I- INTRODUÇÃO
Nesta semana aconteceu em Campinas o XXIV Congresso de Secretarias Municipais de Saúde. Um grande evento com participação intensa dos Secretários Municipais de Saúde e de inúmeros técnicos das Secretarias.
Concomitantemente aconteceu a IX Mostra e o II Prêmio David Capistrano de Experiências Exitosas dos Municípios com cerca de 500 trabalhos selecionados.
Tive o privilégio de ser convidado a participar de dois momentos. Um primeiro onde discuti num curso a Participação da Comunidade na Saúde. Em outro momento fui para uma mesa como um dos “conversadores” na Grande conversa “Para onde caminha o SUS no Estado de São Paulo?”. Tive como companheiros de mesa Nelsão (como grande formulador do SUS), Seixas (pela Secretaria Estadual de Saúde de SP), Carminha (presidente do COSEMS-SP) sob a presidência e coordenação do Odílio (Secretário de Saúde de Santos). Achei muito bom o tema para reflexão e acho que as apresentações ajudaram neste trabalho.
Vou falar sobre minha reflexão neste tema “Para onde caminha o SUS no Estado de São Paulo”?.
Um primeiro considerando é sobre a responsabilidade deste caminhar que pode parecer apenas de um dos gestores públicos da saúde ou de dois ou dos três. Realmente a responsabilidade pelo SUS em São Paulo é dos Governos, representantes do Estado Brasileiro mas, não apenas. Quero destacar a responsabilidade de cada um de nós cidadãos que habitamos São Paulo. Não podemos nos omitir de um lado e ninguém pode tirar de todos nós esta responsabilidade. Inclusive bem explicito está na Lei 8080,Art.2 inciso 2 que o dever do estado de garantir o direito à são não exime a responsabilidade das pessoas, das famílias, das empresas e da sociedade.
Me fiz três grande perguntas para responder a esta: 1) O que é mesmo este tal de SUS? 2) Existem caminhos para fazer este SUS-SAÚDE? 3) São Paulo trilha descaminhos ou caminhos para a concretização do SUS-SAÚDE?
II – O QUE MESMO É ESTE TAL DE SUS?
Temos que nos perguntar a cada momento se nosso objetivo é fazer o SUS ou usar dele como a ferramenta para garantir SAÚDE PARA TODOS?
Uma de minhas constatações é que estamos na saúde, muitas vezes, praticando uma CULTURA DO MEIO, em detrimento da CULTURA DO FIM. A única cultura do fim que nós, operários da saúde, podemos praticar é a de ajudar a nós cidadãos a termos mais e melhor qualidade dela.
Acho que temos nos perdido muitas vezes no emaranhado das ferramentas e dos meios e, por vezes, perdemos de vista os objetivos finais. Temos cultuado meios, alimentado meios, futricado nos meios e não tomamos como guia e referencial maior a CULTURA DO FIM, como o estado de viver mais e melhor.
Dentro desta idéia da Cultura do Fim gosto de trabalhar com o conceito simplório de saúde qual seja: SAÚDE É VIVER MAIS E MELHOR. Esta é a definição de saúde a partir do desejo das pessoas: “quero morrer bem velhinho e vivendo cada vez melhor meus anos de vida com menos doenças e sofrimentos e, se eu ficar doente, quero sarar logo e sem nenhuma consequência prolongada.”
Esta responsabilidade é de todos, de nós mesmos cidadãos, dos governos com suas ações gerais e com as específicas da saúde.
O viver mais e melhor das pessoas depende do ambiente físico, econômico e social (cidadãos+governos); das ações e serviços do sistema de saúde; de nós cidadãos que devemos ver, julgar e agir a partir do conhecimento que pode construir habilidades e se transformar em atitudes.
Quando falarmos de ações e serviços de saúde pensar sempre em responsabilidade e participação do governo e cidadãos. A integralidade das ações não pode se limitar ao tratamento das pessoas doentes, mas incluir as ações preventivas. Como diz a CF 198,II “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”, onde o sentido do termo assistencial pode ser perfeitamente entendido como curativo. Entender que as ações preventivas vão englobar dois grupos de ações que são as de promoção de saúde (onde se trabalham as causas) e de proteção de saúde (onde se trabalham os riscos específicos). As ações de promoção não dizem respeito exclusivamente à área de saúde. Os problemas de saúde têm causas denominadas de condicionantes e determinantes e as intervenções para melhor trabalhá-los não são exclusivas do setor saúde mas de uma série de outros com as quais a saúde deve agir intersetorialmente.
O jeito que os brasileiros escolheram para ajudá-los a viver mais e melhor é o jeito e modelo SUS (Sistema Único de Saúde) aquele inscrito na CF cujo resumo síntese pode ser o descrito a seguir.
Ø Saúde é direito de todos e dever do estado.
Ø O dever do Estado não exime a responsabilidade dos indivíduos, das famílias, das empresas e da sociedade.
Ø São objetivos do Sistema Único de Saúde: 1) identificar e divulgar os condicionantes e determinantes; 2) formular a política econômica e social para diminuir o risco de doenças e outros agravos; 3) oferecer assistência por ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Ø Funções do SUS: regular, fiscalizar, controlar, executar ações e serviços de saúde.
Ø Diretrizes e Princípios: Universalidade – igualdade (equidade) – integralidade – intersetorialidade – resolutividade – acesso a informação – autonomia das pessoas – base epidemiológica; Regionalização – hierarquização – descentralização – gestor único – complementariedade e suplementariedade do privado – financiamento – participação da comunidade.
III – EXISTEM CAMINHOS PARA FAZER O SUS-SAÚDE?
Existem caminhos especiais para fazer SUS em São Paulo?
Os caminhos existem dentro daquilo que caracteriza o SUS nacionalmente, descritos acima. Além destes objetivos, funções, princípios e diretrizes nacionais os Estados e Municípios podem ter criado mais alguns outros ou mesmo aprofundado a estes.
Lembro a seguir alguns pontos selecionados na legislação paulista: Constituição do Estado de São Paulo e depois a Lei 791 SP, denominada de Código de Saúde de São Paulo.
Ø Gratuidade, com vedação de cobrança de despesas e taxas.
Ø Estados e municípios devem identificar: os condicionantes e determinantes da saúde.
Ø Estabelecer e executar padrões de qualidade técnica, científica, administrativa, reconhecidos e éticos.
Ø O direito de receber e dar informações de saúde.
Ø A política de saúde deve ser concretizada por: normas e padrões; práticas alternativas; ação baseada na epidemiologia; prioridade da prevenção; avaliação resultados; tudo no plano.
Ø Transferir a municípios, com recursos, os serviços que atuam só ou predominante no município; o estado deve oferecer assistência técnica e apoio financeiro a municípios.
Ø Os serviços de saúde devem ter direção única no estado e município.
Ø Secretário deve ser um profissional de saúde.
Ø Unidades de saúde ambulatoriais e hospitalares devem ostentar um quadro com nome do corpo clínico;
Ø Deve existir farmácia em todas Unidades Básicas de Saúde e Pronto Socorros;
Ø Saúde mental: substituição gradual da hospitalização (último recurso e de preferência em um hospital geral) pelo atendimento domiciliar, ambulatorial e internação em tempo parcial;
Ø Manter unidades terapêuticas para usuários de drogas;
Ø A Secretaria de Saúde deve ter Ouvidoria para ouvir reclamações e denúncias; operada por servidores públicos indicados por lista tríplice pelo conselho de saúde;
Ø Recursos Humanos: União, Estados e Municípios ordenarão formação de RH; educação permanente; valorização tempo integral; adequação de RH a realidades e segmentos populacionais. Integração de serviços com ensino e pesquisa; preferência por tempo integral; fazer PCCS que considere: formação profissional, função, atribuições, local e condições de trabalho, riscos, incentivo à qualidade dos serviços prestados...
Ø Financiamento:
Ø Dinheiro do SUS será depositado no fundo, movimentado pela direção do SUS, acompanhado e fiscalizado pelo conselho; destinado a custeio e investimento; obedecendo a planejamento ascendente compatível com recursos disponíveis; é vedada a transferência financeira a municípios sem previsão no plano.
Ø Critérios para transferências de recursos financeiros do Governo do Estado de São Paulo para seus municípios: perfil demográfico, perfil epidemiológico; qualidade e quantidade de serviços produzidos na rede de serviços; desempenho técno-economico-financeiro no ano anterior; cumprimento dos mínimos exigidos pela EC-29; previsão plano investimento;
Ø Ressarcimento por serviços prestados a outras esferas de governo.
Ø Participação da Comunidade:
Ø Conselho, criado por lei, efetiva a participação da comunidade e também exerce função de controle social das atividades governamentais na área;
Ø Para garantir a legitimidade de representação paritária dos usuários:
Ø “é vedada a escolha de representante dos usuários que tenha vínculo, dependência econômica ou comunhão de interesse com quaisquer dos representantes dos demais segmentos integrantes do conselho.”
IV - SÃO PAULO TRILHA DESCAMINHOS OU CAMINHOS PARA O SUS?
Considerando minha fala primeira, a responsabilidade de fazer o SUS no Estado de São Paulo é do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual da Saúde, das Secretarias Municipais da Saúde e de todos os cidadãos.
A conclusão a que chego, 20 anos depois da implantação formal do SUS, e um tanto de outras décadas, pré-SUS, é que avançamos muito na conquista do direito à vida e saúde em São Paulo.
Temos que reconhecer que andamos por uns caminhos corretos que aproximaram esta conquista de cada cidadão. Mas, infelizmente andamos, também, por alguns descaminhos, desvios de rotas que estão retardando esta conquista. De um lado uma conquista que precisa ser de melhor qualidade e de outro, que atinja a mais pessoas, corrigindo a quantidade de serviços prestados. Tanto corrigindo a quantidade oferecendo mais serviços a quem não os tem, vigiando para que não sejam utilizados serviços por quem deles não necessita, quanto corrigindo a qualidade daquilo que é feito.
Acho que existem alguns pontos bem claros de que caminhos devemos trilhar, uns velhos que deverão ser mais batidos e caminhados e outros novos que devemos buscar.
Quero aqui enfatizar quais são os caminhos, velhos ou novos, que considero essenciais ao nosso próximo caminhar:
üSaúde feita por todos os atores juntos: nós cidadãos e nós Gestores federal, estadual e municipais.
üCumprir e fazer cumprir o que já está regulado e é bom, mais do que criar novos caminhos.
üRecursos financeiros: 1) cumprir a legislação; 2) mudar a legislação com mais recursos, principalmente federais 3) gastar melhor os poucos recursos que já existem.
üMelhorar uso dos recursos por foco: fortalecimento dos primeiros cuidados com saúde versus a prática de alocar a maioria do dinheiro na média e alta complexidade onde existe pressão do complexo industrial e comercial e também pressão social, muitas vezes em decorrência da primeira.
üMelhorar para a força de trabalho: criar um PCCS (Plano de Cargos Carreira e Salário) mais contemporâneo e de outro lado cobrar dos trabalhadores mais compromisso com a sociedade;
üConhecer melhor as realidades locais identificando e divulgando condicionantes e determinantes;
üTrabalhar com ênfase na promoção e proteção da saúde sem esquecermo-nos da recuperação (comove mais, demanda mais e consome muito mais e muitas vezes poderia ser evitada ou minimizada pelos primeiros cuidados);
üPlanejar melhor: tirar a PPI – Programação Pactuada e Integrada do cartorial e atualizá-la na prática, no mínimo de 3/3 meses;
üFortalecer a participação da comunidade garantindo o funcionamento de conselhos e conferências adequados à realidade e mais efetivos.
Um último lembrete: por vezes comemoramos vitórias que só gratificam a nós e nenhum significado tem para o cidadão. Precisamos todos construir um SUS que seja bom para o Cidadão. Os cidadãos querem de nós respostas a suas necessidades e resultados positivos de nosso trabalho com eles. Nem sempre estamos trabalhando com esta perspectiva.