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A Fundação Estatal e o SUS

A fundação estatal e o SUS


Publicado no JB em 15-12-2007


Lenir Santos, advogada, especialista em direito sanitário, coordenadora do Idisa e ex-procuradora da Unicamp


Com todo o respeito, gostaria que esse texto fosse lido pelo professor Dalmo Dallari, a quem admiro e respeito profundamente. Na realidade, acho que decidi escrever esse texto apenas na tentativa de esclarecer um professor de todos nós, defensor, como o ministro Temporão e tantos outros, da saúde pública. O professor Dallari sabe que eu, tanto quanto Gilson Carvalho, Nelson Rodrigues dos Santos, dedicamos parte de nossas vidas a defender o direito de todos a uma saúde pública de qualidade. E nós todos, agora, defendemos a fundação estatal por ela conter elementos que podem contribuir para a qualidade da gestão pública, cada vez mais precária.


Sou uma das idealizadoras do projeto da fundação estatal, juntamente com outros especialistas, que, desde 2005, nos debruçamos sobre a grave questão do engessamento da administração pública, na tentativa de encontrar uma solução pública. E o ministro Temporão somente abraçou a idéia porque a fundação estatal respeita os princípios do SUS e poderá melhorar a gestão pública. Não se perca de vista a sua história em favor do direito à saúde e o seu papel na Reforma Sanitária que propugnava pela participação da sociedade no SUS. Não dá para jogar pedras sem pensar que somos o nosso passado e o presente.


A fundação estatal foi a única resposta pública encontrada. O PLC que se encontra no Congresso Nacional, trata, na realidade, do disciplinamento do art. 37, XIX, da CF. Tal dispositivo exige que seja editada lei complementar sobre o campo de atuação das fundações instituídas pelo poder público, sob o regime do Código Civil. É isso que o governo pretende: cumprir a Constituição.


E o que esse modelo poderá ter de novo em relação a inúmeras fundações públicas semelhantes, como a Fundação do Remédio Popular, a Fundação Padre Anchieta, a Fundação de Desenvolvimento da Administração Pública, a Fiocruz, esta até 1988?


Apenas uma nova forma de o governo com ela se relacionar no tocante à lei orçamentária. As fundações mencionadas acima, como tantas outras fundações públicas constituídas sob a égide do Código Civil, integram o orçamento público. No caso da fundação estatal, como o patrimônio inicial também não será suficiente para sua manutenção, haverá necessidade de a mesma receber recursos públicos. E esses recursos serão garantidos mediante contrato de gestão (e não mediante a venda de serviços para a sociedade, frise-se!).


E o que é o contrato de gestão? Uma forma transparente e eficiente de gestão da coisa pública, uma vez que exige do seu dirigente compromisso com metas, custos, desempenho e qualidade definidas pelo órgão público supervisor, no caso da saúde federal, o Ministério da Saúde, estando o recurso desse contrato garantido no orçamento desse órgão.


O dirigente público deverá comprometer-se com as metas públicas, devendo deixar o seu cargo se não as cumprir - diferentemente dos dias de hoje, onde os compromissos com metas e qualidade não são tão visíveis, nem cobrados, bem como os dirigentes não são punidos no caso do seu descumprimento. O orçamento é garantido independentemente dos resultados alcançados. Muda-se a lógica de gestão da coisa pública, muito mais comprometida e transparente. Jamais me debruçaria sobre um projeto que pudesse macular ou desrespeitar a universalidade do acesso à saúde pública. E ninguém, nem que queira, pode atentar contra isso, porque estará ferindo a Constituição.


Infelizmente, a XIII Conferência Nacional de Saúde rejeitou o projeto. E digo, com a maior convicção, que grande parte das pessoas que votaram contra a fundação estatal não sabe que ela é um ente público, integrante da administração pública indireta, que respeita 100% os princípios e diretrizes do SUS, e propõe transparência na gestão pública. Por isso entendo que se deva manter o diálogo com todos os conselhos de saúde do país, uma vez que a Conferência representa a população brasileira e ela precisa conhecer melhor a fundação estatal que é o avesso da privatização ou das irregularidades na administração pública.


Talvez a questão, para alguns segmentos sociais, é que seus trabalhadores serão contratados pelo regime da CLT, regime jurídico único de todos os trabalhadores desse país, sem a estabilidade própria dos cargos públicos, mas, com garantia de emprego, uma vez que no serviço público ninguém pode ser contratado ou demitido sem justificativa, exceto os cargos de livre provimento e exoneração, conforme disposto em lei, que não é o caso da fundação estatal.


Mas o que deve estar sempre acima de todos é a Constituição: e ela exige regulamentação das fundações públicas instituídas sob o regime do Código Civil. Que se respeite a Constituição de 180 milhões de brasileiros!

 



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