O SUS traz em si grande complexidade pelo fato de ser um sistema que deve garantir o direito à saúde, corolário do direito à vida, dirigido pelos entes federativos, com financiamento tripartite e gestão participativa (democracia participativa), sendo considerado a maior política pública inclusiva por se destinar ao atendimento de 191 milhões de pessoas.
Contudo, o SUS tem sido uma fortaleza formal, mas dotado de muita fragilidade real pelo fato de a Lei não ter sido cumprida na sua integralidade, principalmente por nunca ter sido a lei regulamentada com explicitação de seus conceitos, diretrizes e princípios para que o agir administrativo possa se guiar por idéias-forças mantendo, assim, a unicidade conceitual do SUS.
O decreto que ora a regulamenta – Decreto 7.508, de 28 de junho de 2011 – tem o importante papel de regular a estrutura organizativa do SUS nos seus detalhes, tão necessários para a sua consolidação e melhoria permanente da sua gestão.
O decreto visa a transparência da sua estrutura organizativa com a finalidade de garantir maior segurança jurídica na fixação das responsabilidades dos entes federativos para que o cidadão possa, de fato, conhecer, em detalhes, as ações e os serviços de saúde ofertados nas regiões de saúde, em suas redes assistenciais.
A regulamentação contribuirá, também, para maior esclarecimento do Ministério Público e do Poder Judiciário a respeito das responsabilidades dos entes federativos nas redes de atenção à saúde, uma vez que não tem sido muito clara essa divisão de competências e atribuições. Não se pode perder de vista que o SUS é um sistema único num país de grandes diferenças demográficas e sócio-econômicas. Por isso é importante ter clareza dos papéis dos entes federativos nas regiões e redes de saúde onde o direito à saúde se efetiva. O SUS é um sistema interfederativo por natureza.
A gestão do SUS precisa ser transparente, deixando às claras quais os serviços, as ações de saúde, as responsabilidades, as atribuições, os recursos financeiros que garantirão a efetividade do direito à saúde do cidadão nas redes assistenciais, permitindo, assim, à população o exercício da democracia participativa, princípio constitucional do SUS.
O decreto organiza as relações interfederativas, mediante a consagração dos colegiados interfederativos tripartite, bipartite e regional, nos quais as decisões são consensuais em razão do compartilhamento da gestão e define, ainda, as portas de entrada do sistema de saúde, dispondo sobre a hierarquização da complexidade dos seus serviços, a integralidade da assistência, a assistência farmacêutica, metas de desempenho e sua avaliação mediante indicadores de saúde.
A Lei cria o mapa de saúde do país que, primeiramente, deve mostrar de modo censitário (mapa real) todos os recursos de saúde: profissionais, estabelecimentos, equipamentos, serviços, forma de acesso, para, então, ser analisado à luz de uma inteligência sanitária que possibilitará a realização do mapa de saúde de metas, o qual induzirá a organização das redes de atenção à saúde em busca da qualidade e eficiência nos seus resultados.
Os consensos entre os entes federativos deverão ser consubstanciados em contrato que consagre os compromissos assumidos, como a tripartição do financiamento, as responsabilidades dos entes perante a rede de atenção à saúde, as metas a serem alcançadas, o nível de desempenho que se pretende, dentre outros. Dispõe, ainda, sobre as regiões de saúde. É nas regiões de saúde que a integralidade da assistência deve acontecer, com garantia, neste espaço geográfico interfederativo, de pelo menos 70% das necessidades de saúde da população regional. Garante, na realidade, uma dimensão regional ao SUS conforme prevê a Constituição.
O decreto valoriza a atenção primária que deve ser a principal porta de entrada do sistema e exercer o papel de ordenadora do sistema, deixando claro, assim, o seu modelo assistencial que se fundamenta na atenção primária e ordena (no sentido de ordem hierarquizada de complexidade de serviço).
O contrato resolverá grande parte dos problemas no tocante à fixação das atribuições dos entes federativos no SUS, em razão de seu porte sócio-econômico e cultural.
[1]Coordenadora do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA; Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA; ex-procuradora da UNICAMP.
[2]Lenir Santos é a responsável pela concepção e elaboração do projeto do decreto para o Ministério da Saúde.