Estado quer ’mutirão’ para internação involuntária de viciados da cracolândia
04 de janeiro de 2013
'Noias'. Tráfico e consumo seguem na região, mesmo com abordagens da PM: 'Vai ter morte se tentarem tirar a gente daqui', disse ontem usuário de 33 anos que consome 20 pedras por dia
Governador anuncia início, em dez dias, de programa envolvendo psiquiatras, juizes e promotores para tirar dependentes do centro
Bruno Boghossian
Tiago Dantas
Willimn Cardoso
Um ano após o início da operação na cracolândia, o governo do Estado de São Paulo vai fazer um "mutirão" para internações involuntárias de dependentes químicos que ficam nas ruas do centro da capital. A permissão de recolhimento será dada por um parente. A idéia é lançar o programa em dez dias, com apoio de psiquiatras, juizes, promotores e advogados.
O usuário de crack deverá ser levado por familiares ou agentes de saúde e assistência social para o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), na Rua Prates. Ali, psiquiatras vão avaliar se ele tem condições de decidir sozinho sobre o tratamento. Caso contrário, poderá ser internado, mesmo que se recuse a ficar no centro médico.
"É um trabalho de internação involuntária para casos mais graves, que comprometem a vida e a saúde das pessoas", afirmou ontem o governador Geraldo Alckmin (PSDB). "Já vai ter no Cratod o juiz, o promotor e o advogado. Estamos avançando (no combate ao crack)."
"A participação da Justiça e da OAB é justamente para evitar exageros. O objetivo do programa é garantir tratamento adequado para quem precisa e não tem condições de decidir sobre isso", diz o advogado Cid Vieira de Souza Filho, presidente da Comissão de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas da OAB-SP, que participa das discussões com o governo. Já o Ministério Público está em recesso e não foi possível encontrar promotores para comentar o caso.
A internação involuntária é prevista em lei desde 2001. De janeiro de 2009 a outubro do ano passado, o Município fez303 internações involuntárias e compulsórias (determinadas pela Justiça), segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
A ação será detalhada na próxima semana pelas Secretarias de Justiça, Desenvolvimento Social e Saúde. O governo ainda estuda, por exemplo, se a internação involuntária valerá somentepara adultos ou também para menores de idade, como no Rio (veja acima).
Mas o desembargador Antônio Carlos Malheiros, responsável pela Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça, teme que o programa proposto pelo governo se transforme em política higienista. "Meu receio é de que isso seja uma desculpa para se fazer uma internação em massa na região."
No fim de 2011 ,Malheiros chegou a elaborar um projeto que previa a presença de juizes, promotores e médicos na cracolândia para avaliar os casos de internação. O plano não avançou por causa da ocupação da PM na região, há um ano.
Rotina. Na cracolândia, o consumo e o tráfico seguiam ontem normalmente, com mais de cem pessoas seguindo o "fluxo" - grupo onde se compra, vende e fuma a pedra. "Vai ter morte se tentarem tirar a gente daqui", afirmou um ex-atendente de uma loja de som da Rua Santa Ifigênia, de 33 anos, que disse consumir 20 pedras por dia. Ele falou que mantém contato esporádico com a família - o pai trabalha com frutas e legumes no Mercado Municipal.
Os usuários estavam concentrados ontem, às 15I1, na Rua Di- no Bueno. Em determinado momento, uma viatura da PM se aproximou e espalhou a multidão, que se reagrupou depois.como ocorre rotineiramente.
No Rio, medida para adultos não tem data para sair
Desde 31 de março de 2011, a prefeitura do Rio promove operações para acolher usuários de crack. Com base em resolução municipal, menores de 18 anos são levados compulsoriamente a unidades de tratamento. Em outubro, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) anunciou para "breve" que usuários adultos também seriam internados. Até agora, porém, a medida não foi adotada. À época do anúncio, Paes planejava criar 600 vagas. "Está muito claro que os dependentes dessa droga não conseguem tomar decisões", disse.
De acordo com a prefeitura e a Secretaria de Saúde e Defesa Civil, a internação compulsória de adultos ainda está em estudo - sem data para implantação.
Nas 146 operações feitas desde 2011, houve 6.228 acolhimentos - 5.423 adultos e 785 crianças ou adolescentes. No entanto, como adultos não são obrigados a permanecer nas unidades, apenas cerca de 10% deles aceitam tratamento. Hoje, 123 menores estão abrigados compulsoriamente. / FÁBIO GRELLET
GLOSSÁRIO
Internação voluntária
É feita com o consentimento do usuário de droga, que deve assinar uma autorização. Ele pode largar o tratamento quando quiser.
Internação involuntária
É feita sem o consentimento do usuário de droga e a pedido de terceiro (pode ser um familiar ou agente de saúde, por exemplo). Só a família pode pedir o fim do tratamento.
Internação compulsória É determinada pela Justiça.