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Esclarecimentos caso SHELL

PR - Priscilla Nery - Revista Proteção
 
HC -  Heleno R. Corrêa Filho – Epidemiologista
 
 
 
PR - A que agentes os trabalhadores da fábrica da Shell e Basf foram expostos?   
 
HC -  A exposição dos trabalhadores e da população residente ao redor da fábrica foi múltipla, simultânea, intermitente e com variações desconhecidas entre 1976 e 2001. São três modalidades principais de exposição - os produtos químicos de fabricação e formulação da própria indústria, os produtos químicos de rejeitos da indústria estocados nos pátios, e os rejeitos industriais próprios e de indústrias terceiras de fora do sítio da fábrica que eram trazidos para incineração, além dos resíduos da manutenção industrial da própria planta.
    Na primeira categoria estão desde precursores químicos de organoclorados como os "Drins" (Aldrin, Dieldrin e muitos outros), organofosforados (como análogos do Parathion), e piretróides (alergênicos derivados do piretro existente em plantas como o Crisântemo ou cravo-de-defunto). Alguns eram importados já prontos para misturar para uso (formulação) e outros eram fabricados lá.
    Na segunda categoria estão os resíduos de derrames acidentais, vazamentos da planta, estoques de misturas resultantes de impurezas e rejeitos químicos que eram estocados e depois queimados de maneira direta sem controle de emissão. Esses resíduos chegaram a vazar para dentro dos poços profundos que serviam água para os funcionários e para o refeitório, e se infiltraram debaixo da cerca que separava a fábrica das chácaras em direção ao Rio Atibaia, contaminando a colheita de produtos de agricultura e impedindo criação de animais e beber água dos poços. A pluma subterrânea de poluentes "caminha" pelo subsolo entre o site da fábrica e a beira do rio de forma continuada até hoje.
    Na terceira categoria estão os produtos de queima de resíduos industriais em chama direta e fornos que despejaram na atmosfera durante anos, associados com cinzas altamente concentradas que foram enterradas em locais impróprios diretamente em contato com o subsolo e com o lençol freático contaminando as águas superficiais e profundas. A queima gera poluentes para o ar na forma de fumos, vapores e material particulado. Gera também cinzas altamente duras, densas, pesadas e solidificadas aderidas a restos betuminosos dependendo da queima completa ou incompleta. Nas cinzas solidificadas pode ser encontrado todo tipo de poluente resultante de queima industrial desde metais pesados e seus compostos (Cromo, Manganês, Molibdênio, Arsênico, Mercúrio, Chumbo, Níquel, Cádmio) até os produtos voláteis que se dispersam no ar após a queima incompleta de materiais orgânicos como os PHA (Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos) de cadeias longas e curtas, além das famílias químicas conhecidas com o nome de Dioxinas e Furanos. São uma família química de produtos cancerígenos e lesivos que podem atuar em animais e humanos desregulando as glândulas internas. São derivados da degradação e da queima dos produtos que as fábricas manipulam e não aparecem nas listas de produtos industriais por que são incontáveis, variam segundo as temperaturas de queima e composição do que é queimado. Os PHA, Dioxinas e Furanos são na maioria das vezes leves o suficiente para serem transportados pelo ar na fumaça e dispersarem-se com os ventos e as chuvas.
    Um dos resíduos industriais de manutenção das tubulações com isolamento térmico foi o pó de asbesto-amianto, cuja luta pelo banimento pelos efeitos cancerígenos é bastante conhecida.
    Quem trabalhou na fábrica e quem morou na vizinhança esteve exposto a tudo isso inclusive os trabalhadores que atuaram na demolição da fábrica para descaracterizar o site após o fechamento e o processo judicial.
 

PR - Quais as principais enfermidades apresentadas por eles? Quais as consequências?
 
HC - Existe uma lista de enfermidades consideradas comuns e algumas raras que estão em estudo. A maior dificuldade para esses estudos é o fato de as empresas não revelarem os tempos de exposição e as identidades dos trabalhadores expostos. Apesar disso os trabalhadores formaram uma Associação (ATESQ) e conseguiram evidências sobre quais doenças raras e quais excessos de doenças aconteceram e isso está parcialmente apontado no processo judicial e parte em teses acadêmicas e artigos científicos. O que chamou mais a atenção até o momento foram casos de câncer, especialmente os de tireoide e sistema linfo-hematopoiético em trabalhadores com idades abaixo de sessenta anos e em maior proporção que na população adulta masculina geral. Mais de cinquenta trabalhadores do grupo exposto já faleceram e seus atestados de óbito são objeto de análise e estudo até o momento em 2013. Como faltam recursos financeiros e logísticos para essas pesquisas elas estão sendo feitas lentamente e os resultados já obtidos são relatados na literatura disponível até o momento conforme cito nas referências.
    A principal consequência sobre os ex-trabalhadores expostos é que nunca mais conseguiram emprego por que ficaram marcados nas listas informais e por terem sido empregados daquelas companhias não foram mais aceitos por ninguém para trabalhar no ramo químico e mesmo outros ramos industriais onde são competentes. Ficaram excluídos da possibilidade de trabalhar por que ninguém os quer. Os que ficaram doentes tiveram que procurar o SUS que está desaparelhado para atender consequências tão especializadas da exposição industrial. Os exames especializados são caros, os tratamentos difíceis, as filas são longas. O sistema de saúde público e privado não está capacitado para atender esse tipo de problema.
    Outra consequência é que as doenças que acometem e matam os ex-trabalhadores são considerada "comuns" pelas empresas e pela maioria dos profissionais de saúde que não distinguem o adoecimento precoce e em maior proporção no grupo exposto e buscam tratar de forma padronizada e até mesmo negar-lhes direitos sem procurar a história da exposição a que foram submetidos. Isso retarda os diagnósticos e aumenta o sofrimento dos que precisam de ajuda hoje.
 
 Referências:
 
1.            Rezende JMP. Caso SHELL/CYANAMID/BASF :  Epidemiologia e informação para o resgate de uma precaução negada. [Tese de Doutorado]. Campinas: UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas; 2005. Available from: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000108533
2.            Sabino MO. Reconstrução de coortes: métodos, técnicas e interfaces com a vigilância em saúde do trabalhador [Dissertação de Mestrado]. Campinas - SP,: UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas; 2009. Available from: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000439444 ; http://cutter.unicamp.br/document/?code=000439444.
3.            QUIMICOS UNIFICADOS. No TST, vitória maior é Shell reconhecer publicamente, em juízo, a contaminação. Site Noticias Sindicais [serial on the Internet].DOI:2013; (14/02/2013): Available from:http://www.quimicosunificados.com.br/7836/no-tst-vitoria-maior-e-shell-reconhecer-publicamente-em-juizo-a-contaminacao/.
4.            Diamanti-Kandarakis E, Bourguignon J-P, Giudice LC, Hauser R, Prins GS, Soto AM, et al. Endocrine-Disrupting Chemicals: An Endocrine Society Scientific Statement. Endocr Rev. 2009 June 1, 2009;30(4):293-342.
5.            Hill AB. The environment and disease: Association or causation? Proceedings of the Royal Society of Medicine [serial on the Internet].DOI:Unavailable; 1965; 58(5 May): Available from:http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1898525/pdf/procrsmed00196-0010.pdf
6.            Ayres JRdCM. Sobre o risco: paara compreender a epidemiologia. Capistrano Filho D, Merhy EE, Campos GVdS, Bonfim JRdA, editors. São Paulo: HUCITEC - Humanismo, Ciência e Tecnologia; 1997.
7.            Breilh J. Reprodução social e investigação em Saúde Coletiva. In: Czeresnia D, editor. Epidemiologia: teoria e objeto. São Paulo: HUCITEC - ABRASCO'; 1990. p. 137-65.
8.            Klaassen CD, Amdur MO, Doull J. Cassarett and Doull's Toxicology: The basic Science of Poisons. 3 ed. Klassen CD, editor. New York: Collier Macmillan Canada, Inc.; 1986.
9.            Levins R. Whose scientific method? Scientific methods for a complex world. New Solutions. [Review on Methods]. 2003;13(3):261-74.


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