Governo aumenta controle sobre remédios veterinários ’desviados’
Substâncias são usadas por fisioculturistas ou como drogas recreativas, com riscos à saúde
Lista de medicamentos que exigem receita do veterinário sobe de 17 para 133; ministério também criará cadastro
O acesso a remédios veterinários às vezes usados indevidamente por humanos como droga recreativa ou para potencializar perda de gordura pode ficar mais difícil.
Hoje é comum achar, em sites de fisiculturismo e no YouTube, relatos de jovens sobre os efeitos no corpo de produtos para cavalo, como o clembuterol e a boldenona.
"É minha primeira vez com esse tipo de remédio, coisa para animal, o clembuterol. Eu não conseguia parar, tremendo os braços (...) Não infartei hoje porque meu coração é cigano, é jovem, aguenta pressão", diz um garoto em vídeo postado em outubro.
Publicada há duas semanas, uma instrução normativa do Ministério da Agricultura ampliou o número de substâncias como essa sujeitas à retenção ou à apresentação de uma prescrição do veterinário -de 17 para 133.
A partir de maio de 2013, por exemplo, o clembuterol -hoje de venda livre- só poderá ser entregue mediante a apresentação da receita.
Além disso, a nova regra passa a exigir o cadastro dos veterinários que prescrevem psicotrópicos, anabolizantes, entorpecentes e outros produtos sujeitos a controle. E, ainda, a padronização dos relatórios de venda que devem ser enviados por fabricantes e lojas ao controle oficial.
"A cetamina [anestésico, usado como droga recreativa], por exemplo, já estava na lista, mas agora vamos conseguir cadastrar os veterinários prescritores, o que amarra mais. A gente só controlava quem comprava, não quem prescrevia", diz Lourdes Schaper, fiscal federal agropecuária do ministério.
Ela aponta outros ganhos, como a maior facilidade de acesso de fabricantes dos remédios e de veterinários a substâncias que antes não eram reguladas e não tinham um controle sanitário oficial.
Produtos populares em academias como anabolizantes podem causar dependência, prejudicar a sexualidade e até matar, alerta Ricardo Munir Nahas, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.
Apesar de aprovar a norma, o presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária, Benedito Fortes de Arruda, aponta problemas. Por exemplo, os relatos de que, no passado, a receita do veterinário não era cobrada das 17 substâncias já reguladas.
DESCONTROLE
O receio de um descontrole por parte do governo culminou em um inquérito civil público iniciado na semana passada pela Procuradoria da República de Goiás.
A Folha visitou algumas lojas agropecuárias em Brasília em busca da boldenona, que pela norma anterior só pode ser vendida com a retenção de uma via da receita.
A reportagem constatou que os comerciantes evitam vender o produto injetável para "bombados de academia", como dizem. Mas nem sempre a receita é exigida.
"Se for para usar em cavalo, não precisa [da receita]. Se for para a academia, precisa", disse um dos lojistas.
Outro receio é pelo fato de a nova lista não exigir a retenção da receita no caso dos antibióticos veterinários.
"A preocupação é que humanos estejam indo a farmácias veterinárias para comprar antimicrobianos 'bons para cachorro' ", diz Silvana Górniak, professora da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.
De acordo com o Ministério da Agricultura, os antibióticos devem ter um controle próprio no início de 2013.