE E PARTICIPATIVO
 
A idéia de planejamento participativo parece ser recente e levada a cabo por partidos de esquerda. Não é bem assim. Em 1979 participei como Diretor do Departamento Médico Odontológico no governo municipal de São José dos Campos, sendo prefeito Joaquim Bevilacqua. Naquele retorno à democracia em São José dos Campos . Joaquim foi o primeiro prefeito eleito, depois de vários anos da ditadura com prefeito nomeado. Com ele aprendi a trabalhar com orçamento participativo. Joaquim, o prefeito, idealizou uma participação da populaçãoatravés dos escolares e seus familiares para definir problemas da cidade e sugerir soluções. Foi muito rico o processo e os resultados.
Depois disto acabei simplificando a metodologia e adaptando-a a situações pontuais e a segmentos da população. Este planejamento ascendente e participativo em resumo trabalha com três questões que são as abaixo.
 
1.     QUAIS OS PROBLEMAS MAIS IMPORTANTES QUE VOCÊ IDENTIFICA NO SETOR SAÚDE?
 
1.     A QUE CAUSAS – CONDICIONANTES e/ ou  DETERMINANTES VOCÊ ATRIBUI ESTES PROBLEMAS?
 
1.     QUAIS AS SOLUÇÕES QUE VOCÊ PROPÕE PARA ATINGIR ESTAS CAUSAS E ESTES PROBLEMAS?
 
Aqui temos uma proposta-chave: identificar problemas, causas e soluções. Rapidamente aprendi ser essencial ouvir as pessoas, fazer escuta, dar chance de que falem. Todas as pessoas podem ter contribuições tanto na identificaçao dos problemas, como no apontar possíveis soluções. Na tabulaçao de dados, apuração das respostas, não utilizar apenas seu pessoal técnico, mas pedir a contribuição de conselheiros com destaque para os representates dos usuários.
Depois, o principal, usar na prática tanto os bons diagnósticos, como as boas soluções. Usar e saber atribuir a autoria. Dar os créditos. Esta pesquisa ascendente e participativa pode ser feita de forma geral ou por segmentos. Pode ser genérica ou pode ser para problemas pontuais. Por exemplo. O problema: falta de médicos nos serviços públicos de saúde. Como pode ser esmiuçado este problema e discutidas as soluções?  Por que não fazer esta pesquisa com os médicos da rede: problemas, causas, soluções? Com outros profissionais em especial. Podem haver soluções nem pensadas pelos gestores, mas que podem ser essenciais.
 
Um complemento desta idéia é, diante de problemas específicos, com participação de grupos restritos fazer um tipo de premiação para idéias consideradas vitoriosas. Pode ser financeira, pode ser de folgas, de prêmios etc. O importante é ouvir, auscutar a comunidade por inteiro ou por segmento para “sugar dela” sugestões para melhorar a saúde e busca de soluções para os problemas.
O plano de saúde não pode ser uma soma do planejado por áreas. Todas  as áreas devem se comprometer em participar desde o início, na ausculta coletiva da comunidade, e construir um plano comum. A escuta deve estar ligada à capacidade e compromisso de informar a comunidade da responsabilidade de todos pela saúde. Como exemplo: os dados epidemiológicos, ambientais, sociais, sanitários devem ser sistematizados para que a população da comunidade consultada se aproprie deles para apontar aquilo que deva ser feito. Nos municípios pequenos e médios, em geral é necessárioapenas uma abordagem com dados. Nos municípios maiores estes dados devem serdesmembrados por região ou por tema.
 
 
1.     CONCLUSÕES
 
Planejar não é um bicho de sete cabeças para ser apenas entendido e enfrentado pelosiniciados planejadores. Muito menos por entendidos de fora. É essencial queseja feito ligado à gestão e seu pessoal, ainda que se possa ter a ajuda, oapoio de externos.
Todos precisamos usar da metodologia do planejamento para melhorar a eficiência das ações e serviços de saúde. Não nos esquecermos que o que vai no plano só setorna viável no momento em que for colocado nas leis orçamentárias que serãoaprovadas pelo legislativo. Só lá o plano é vivificado. Mais: o plano tem que ser aprovado no Conselho de Saúde. A sequência lógica: nada pode ser feito que não estiver previsto no orçamento; nada pode ir ao orçamento que não esteja no plano de saúde; nada pode ir ao lano de saúde que não tenha sido aprovado pelo Conselho de Saúde.
Vale lembrar que a Lei 8080 coloca com clareza meridiana que deve ser usada a epidemiologia para se fazer planejamento e alocação de recursos. Lei 8080, Art.7 VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática.
As atitudes em relação a isto são: identificar e valorizar o correto; identificar e corrigir o errado; estar alerta para identificar o novo que pode significar novos desafios e atitudes.
 


[1] Gilson Carvalho – Médico Pediatra e de Saúde Pública – Textos disponíveis no site www.idisa.org.br  - copyleft
 
 
2. SEGUNDA PÁGINA – TEXTO DE CONVIDADOS
 
“Problema do SUS é o abandono da gestão pública”
Para a professora e pesquisadora da FGV, Sônia Fleury, a ideia de integração entre o público e o privado se traduz em um sistema público que virará um financiador da área privada
Se as eleições fossem hoje e os candidatos do setor de saúde estivessem divididos entre Público e Privado, o voto da professora titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas, Sônia Maria Teixeira Fleury, provavelmente seria na primeira opção. “O que está acontecendo é uma terceirização geral não só da função gerencial, mas também da atenção, que é precípua do setor público”, afirma sobre a participação da iniciativa privada nas modalidades de PPP. Psicóloga de formação, Sônia teve sua trajetória marcada pela política e sociologia na área da saúde. Participou da Reforma Sanitária e passou pela Fiocruz. Sônia, conversou com a FH, por telefone de sua casa no Rio de Janeiro. Veja os principais trechos a seguir.
 
Revista FH: Estamos em ano de eleições municipais e Saúde é apontada pelos eleitores como um dos principais problemas em muitas cidades. Por outro lado, as campanhas atendem o pedido explorando ao máximo o assunto. Como você analisa a responsabilidade do cidadão nesse contexto?
Sônia Fleury: Não falta participação da cidadania demandando. Acho que falta, por exemplo, possibilidade dela ser mais efetiva nas unidades de saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) tentou a participação, mas no nível do sistema e, não, nas unidades. No máximo há uma ouvidoria ou assistente social e nada mais para que a pessoa faça valer sua vontade, as pessoas poderiam ter algum tipo de controle, isso poderia ser introduzido. Ademais, uma fiscalização maior também dos próprios conselhos em relação ao que está sendo feito e aos gastos com saúde, porque eles são poucos transparentes e pouco acompanhados pela população.
FH: Então, nesse caso, você acha que deveria ter mais ouvidorias dentro das unidades básicas de saúde?
Sônia: 
Sim, se elas tivessem algum tipo de poder. Acho que as ouvidorias poderiam estar ligadas ao próprio sistema de promotorias para que elas tivessem efeito, porque só fazer uma reclamação na ouvidoria e não ter resultado também não adianta. É possível ter conselhos de moradores e profissionais que participem do controle social dentro das unidades, e não só nos níveis municipal, estadual e federal.
FH: Uma das pesquisas que você coordenou é justamente sobre a inovação na gestão de saúde na esfera municipal. Onde o gestor de saúde de hoje pode inovar?
Sônia:
 A pesquisa compara, no período de 10 anos, o processo de descentralização e inovação em três dimensões: social, que envolve a inovação com a sociedade, a gerencial e também a assistencial. Na primeira pesquisa, os resultados mostravam grande diferença entre estas três curvas. Havia muito mais inovação social- isto foi até um pré-requisito para a descentralização do SUS, ou seja, criação de conselhos e de algum tipo de participação e prestação de contas junto à sociedade- e havia menos inovação gerencial e menos ainda assistencial. Depois de 10 anos houve uma mudança e na área assistencial ocorreram muitos incentivos do governo com o Programa Saúde da Família, Saúde Bucal, entre outros. Estas inovações foram disseminadas no Brasil inteiro em nível municipal. Portanto, hoje, a questão mais séria é a gerencial. É a que aparece como a menos inovadora e entra como o maior problema.
FH: Como você acha que os gestores poderiam mudar essa situação? Isso depende deles ou de alguma política de nível federal?
Sônia: 
As duas outras dimensões, assistencial e social foram induzidas pelo poder central. Acho que a área gerencial mereceria o mesmo esforço. O que vemos, claramente, quando analisamos o perfil dos mais inovadores, e isso é mais do que orientação política ou este tipo de coisa, é que os mais inovadores, no geral, fizeram cursos específicos para administrar e gerir. Portanto, a difusão massiva de educação gerencial poderia ser feito por meio do próprio ministério. Acho que um convênio com outras áreas é possível. Da mesma forma que se fez um esforço massivo para incentivar programas como o PSF, que deram resultados, também deveria se fazer para a qualificação da gestão na área de saúde. Acho que é possível e deve ser feito tanto pelo próprio gestor quanto pela indução do nível regional ou central.
FH: Entre os mecanismos de controle social estão os Conselhos Municipais de Saúde. Como você avalia o trabalho desses conselhos?
Sônia: 
Os conselhos são para a gestão do sistema municipal e não para o serviço. Acho que deveriam existir as duas coisas, pois esses conselhos não têm capilaridade. Se eles existissem nos locais de atenção, poderiam receber mais informações, não só em relação ao sistema, mas também em relação às unidades. Acredito que os conselhos têm tido papel importante, principalmente em lugares onde há uma sociedade civil mais organizada, com mais consciência e capacidade de exercer a função de controle social. Claro que o Brasil tem diferenças enormes e há uma diversidade muito grande. O que se mostrou é que parte dos conselhos aprovou as contas dos orçamentos estaduais enquanto muito dos Estados não cumpriam o percentual legal da sua contribuição, então isso mostra que ele não tem cumprido plenamente as suas funções, apesar de serem interlocutores importantes da sociedade. Mas, muitas vezes, a própria autoridade governamental passa por cima do conselho, um exemplo é a tensão que está ocorrendo no Mato Grosso, em relação à contratação de OSS. O Conselho Estadual é contra e definiu uma norma contrária, mas o Executivo foi adiante. Portanto, nas decisões mais importantes, os governantes não querem passá-las pelo conselho.
FH: Na sua opinião, o que tem, de fato, avançado na Saúde, na esfera Municipal? No projeto de municipalizar o SUS e levar mais acesso à saúde?
Sônia:
 A municipalização avançou tanto em termos de qualificar gestores no Brasil inteiro quanto em difundir os programas e aumentar a cobertura e a atenção à saúde, mas acho que existem estrangulamentos enormes tanto na área de gestão quanto na de financiamento. Houve um recuo muito grande de financiamento por parte da União, e os estados burlaram a lei até quando puderam, incluindo gastos que não eram de saúde no percentual previsto por lei. Pois só agora tivemos uma regulamentação mais rigorosa (Emenda 29), que determina, claramente, o que é considerado gasto com saúde. Qualquer dado ou estatística mostra que cresceu a participação do município no financiamento público à saúde em relação aos outros dois níveis. Isso porque o problema ‘bate na porta’ do gestor municipal, inclusive com a judicialização.

FH: Você atuou no projeto da Reforma Sanitária Brasileira, que resultou no SUS. Mais de 20 anos depois, na sua opinião, quais são os entraves que impedem a universalização não só do sistema, mas também do acesso?
Sônia:
 O investimento para ter uma rede homogênea espalhada pelo município é fundamental para permitir esse acesso. E nós tivemos e ainda temos muitos problemas de investimento. Mas há, claro, problemas de gestão do sistema, como aumentar a produtividade e, fundamentalmente, voltar a ter uma perspectiva de carreira pública e introduzir elementos inovadores de gestão sem precisar privatizá-la. É possível ter metas, cobrar e remunerar diferencialmente pelo que for cumprido no próprio setor público. Na minha opinião, o que está acontecendo é que há uma perspectiva por parte dos gestores de abandonar o setor público, como se exercer a função da saúde pública fosse problema, pois se acha que, comprando do setor privado, se eliminam os problemas de licitações, funcionalismo público e se pode fazer uma gestão mais eficiente. É possível fazer uma gestão mais eficiente dentro do setor público. Acho que um dos problemas do SUS é o abandono da gestão pública.

FH: Então, você acha que os gestores com as PPPs e OSS tendem muito a resolver os problemas via iniciativa privada, sendo que esse problema pode ser resolvido dentro do sistema público, com mecanismos da gestão pública?
Sônia:
 Mecanismos de gestão que incorporem elementos modernos. Por exemplo, um contrato de gestão com base em metas não precisa ser um acordo com o setor privado. Pode-se fazer isso entre entes públicos, contratando o hospital ou posto de saúde com metas e repassar recursos com base nisso. Mas por que só fazer isso com o setor privado e com elementos mais modernos de gestão e de certa forma abandonar a gestão pública, sem melhorar os salários, a carreira e a cultura política e a qualificação do pessoal e optar pela saída do setor privado? Quando o mundo inteiro está vendo os resultados das PPPs, especialmente dessa modalidade que começou a ser introduzida na Bahia, com a construção do próprio hospital e depois com a gestão de contrato de 25 ou 30 anos, esse tipo conseguiu falir o sistema nacional de saúde inglês, que é um marco mais importante da história da saúde no mundo.

FH: Você pode comentar mais sobre este modelo na Inglaterra?
Sônia:
 Lá não só existiu o modelo, como foi um desastre e faliu o sistema. Porque se faz um contrato de 25 anos para a construção do hospital e depois equipar e em seguida ter gestão do serviço. Não é essa a modalidade de OSS, em que o governo investe, faz o serviço público e entrega ao privado para gestão- modalidade comum em São Paulo e no Rio de Janeiro. Tanto na Inglaterra como em Portugal isso hoje é considerado o grande problema, pois se supunha que essa modalidade iria trazer mais recursos para o setor público, seria mais eficiente e gastaria menos recursos na área de saúde e, além disso, seria mais flexível, porque o setor público é muito inflexível. Porém, o feitiço virou contra o feiticeiro, porque agora, no meio da crise europeia, por exemplo, não há flexibilidade para mudar esses contratos. Como cortar gastos de saúde com um contrato que não pode ser rompido? Portanto, a aparente flexibilidade se transformou em uma enorme inflexibilidade. Outra coisa é que os acordos são feitos com uma estimativa de preços, isso em um setor em que é muito difícil estabelecer valores por prazos tão longos, pois é um dos que mais incorporam tecnologia. Então, há uma série de inconvenientes nessa relação. Uma das coisas que levantei é que, se na Europa, a PPP tem tido uma enorme lucratividade para os bancos que foram os financiadores, no Brasil quem financia é um banco público, o BNDES. Portanto, essa ideia de uma enorme injeção de recursos é um pouco falsa em um País onde o próprio setor privado depende enormemente de financiamento público.
FH: Então você é contrária ao modelo de integração público-privada ou contrária a este modelo específico de PPP e favorável a um modelo de OS, por exemplo?
Sônia:
 No Rio de Janeiro, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que se o governo resolver usar o modelo de OSS, os funcionários serão de carreira (públicos). Então, independente de gestão ser ou não terceirizada, o funcionário que atende à população não será o terceirizado. Mas o que está acontecendo é uma terceirização geral não só da função gerencial, mas também da atenção, que é precípua do setor público. Essa suposta integração é uma ideia de que o setor público virará simplesmente um contratador e o SUS será um financiador da área privada. Isso deve ser muito bom para a área privada, que sempre viveu no Brasil em torno de benefícios e subsídios do setor público. Desde sua criação, incentivado fortemente durante o Regime Militar, o privado não surgiu espontaneamente e, sim, por política pública, com financiamento e contrato com setor público. Agora, este setor quer continuar se beneficiando e quer que o SUS se transforme no verdadeiro comprador de seu serviço.
FH: O SUS é inspirado em modelos europeus e tem como pano de fundo o Estado de Bem Estar Social. Você citou a Inglaterra, que por causa das PPPs e diante da crise econômica está falindo um sistema que é tido como exemplo.
Sônia: 
Inclusive porque os hospitais privados de PPPs terminaram com o custo de atenção maior do que os públicos. As expectativas de que isso seria a solução saíram pela culatra.
FH: Na sua opinião, a participação da iniciativa privada é uma espécie de ameaça para esse modelo de universalização?
Sônia:
 Sempre existe a participação, mas a questão é saber se esta participação está canalizando os recursos públicos para o setor privado ou se ela traz o benefício para o bem estar público. Isso depende muito do tipo de relação que se estabelece. Por exemplo, no sistema público do Canadá, os médicos de consultórios são privados, mas, desde que estejam subordinados a uma lógica que é pública, tudo bem. No Brasil, o que se pensa em geral é o contrário, ou seja, é subordinar a lógica pública à dinâmica do mercado privado. Por exemplo, é possível ter PPPs na área de saúde com o desenvolvimento de medicamentos e tecnologia, mas por que a atenção à saúde, que é prioridade da função do Estado como bem estar público, deve ser atribuída a um contrato com privado? Qual é a vantagem disso? Não há prova das vantagens para o bem estar público.
FH: Mas a própria questão do sistema universal na Europa é complicada, pois a população envelheceu e é preciso financiar saúde e previdência para um contingente gigante e o Estado está quebrando por conta da crise.
Sônia:
 O Estado está quebrando porque está financiando banco. Se ao invés de financiar banco, financiasse saúde e previdência, não teria problema. Os recursos foram desviados desde os Estados Unidos, onde começa a crise, para salvar os bancos que especularam, sem controle do Estado, na área de habitação, financiamentos habitacionais e o subprime. O que aconteceu é que recurso público do Estado foi usado para tampar os buracos dos bancos e isso também ocorreu na Europa. Portanto, na verdade, não é o envelhecimento da população o problema, é a falta de regulação do Estado sobre o capital financeiro, que hoje o domina. Enquanto nós estivermos nessa situação, não haverá dinheiro para o bem estar social. Agora, se o dinheiro usado para salvar os bancos e resolver o sistema bancário no mundo fosse usado para o sistema de saúde, não estaríamos com problema algum.
FH: Você é psicóloga de formação, o que te chamou atenção para escolher o caminho da medicina social e políticas públicas?
 
Sônia: Me formei psicóloga trabalhando com psicologia social. Então, não era trabalhar com indivíduos e, sim, com grupos em instituições. Desde essa época estou ligada à saúde, mais especificamente, com representações sociais em saúde e doença. A ideia da política no sistema de saúde sempre foi uma preocupação, portanto foi uma trajetória natural buscar a compreensão maior da dimensão política e sociológica.
 
3.2
 
3.3
 


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