Endereço: Rua José Antônio Marinho, 450
Barão Geraldo - Campinas, São Paulo - Brasil
Cep: 13084-783
Fone: +55 19 3289-5751
Email: idisa@idisa.org.br
Adicionar aos Favoritos | Indique esta Página

Entrar agora no IDISA online

Qualificar o pronto atendimento às necessidades de saúde, como essência da integralidade

I- Introdução

Tenho me perguntado qual seja o objeto de desejo da população em relação à saúde. Comecei divagando sobre um conceito básico que poderia sintetizar o desejo maior de todos nós: viver mais e melhor. Morrer só bem velhinho, sem ter ficado doente e se doente ficarmos que saremos logo e sem seqüelas. No fundo nada mais do que ser e viver bem (feliz!) O máximo de tempo possível. Nem só a linha do tempo: viver mais. Nem só na linha da qualidade: viver bem. A somatória dos conceitos de bem estar vertical e horizontal. Dentro deste mega ou macro objetivo existem inúmeros objetivos subsidiários, afluentes naturais do bem viver.

Como pediatra acostumei-me a perguntar às mães o que mais desejavam dos serviços de saúde. A resposta mais comum que recebia delas é que queriam um lugar para onde pudessem correr quando os filhos tivessem febre, quando caíssem, se cortassem ou sofressem acidente mais sério. Onde fizessem vacinas, exames e pegassem remédio. Algum lugar ou telefone onde alguém pudesse ajudá-las, como mães, dando informações e tirando dúvidas. O mesmo diziam em relação a elas próprias e aos mais velhos sob sua responsabilidade. Um lugar onde fossem atendidas, mesmo sem ser de emergência, quando voltassem do trabalho. Onde levassem seus pais com suas dores de velhice ou para controle do diabetes e hipertensão. Que isto fosse possível em dia e horário que não em seu horário de trabalho. Queriam ser atendidas sem receber a bronca de sempre: “- que está fazendo aqui no pronto-socorro com seu filho? Deveria ter ido de dia, durante a semana, no postinho perto de sua casa e não aqui que é pronto socorro para atender só quem está passando mal.” Ou, quando chegassem ao postinho, que não fossem comunicadas que “infelizmente, não tem vaga pois, seu atendimento não está agendado.” As pessoas se vêem, sem alternativas, jogadas entre dois “não acolhimentos” que aumentam seu sofrer. Recepção cada vez mais rotineira e comum no dia a dia de muitos serviços de saúde. Públicos e, até mesmo, alguns privados.


II – refletindo experiências pessoais do passado


Minhas reflexões viajaram no tempo e reviveram três cenários. Fui repensando minha existência e meu relacionamento com os serviços de saúde. O primeiro cenário é de minha infância. Criei-me em campanha, pequena cidade histórica, berço do sul de minas gerais. Meus pais, margarida e Milton, eram funcionários públicos dos correios e telégrafos.

Tínhamos os médicos que nos olhavam a mim e aos meus 14 irmãos. Meu pai, brinco sempre, fez o melhor plano de saúde possível àquela época: era compadre dos médicos da cidade, Dr. Nelson e Dr. Manuel. Havia ainda o Dr. oliveira que, mais tarde, estava, era companhia quase diária de meu pai. Os três, já falecidos, eram figuras humanas do mais alto valor. Imprescindíveis a pobres e ricos de nossa cidade. Foram a vida toda exemplares emblemáticos de médicos de família, a serviço de uma comunidade que os reconhecia e reverenciava como tal. Generalistas de convicção e prática: operavam, partejavam, internavam crianças, jovens, adultos e idosos, na rotina e na emergência. Atendiam em seus consultórios, na porta da santa casa ou quando baixávamos a “enfermaria domiciliar” com sarampo, catapora, caxumba etc. Conheciam as pessoas e a história individual e familiar de cada um. Nas minhas andanças Brasil afora, tenho ainda encontrado inúmeros profissionais em atividade, com este perfil.

O segundo cenário é de admiração por um exemplo de médico de família em meu irmão Paulo, dez anos a minha frente. Era um clínico de mão cheia, obstetra tarimbado por estágio e internato, pediatria com residência no hospital dos servidores federais do rio. Formou-se na nacional de medicina da praia vermelha e foi exercer no interior de minas. Firmou-se como o grande médico de família, figura humana buscada por todos pelo seu carisma e competência. Logo de manhãzinha, depois de passar pela sua igreja, visitava doentes na santa casa e olhava as crianças no posto de puericultura (filantrópica por ele criada com a colaboração de amigos da sociedade local). Depois, voltava a sua casa-consultório, visitando no caminho seus velhinhos acamados, por ele cuidados em “moderna internação domiciliar” com soro endovenoso e tudo que tinham direito. Sempre no seio de suas famílias. Foi mais uma de minhas grandes escolas de vida e prática da medicina. A lembrança é da saudade de quem a vida foi roubada cedo.

O terceiro cenário já é de meu exercício profissional. Primeiro como médico de interior alguns anos ao lado do Paulo, fazendo a mesma coisa, só que olhando apenas as crianças. Depois, na cidade grande, são José dos campos, fazendo ambulatório e emergência no serviço público municipal, berçário e enfermaria de hospital filantrópico, atendendo INAMPS (depois SUS) . Mais tarde, em 10 anos de voluntariado em hospital filantrópico que tive o privilégio de ajudar a constituir. Concomitantemente, minha prática em meu consultório com clientela privada e de planos, seguros e auto-gestão.

A vida me concedeu uma clientela grande, de todas as classes sociais, numa cidade industrial, onde, 90% dos que buscavam nossos cuidados tinham planos e seguros de saúde. A clientela “privada pura” (que pagava consulta), cerca dos 10%, não era exclusiva dos que tinham dinheiro, mas, muitas vezes, daqueles que juntavam algum, a custo, tentando melhor resposta emergencial que a do serviço público ou de planos.

Qual o modelo de acesso a este sistema de “privado-socializado” de saúde em meu consultório, uma clínica privada com vários pediatras? A descrição de clientela se fazia, principalmente, de duas maneiras. Primeiro a possibilidade de acesso por credenciamento em determinado plano de saúde (auto-gestão, medicina de grupo, seguro-saúde, cooperativa médica). Segundo, a relação interpessoal que podia ser duradoura ou episoidal. Nascia do fortuito de um atendimento de emergência, ou de sala de parto, ou por indicação de colega ou de cliente com vínculo. Esta ligação de livre escolha tem muito do imponderável da química da relação médico-paciente. Não definível, nem mensurável. Que existe e é altamente determinante, ninguém tem dúvida. É uma certeza de todo profissional de saúde: a descrição de clientela, quando possível, se faz através do bom atendimento. Cliente bem atendido e satisfeito cria vínculo, volta e traz outros pacientes.

As pessoas agendavam consultas. Para as emergências ou revisões deixávamos horários livres no início, e fim de expediente e ainda, por vezes, criávamos espaços no meio, entre uma e outra agendada. Nuns dias dávamos conta, agradávamos a todos, noutros, nem sempre. Quando alguns agendados não compareciam era um “recreio comemorado”, ou mais algum extra que podia ser atendido. Nós próprios, companheiros de consultório, nos revezávamos em dar cobertura a todos, em sistema de escala de plantão para as emergências do dia a dia e para nossos clientes que não conseguiam horário com seus pediatras. Quem estava de plantão de cobertura, naquele dia, deixava mais horários livres para atender ao extra. Durante o dia, quando a demanda superava a expectativa. À noite e nos fins de semana, cobrindo a todos que não estivéssemos. Nós, quando plantonistas, usávamos a mesma estrutura comum e com os mesmos prontuários da rotina de cada um.

Recebíamos remuneração pelas consultas novas e fazíamos revisões nas consultas uns do outro num sistema de cooperação mútua solidária, sem nova remuneração. Tínhamos uma co-responsabilidade, uma parceria. Nos últimos 10 anos, em que ainda cliniquei, éramos um grupo de quinze pediatras em igualdade de condições societárias e de cobertura mútua. Em nossa avaliação, no mais das vezes o sistema funcionava bem. Não se pode negar que, mesmo com este esquema, havia momentos em que não dávamos conta. A clientela parecia-nos satisfeita, sem negar previsíveis exceções. Ligação interpessoal. Vínculo. Atendimento do mesmo grupo, com o mesmo prontuário. Interesse mútuo, por envolvimento mútuo e troca contínua de posições comuns a todos. Pronto atendimento qualificado, associado à atenção básica, pelo mesmo grupo de profissionais!

Quanto ao modelo de consulta, acho que a pediatria em geral tem uma contribuição importante na defesa e prática da integralidade. É a história da pediatria neste país feita por grandes mestres e por preceptores anônimos. Em geral, somos procurados pela pelos, pois por queixas mais agudas que crônicas de seus filhos. A partir da queixa (porta de entrada do atendimento), aproveitamos para ver o crescimento, desenvolvimento, vacinas, alimentação, comportamento, desempenho escolar, vida social. É a integralidade vertical (a criança como um todo) e horizontal (atuação com promoção, proteção e recuperação). Além deste atendimento por queixa-problema havia o atendimento de puericultura e acompanhamento a que muitos se fidelizavam. Comum, após o berçário e no primeiro ano de vida. Mais esporádico, nos controles anuais da primeira infância, das crianças maiorzinhas, dos adolescentes e jovens.

De vivências acima relatadas e das necessidades escutadas das pessoas em relação a si, a seus filhos, a seus pais, a seus colegas de trabalho quero fazer algumas reflexões e ousar tirar conclusões. Tenho certeza de não poder generalizar, mas imagino que possa ajudar na reflexão.


III - pronto atendimento qualificado

Quero apenas fazer algumas reflexões sobre o pronto atendimento que defendo seja qualificado. Fui sabiamente alertado por um amigo que devo tomar cuidado para, com o texto acima, não glamourizar e romantizar a figura do médico de família. Agradeci a oportuna observação. Estou fazendo a lembrança e ressalva, mas, sem deixar de registrar estas imagens históricas da minha infância, de meu irmão paulo e de meu próprio exercício.

Consciente e propositadamente, mantive as referências acima, mas lembrando que tempos e circunstâncias em que vivemos são outros e estes exemplos relatados, não podem ser simplesmente transpostos. Quero falar de integralidade e humanização que sejam adequados, contemporâneos. Que fujam da visão apenas romântica, que pode parecer por demais enaltecida acima. Que se adeque este humanismo imprescindível, em qualquer das atuais circunstâncias do exercício profissional. Reflexão sobre uma humanização que seja a possível, real e adequada a nossa realidade de cada dia. No sufoco dos grandes centros, na periferia das metrópoles, nos núcleos de vida sub-humana das favelas e cortiços.

Uma das maiores queixas da população hoje, no público e no privado, é a falta de opção para serem atendidas em suas necessidades de saúde. Intercorrências agudas, ou as crônicas agudizadas com destaque para aquelas que não configurariam a típica urgência-emergência. Que ocorrem fora do horário comercial no qual funcionam consultórios e ambulatórios privados e unidades básicas de saúde e de programa de saúde da família - PSF.

O que antes era queixa apenas e principal no sistema público de saúde, hoje já se tornou comum no acesso à maioria dos planos de saúde. Mesmo no privado, consultas podem demorar até meses para serem agendadas, com maior ou menor dificuldade em determinadas especialidades e planos. Não se pode negar que seja muito mais difícil no SUS o sistema público de saúde do cidadão.

Estou defendendo que se busque no SUS uma resposta efetiva e eficiente de solução para o pronto atendimento das demandas de saúde da população, capaz de resolver esta guerra da resposta pronta que o SUS está perdendo. Quem conseguir resolver esta questão estará fazendo uma revolução na atenção à saúde da população com impacto tão, senão maior, do que aquele advindo da implantação do PSF. Na verdade, a complementação do pronto atendimento qualificado acoplada, preferencialmente, ao próprio PSF.

Já temos dois modelos de busca da excelência no SUS que se situam nestes limites. Numa ponta a revolução da atenção básica, primária ou primeira de saúde com seus vários nomes fantasia como programa de saúde da família, saúde em casa, qualis, PAIDÉIA e outros tantos. Na outra, a busca da excelência do atendimento da urgência-emergência do SAMU – serviço de assistência móvel de urgência. Ao qual, em seqüência, tem-se acoplado a remodelação dos fluxos, tempos e movimentos, nas emergências com classificação de risco. Precisamos agora, investir na resposta pronta, o pronto atendimento qualificado às necessidades de saúde das pessoas que não se configurariam, classicamente, como urgência e emergência, mas que precisam de respostas.

Minha proposta é qualificar o pronto atendimento que deve ser feito sempre junto à atenção básica, primária e primeira e complementarmente junto à urgência-emergência. As características deste pronto atendimento qualificado são simples e simplórias, até acusadas de resposta pasteurizada. Repetidas em todos os discursos. Entretanto, a cada dia, mais longe da prática diária dos sistemas públicos e privados de saúde.

Vejamos algumas destas características que, a meu ver, precisam ser analisadas e colocadas em prática.
1) As pessoas devem ter possibilidade de ser atendidas na hora em que precisam por suas necessidades e na hora que têm possibilidade de buscar os serviços de saúde.
2) Deve haver uma maior chance de se juntar o momento de necessidade com a disponibilidade de oferta. Sabe-se impossível que isto ocorra sempre, mas, deve acontecer mais que hoje e mais acontecer que não acontecer.
3) Os serviços de atenção básica, primária ou primeira à saúde, sob qualquer denominação fantasia, têm que ter abertura para atendimento não agendado e não programático. Caso contrário correm o risco de se tornarem instituições burocratizadas, de portas fechadas ou apenas entreabertas. Esta experiência é infrutífera e por ela já passamos à época dos centros de saúde, com seu agendamento e programação rígidos.
4) A ação integral deve ser prestada a partir da queixa-problema, onde se qualifica da melhor maneira a necessidade e deve se seguir da conduta-solução, onde se qualifica melhor a resposta ao motivo da demanda e se oferece o a mais, necessário, nem sempre sentido e muito menos oportunizado.
5) As unidades de atenção básica devem prestar atendimento em horários compatíveis com os da população usuária, levando-se em conta, principalmente, o da maioria da classe trabalhadora. O que já vêm fazendo várias unidades com o horário estendido até 20, 22, 24 hs e a abertura nos finais de semana, pelo menos em um período intermediário como por exemplo das 10 às 16 hs.
6) Coleta de exames e entrega de resultados deve ser possível em horários igualmente compatíveis com os do atendimento acima, reservando aos exames, exclusivamente dependentes do jejum, o primeiro horário da manhã.
7) As unidades de saúde, de atenção básica ou de urgência-emergência que prestam o pronto atendimento devem dispensar medicamentos para estas necessidades a qualquer hora em que ocorram.
8) O pronto atendimento realizado em unidades básicas de saúde ou nas unidades de urgência-emergência devem ser feitos a partir de protocolos clínicos de conduta.
9) O uso do prontuário de rotina deve ser permanente no pronto atender nas unidades básicas. Nas unidades de urgência-emergência que façam o pronto atender, deverá existir, além do registro próprio, alguma “ficha resumo” a que o paciente tenha acesso para informar o local onde normalmente é atendido.
10) A equipe multiprofissional, com destaque para o profissional de enfermagem, deve estar envolvida na qualificação do pronto atendimento não se concentrando exclusivamente no profissional médico.
11) Deveria haver incentivo financeiro, além do pagamento de horas extras, para que os próprios profissionais da área de abrangência da unidades básicas (equipes de PSF) pudessem dar cobertura de plantão no pronto atendimento a esta sua clientela, com cobertura cruzada entre uns e outros.
12) Um processo de educação permanente tem que ser feito junto à equipe de saúde para que, com a devida e justa remuneração, desempenhe este papel de qualificar o pronto atendimento.
13) Tem que ser exercida a integralidade da atenção com ações de promoção, proteção e recuperação e não apenas no precário de uma queixa-conduta desqualificada.
14) Qualificar a queixa no pronto atendimento implica em trazer para a prática o direito constitucional de participação da comunidade em que o cidadão tem direito à escuta, exame e explicação do tratamento a que será submetido.
15) Qualificar a conduta no pronto atendimento é escutar, examinar, e estabelecer recursos diagnósticos, prognóstico e terapêuticos na integralidade da ação de promoção, proteção e recuperação da saúde.
16) A operação padrão com queixa-conduta qualificado é a única maneira que deveria ser praticada na relação com os cidadãos usuários dos serviços de saúde. Lamentável que profissionais em estado de greve declarem-se em “operação-padrão”. Continuo repetindo que a “operação não padrão” consciente, em todas as áreas e, principalmente, na área de saúde é ilegal e imoral.
17) Operação padrão, com queixa conduta qualificada, no pronto atendimento ou na rotina ambulatorial é a garantia de maior proteção ao ser humano paciente, em segundo lugar proteção a nós profissionais e consequentemente a proteção das instituições de saúde.
18) Deve haver suporte contínuo, humano e técnico, aos profissionais envolvidos na atenção à saúde, em especial os ligados à alta complexidade dos cuidados primeiros da atenção básica e do pronto atender qualificado.


IV - pronto atendimento qualificado dentro do atenção básica, primária e primeira e dentro dos serviços de urgência e emergência


A prática de hoje é que o pronto atendimento sufoque os denominados serviços de pronto socorro, destinados às urgências-emergências. Isto gera algumas conseqüências extremamente maléficas:

1) o desvio de finalidade destes serviços de urgência-emergência;
2) o mau atendimento humano e técnico dos casos considerados inadequados a estarem lá;
3) conseqüentemente a insatisfação dos profissionais e dos cidadãos usuários.

Defendo que este modelo deva ser mudado e o lócus privilegiado do pronto atendimento qualificado seja aquele onde se dá a atenção básica, primária ou primeira à saúde. Mas, sem desconhecer que ele precisa ser qualificado também nos serviços de pronto socorros.

Algumas reflexões e sugestões estão acima. Não se precisa inventar nada. Todas as vezes que a resposta não for dada no básico, por falta de oportunidade em tempo ou qualidade, a tendência é se deslocar o atendimento para outro local.

Vai cair no colo da urgência-emergência com os distúrbios já relatados e conhecidos por todos. Existe uma outra ponta do problema que, por tradição e cultura e pela ineficiência e inadequação de oferta nos horários que as pessoas demandam, sufocam as urgências-emergências.

Alguns profissionais da urgência-emergência continuam desacatando as pessoas que os procuram, tratando-os com desumanidade. Tentam transferir a elas seu descontentamento com o sistema. Temos que fugir dos discursos rotos acusando os cidadãos que buscam os serviços de urgência-emergência. São expressões comuns: “- o que está fazendo aqui?”; “aqui não é seu lugar!”; “volte para a unidade básica”; “você não tem nada”; “aqui é só para emergência e você está prejudicando o atendimento dos que realmente precisam.” Etc. Etc.

Os cidadãos só buscam estes serviços por falta de alternativa de atendimento. A população continuará buscando os serviços de urgência-emergência pois é inteligente e sabe exatamente o que procura. Os serviços de pronto-socorro gozam do conceito (fetiche?) De serem melhores e mais eficientes. As pessoas sabem que o atendimento pode demorar, mas, ao final, serão atendidas, receberão medicamentos de emergência, farão exames e até poderão ser internadas. Se o sistema não oferecer alternativa na atenção básica para esta necessidade sentida (no agudo, no acompanhamento ou intercorrência do crônico) as pessoas continuarão a demandar os pronto-socorros, para resolver problemas que não caracterizariam urgência-emergência. Em conseqüência nos pronto-socorros acumulam-se clientes diante de um atendimento insuficiente e, muitas vezes, ineficiente. Cada vez mais o padrão se deteriora na qualidade técnica e na qualidade humana do mundo da relação.

Nos pronto-socorros também tem-se que qualificar o pronto atendimento que ninguém imagine que, ao deixá-lo desqualificado, técnica e humanamente, estaremos induzindo a que ele mude e aconteça em seu lócus natural que é junto aos cuidados primários de saúde. Não dá mais para, sob o pretexto que seja errado se buscar o pronto atendimento na urgência-emergência em casos não característicos, deixar de fazer o atendimento mais qualificado no campo da integralidade e com boa relação humana.

Se, de um lado, tenho que organizar o pronto atendimento no pólo da atenção básica, primária ou primeira à saúde, não nos iludamos pois nem sempre isto será possível, principalmente a curto prazo. Entre outras causas, existe até a falta de profissionais com preparo para serem médico e enfermeiro com capacidade de atender dentro da proposta do PSF: praticando a integralidade vertical e horizontal e melhorando a relação humana. Outra questão é a impossibilidade, muitas vezes, de se dar conta de atendimento ao atual elevado número de famílias descritas a cada equipe. Aqueles que trabalham ou gerenciam o PSF estão cansados de repetir que o número médio ideal por equipe seria de no máximo 750 famílias, cerca de 2500 pessoas. Não mais que isto e muitas vezes em populações mais dispersas este número terá que ser reduzido no mínimo à metade. O excesso de demanda pode determinar a deterioração da atenção levando a um pronto atendimento desqualificado, reduzido a rito sumário.

Não dá para desconhecer esta realidade e continuar mantendo o pronto atendimento completamente desqualificado, junto à urgência e emergência. Já ouvi até o argumento quase irrepetível de que: “se melhorarmos o pronto-atendimento para a clientela que tem problemas simples, pequenos e não típicos de urgência-emergência, vamos mantê-la aqui achando que este seja o caminho. Se melhorar o atendimento, aí é que não sairão mais daqui!”
As duas coisas precisam acontecer concomitantemente, segundo características de cada município e serviço. Vale lembrar que são 1359 (24%) os municípios com menos de 5.000 hab.; 2631 (47%) entre 5.001 e 20.000 hab.; 1317 (24%) entre 20.001 e 100.000 hab.; 219 (4%) entre 100.001 e 500.000 hab. E apenas 34 (1%) acima de 500.000. E ainda temos que pensar que se elevarmos esta linha de corte para os de menos de 20.000 habitantes estes somam a 3.990 (71%)! Como resolver esta questão quando muitos destes têm um único profissional médico? Quando municípios de diminuta população ainda têm a questão de dispersão em uma extensa área territorial.

V- conclusão

A muitos defensores do SUS sempre horripilou, com razão, a defesa do pronto atendimento associado quase sempre ao anti-modelo de se fazer saúde. Sou também terminantemente contra o pronto atendimento desqualificado reduzido à queixa-conduta, em rito sumário em qualquer unidade onde se instale.

Precisamos rever posições. Estou mais que convicto disto. Ser prontamente atendido, diante de seus padeceres físicos ou emocionais, é o sonho de qualquer cidadão brasileiro. É o que sonho para mim, para minha família, para meus netos.

Temos que enfatizar a necessidade de responder a esta demanda. O caminho para mim é a qualificação do pronto atendimento. Já acenei em vários escritos anteriores e agora retomo o tema com um pouco mais de detalhe. Atenção básica, primária ou primeira com qualquer de seus nomes fantasia, tem que estar acoplada ao pronto-atendimento qualificado. Não podemos trabalhar na atenção básica com os extremos de fechar ou apenas entreabrir as portas, nem tão pouco de abri-las totalmente sem critérios. Temos que buscar o equilíbrio entre atender os agendados com atenção integral e dar cobertura a todos eles quando suas necessidades não puderem... Ser “agendadas”.

Pronto atendimento precisa deixar de ser anatematizado, para ser qualificado. Não tem jeito de fazer atenção básica sem juntá-la ao atendimento pronto às demandas. Atenção básica com horário marcado, de segunda a sexta, das 8 às 17 com horário de almoço? Com sessenta horas sem cobertura, em cada fim de semana? Não pode dar certo, nem satisfazer às mães e pais que trabalham, nem a seus filhos e seus idosos que dele dependem para serem levados aos serviços etc.


De outro lado, não podemos fechar os olhos e imaginar que não haverá demanda de pronto atendimento dentro dos serviços de urgência-emergência. Existirá sempre, como no mundo inteiro. O pronto-atendimento nas unidades de urgência-emergência será complementar, válvula reguladora, da atenção básica, primária, primeira. Precisamos diminuir esta incidência sem jamais nos iludir que iremos zerá-la. Assim, nos resta, sempre, concomitantemente, a outra ponta da solução: qualificar o pronto-atendimento nos serviços de urgência-emergência. É imprescindível investir em melhora da qualidade deste pronto atender. Qualidade material e principalmente, humana. Usar mais tempo, manter e melhorar os registros. Qualificar a queixa e a conduta. Todo atendimento parte do binômio queixa-conduta. O que precisa ser feito é aprofundar a queixa e enriquecer a conduta e acabar com o rito sumário do “dói aqui x tome isto”. Em todas as circunstâncias, nós, equipe de saúde temos que nos embeber de mais humanidade, da melhora da relação.


Quero juntar esta proposta de qualificar o pronto atendimento ao projeto de lei complementar de regulamentação da EC-29. Devemos incluir nas propostas de uso do dinheiro novo, estimativamente R$19,4 bi, um grande investimento em qualificar o pronto atendimento junto à atenção básica e junto à urgência-emergência.


Tenho certeza de que perderemos a luta contra o sub-financiamento da saúde (plp 01-2003), se não conseguirmos fazer com que a sociedade venha ajudar-nos. Sem a mobilização das pessoas em defesa da saúde pública esta pode ser uma luta fadada ao fracasso. O compromisso para melhorar o atendimento imediato às demandas da população, ao sentimento de que possam e tenham respostas a suas necessidades, talvez seja um excelente motivador de sua adesão.


Pronto atender as pessoas é uma das áreas mais prioritárias para se colocar o dinheiro pretendido com a regulamentação da ec. Vai aí o desafio. Expandir e qualificar a atenção básica, primária e primeira e o pronto atendimento qualificado dentro dela. Fazer o pronto atendimento qualificado, o pronto atender, nos pronto-socorros, junto à urgência-emergência.


Eis o desafio mais urgente do sistema público de saúde para se garantir o direito universal e integral à vida e saúde dos cidadãos brasileiros.



Meus Dados

Dados do Amigo

Copyright © . IDISA . Desenvolvido por W2F Publicidade