Corporação Médica confronta profissões de saúde e elege Governo como adversário político:
Todos os vetos à "lei do ato médico" são pertinentes e justificados pela falta de sintonia com outros profissionais e pela avidez política de representantes da corporação médica em tomar posse de áreas de interface. As indefinições que a lei apresentava obrigaram aos vetos exatamente por que eram de propósito.
Quaisquer óculos indicado por um optometrista seria objeto de criminalização e disputa judicial por ser a prescrição de correção visual considerada um "ato médico".
Qualquer direção administrativa ou de vigilância epidemiológica seria judicializada.
Qualquer professor que ensine ética, biofísica, anatomia comparada, e epidemiologia em escolas de medicina seria considerado praticante de "atos médicos". Qualquer biólogo que ensine patologia clínica, biologia e farmacologia molecular, engenharia genética para fármacos, será considerado invadindo disciplinas "exclusivamente médicas".
A lei levada para apreciação presidencial foi uma lei elaborada por pessoas não ignorantes e nem medíocres. Foi elaborada por quem entende de como criar caso e disputar mercado deixando áreas limítrofes propositais com a intenção de posteriormente judicializar e bloquear programas oficiais como tratamento e diagnóstico de endemias rurais e casas de parto nas periferias das cidades.
Os líderes médicos corporativos e os médicos mais à direita do Congresso uniram esforços para fazer valer seus interesses. A última forma em que a lei foi enviada para sanções e vetos da Presidência da República tinha sido suavizada e ainda assim era uma das piores formulações legislativas a ser empurrada goela abaixo das profissões de psicólogo, nutricionista, optometrista ou ortóptico, fisioterapeutas, enfermeiros (disputa sobre casas de parto), administradores de saúde, epidemiologistas, e até farmacêuticos. Dentistas seriam questionados por usar acupuntura como recurso analgésico e anestésico.
Trata-se de uma excrecência legislativa corporativista compatível com uma legislatura medíocre. Uma legislatura eleita predominantemente por financiamentos privados de campanhas eleitorais, composta em grande parte por lobistas de latifundiários, companhias farmacêuticas, monopólios produtores e vendedores de commodities como minério e soja, e grupos de seguradoras e financeiras. A legislatura que promulga a lei que foi parcialmente vetada é a mesma que se recusa a ouvir e aplicar as mudanças exigidas pelas mobilizações de massa em junho e julho de 2013 alegando "falta de tempo".
Não havia alternativa política para o executivo. A lei sancionada com vetos parciais representa o pior que pode ser produzido em forma legislativa que resulta da combinação de um Congresso que age por princípios impopulares aliado a corporações com interesses conflitantes com a sociedade e com desprezo pelo SUS.
O conjunto do que vem sendo chamado de a troika médica - CFM-AMB-FENAM - busca mobilizar seus associados contra o governo e não a favor da sociedade. Não tem resposta social para dar a não ser o clamor por privilégios corporativos. Aproveitam o embalo para questionar com posição corporativa os pontos polêmicos da Medida Provisória 621 que ainda passará por análise no mesmo Congresso que aprovou a lei sancionada e parcialmente vetada pela Presidenta. (1)
O desafio do Presidente do CFM dizendo ao telefone para o Ministro Padilha "veta tudo" revela que a corporação médica aposta na estratégia de confronto e se coloca como oposição governamental. Não está buscando o equilíbrio ético ou profissional. Está buscando posicionar-se à direita das outras corporações profissionais. É a estratégia para a vitória de Pirro. Se derrubarem os vetos no Congresso os médicos ficarão sozinhos na planície das profissões, acusados, odiados e apontados como usurpadores de mercado.
[O que o que chamam de "custo brasil" tem o mesmo sentido da palavra "governança" no dialeto neoliberal. O povo está fora. Falam do custo em tributos que não conseguem sonegar, em propinas que dão para agentes políticos e públicos, em salários e vantagens para seus lobistas que também são exigentes. Não falam do custo do zé povinho em muletas ou cadeiras de rodas por que quem vai carregar é a família.]