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Ameaça à efetividade da política de combate à aids

08 de janeiro de 2013
 
Em 2012, governo investiu mais de R$ 850 milhões na compra de medicamentos
 
Elise Massard da Fonseca
 
O Brasil possui um dos mais abrangentes programas de tratamento para aids entre países em desenvolvimento. Em 2012, o Ministério da Saúde investiu mais de R$ 850 milhões na compra de medicamentos para tratar 217 mil pacientes de aids. Muito tem se discutido sobre a sustentabilidade da resposta brasileira. Por exemplo, o país é conhecido internacionalmente pela intensa negociação de preços com as indústrias farmacêuticas para reduzir o custo de medicamentos protegidos por patente. Igualmente relevante, porém menos conhecido, é o debate recente sobre a estabilidade da política de combate à aids no Brasil, que muito depende do comprometimento dos governos estaduais e municipais na atenção ao tratamento do HIV/aids.
 
Desde sua criação em 1985, um dos pilares da resposta à doença no Brasil tem sido a ação centralizada de coordenação do nível federal. Os recursos do Ministério da Saúde eram transferidos aos Estados e municípios por meio de convênios para a implementação de ações pactuadas entre os três níveis de governo. Entretanto, o mecanismo de repasse por convênio mostrou-se limitado e inflexível devido às normas legais para sua operacionalização. Além disso, na década de 90 ficou estabelecido que o instrumento formal de repasse dos recursos da saúde seria feito diretamente do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde, sob normas de elegibilidade previamente estabelecidas.
 
A partir de 2003, de forma a obedecer as regras de transferências do SUS, o Ministério da Saúde passou a descentralizar os recursos da aids por meio de transferências carimbadas para os 27 estados e 424 municípios onde a epidemia estava concentrada. Essa política federal operava por meio de um plano de ações e metas entre os três níveis de governo, produzindo cooperação intergovernamental. Além disso, protegia as transferências da aids de disputas locais por recursos e barganha política.
 
Integração de ações de tratamento e prevenção resultou na redução da mortalidade, morbidade, e hospitalizações
 
Para se qualificar ao recebimento das transferências do Programa Nacional de Aids (agora departamento), os governos locais deveriam integrar suas metas com as da Política Nacional de Aids. Desde sua criação, aproximadamente R$ 130 milhões foram investidos, por ano, com base nesse modelo de descentralização.
 
Entretanto, com a portaria ministerial que criou as transferências por meio de blocos de financiamento (Portarias 399/2006 e 699/2006), discutiu-se a possibilidade de incluir as transferências carimbadas para aids dentro do bloco de vigilância em saúde, o que permitiria maior flexibilidade dos Estados e municípios na alocação desses recursos. Após um intenso processo de negociação no Ministério da Saúde, os responsáveis pelo Programa Nacional de Aids foram bem sucedidos em manter o modelo das transferências carimbadas. Pretendem assim preservar os instrumentos que permitem ao governo federal garantir o compromisso dos governos subnacionais com a política nacional de combate à doença.
 
Em 2012, o Ministério da Saúde novamente considerou unificar as transferências vinculadas, de forma a serem utilizadas em qualquer ação de vigilância em saúde. Essa decisão, contudo, tem sido expressivamente criticada pelos grupos de pacientes de aids, que temem que os municípios deixem de investir recursos na atenção de pessoas vivendo com a doença devido ao estigma associado a ela, bem como à limitada influência política que esses grupos podem ter sobre os governos locais.
 
Olhando a questão por outro ângulo: na ausência de uma política federal de incentivos, há o risco de que os Estados e municípios deixem de adotar ações de cuidado e prevenção ao HIV/aids. Pesquisas do Centro de Estudos da Metrópole, think-tank que realiza estudos sobre federalismo no Brasil, apontam que as transferências carimbadas do Ministério da Saúde são uma importante fonte de recursos das secretarias municipais de saúde. Embora isso limite a autoridade dos governos locais sobre as políticas de saúde em que devem investir, na sua ausência, a capacidade dos municípios em prover serviços de saúde seria consideravelmente desigual. Particularmente, com relação a ações de controle ao HIV/aids, estudos apontam que desde 2006, quando foi autorizado que os governos subnacionais tivessem discricionariedade na implementação de programas de troca de seringas - importante estratégia de prevenção à aids entre usuários de drogas injetáveis - ocorreu expressiva redução no volume de recursos públicos para essas intervenções.
 
É importante ressaltar que integração de ações de tratamento e prevenção no Brasil resultou na redução da mortalidade, morbidade, hospitalizações, e aumento da expectativa de vida das pessoas vivendo com HIV/aids. Entretanto, a estabilidade da resposta brasileira à epidemia de aids muito depende de uma ação coordenada entre os três níveis de governo e do empenho de seus gestores. Enquanto os grupos de pacientes permanecem com o importante papel de manter o governo comprometido com uma efetiva resposta à doença, as transferências carimbadas são relevantes para compelir os governos subnacionais à manutenção de ações de prevenção, controle e cuidado das pessoas vivendo com HIV-aids. Alterar o arranjo institucional dessa política bem sucedida implica riscos. Um retrocesso das ações pode levar à reemergência da epidemia de aids no país. Por outro lado, o Ministério da Saúde ainda carece de análises abrangentes de monitoramento e avaliação dos programas subnacionais de aids. Se as transferências vinculadas estiverem sendo utilizadas para intervenções de baixo impacto em saúde ou sem foco em ações que estimulem a testagem para HIV, provavelmente não importará muito eliminá-las.
 
Elize Massard da Fonseca é pesquisadora pós-doutora no Centro de Estudos da Metrópole e bolsista da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
 
Fonte: Valor Econômico


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