Não se pode usar dinheiro público para pagar planos de saúde para servidores públicos. Planos próprios ou contratados. Nenhum dinheiro público do orçamento: nem vindo do geral, nem tirado do SUS. O primeiro e único motivo é que, segundo a CF,196, “SAÚDE É DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO” e também na CF,19-III “É VEDADA À UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS... CRIAR DISTINÇÕES ENTRE BRASILEIROS OU PREFERÊNCIAS ENTRE SI”.
Se o Estado só pode fazer aquilo que a lei determina não há motivo ou pretexto que o autorize descumbrir o Bloco de Constitucionalidade.
1) se é obrigação do estado oferecer um sistema de saúde igual para todos, é vedado oferecer um sistema de saúde, diferenciado e privilegiado para os seus, aqueles que estão mais perto;
2) se é obrigação do estado garantir o tudo (integralidade da assistência à saúde) não poderia prometer o mais e entregar o menos: criar oficialmente ônus de co-participação no pagamento para seus funcionários;
3) se a execução dos serviços de saúde é pública e apenas complementarmente poder-se-ia recorrer ao privado, não poderia, por princípio, recorrer ao privado para atendimento de uma fatia da população (seus funcionários), olvidando, a priori, seus próprios serviços.
Uma das provas mais cabais do entendimento constitucional da vedação a que o Estado financie planos de saúde para seus servidores é que FHC, nos primeiros meses de Governo, encaminhou proposta de Emenda Constitucional de REFORMA DA PREVIDÊNCIA onde se incluía a reforma da saúde. Nesta EC, FHC queria introduzir esta questão, permitindo a Estados e Municípios instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para garantir o sistema de atendimento à saúde. Não conseguiu. Quando foi derrubado pelo parecer do Dep.Pinotti, prontamente recuou e retirou a PEC. Voltemos à história: A CF de 1988 tinha originalmente o seguinte teor: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social. “ (ATENÇÃO: NENHUMA AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A ÁREA DE SAÚDE!) FHC, declarando a necessidade de governabilidade, propôs – em início de 1995 uma Emenda Constitucional em que constaria no 149 § único: “Estados e Municípios poderão INSTITUIR CONTRIBUIÇÃO , COBRADA DE SEUS SERVIDORES, PARA O CUSTEIO, EM BENEFÍCIO DESTES, DE SISTEMA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE.” No que tange especificamente a área da saúde as modificações propostas por FHC afetavam-na diretamente quebrando com os princípios pétreos do SUS: universalidade, IGUALDADE, integralidade. Estes são direitos inalienáveis dos cidadãos defendidos combativamente nos vários fóruns que precederam a constituição de 1988 , reafirmados e cobrados quando da IXa. Conferência Nacional de Saúde em 1992. Felizmente esta PEC de FHC foi retirada do Congresso após parecer contrário do relator e da Comissão que analisava o a proposta. Mais tarde pela EC-33 foram acrescentados mais alguns parágrafos no artigo 149 e o parágrafo único, que tratava do assunto, passou a ser numerado como §1. Em dezembro de 2003, pela Emenda Constitucional 41 ficou sepultada de vez a possibilidade de os Municípios e Estados criarem sistema de saúde para seus servidores. A atual redação do Art.149 da CF §1 “Os Estados, Distrito Federal e Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em beneficio destes, do regime previdenciário de que trata o art.40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.” Vale lembrar os ensinamentos de dois grandes juristas Guido Carvalho e Lenir Santos, especialistas em Direito Sanitário, que se debruçaram para explicar a legislação do SUS. Em seu livro Sistema Único de Saúde – Comentários à Lei Orgânica de Saúde (Hucitec-1995 pag.67): “Pela Carta de 1988, a Seguridade Social, orienta-se por dois princípios: o da saúde e assistência social, como direito fundamental do ser humano, garantido pelos Poderes Públicos independentemente de qualquer contribuição especial; e o de previdência social, como direito do trabalhador contribuinte da previdência social. A Saúde e assistência social, por não dependerem de pagamentos de contribuição social, têm garantia universalizada, não estando, pois, excluídos dessa proteção os servidores públicos; a prestação gratuita de tais serviços não corresponde a uma contraprestação do Estado ao contribuinte, trabalhador ou servidor público. Desse modo, o Poder Público (União, Estado, Município e Distrito Federal) não pode custear serviços de saúde para seus servidores, porque o sistema de saúde constitui um único sistema, uma rede integrada de ações e serviços públicos de saúde, não comportando nenhum serviço público fora do sistema.“ Portanto, PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA - aplicável pela ordem e estado democrático de direito (vigente até que o Congresso a mude, com ou sem nossa aquiescência):
1) É VEDADO: Estados, DF e Prefeituras criarem ou comprarem sistemas suplementares de saúde para seus funcionários (planos, seguros, cooperativas, auto-gestão) pois QUEBRARIA COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA UNIVERSALIDADE E IGUALDADE DOS SERVIÇOS DE SAÚDE (CF-196).
2) É VEDADO: Estados, DF e Prefeituras criarem CONTRIBUIÇÕES COBRADAS DE SEUS SERVIDORES, para custeio, em benefício destes de sistemas suplementares de saúde (planos, seguros, cooperativas, auto-gestão) e igualmente seguindo o preceito legal de que ao agente público só é permitido fazer o que a lei determina.Uma homenagem de reconhecimento à CUT que foi a primeira central sindical que, em Carta de Princípios, de público , na Xa Conferência Nacional de Saúde em 1996, em Brasilia, declarou às centenas e milhares de cidadãos, técnicos, prestadores e governo presentes: “A CUT SE POSICIONA CONTRÁRIA AO REPASSE E OBTENÇÃO DE VERBAS PÚBLICAS PARA A ASSISTÊNCIA MÉDICA PRIVADA, DE GRUPOS E CATEGORIAS, INCLUSIVE DO FUNCIONALISMO PÚBLICO”
A igualdade dos direitos no Brasil está claramente expressa no Art.5 da CF: “TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI, SEM DISTINÇÃO DE QUALQUER NATUREZA, GARANTINDO-SE AOS BRASILEIROS A INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA, À LIBERDADE E À IGUALDADE... HOMENS E MULHERES SÃO IGUAIS EM DIREITOS E OBRIGAÇÕES...” Se os retos ousarem descumprir as leis quando isto os favorece estarão autorizando que opositores, adversários, arbitrários, déspotas e corruptos as descumpram mais ainda... Contra eles mesmos!
[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser divulgado na mídia, copiado, distribuído, independente de autorização do autor, desde que sem fins lucrativos. carvalhogilson@uol.com.br